2 – o contextonacional
Na plano nacional a democracia chegou-nos com o 25 de Abril de 1974 precisamente quando se entrava na fase final dos “trinta gloriosos anos” do pós-guerra. Juntando este facto a um acidentado processo de estabilização político-económica, o nosso país, quando foi admitido na CEE, apresentava uma soma de fragilidades e vulnerabilidades estruturais a diversos níveis: no do sistema produtivo e empresarial; no das instituições democráticas; no da formação, educação e qualificação; no da cultura e das mentalidades.
A história destes anos mostra-nos bem, por muito que custe às almas generosas e bem-intencionadas, como a democracia não é uma mera construção jurídico-político-institucional, mas o resultado de mudanças complexas e profundas de carácter eminentemente sociocultural.
Se por democracia entendermos uma efectiva separação dos poderes, secularização e laicização, pluralismo partidário, primado da Lei, forte sociedade civil, participação cívica,consentimento e confiança renovados por parte dos cidadãos, direitos individuais, liberdades e garantias integralmente asseguradas, justiça social, etc.
Ora, tem-se verificado como é difícil superar as sequelas de quase meio século de regime autoritário e do que foi a nossa história do século XIX e da primeira metade do XX. Ou seja, e abreviando, trinta e sete anos depois do movimento dos capitães, temos uma sociedade civil extremamente frágil, uma cultura cívica embrionária, um sistema político e um sistema de partidos marcado por graves disfunções. Isto é, temos uma democracia que padece de sérias patologias.
Os dois principais partidos que se afirmaram numa bipolarização de governo, se se podem designar como de massas do ponto de vista organizativo, são um misto de catch-all parties e de partidos oitocentistas. Assim, passada a fase heróica das lideranças dos pais fundadores, tornaram-se aparelhos
pragmáticos de gestão de clientelas, de colocação de burocracias na administração político-económica pública; organizações onde, com a maior das
naturalidades, as oligarquias que gravitam em torno dos vários níveis do poder, subvertem as regras democráticas a nível interno, falseando eleições, organizando sindicatos de voto, recorrendo às mais diversas formas administrativas de controlo funcional. E as suas respectivas juventudes, em vez de formarem quadros imbuídos de uma exigente cultura democrática, tornaram-se viveiros que asseguram a reprodução dessas oligarquias partidárias.
Pela sua natureza social e organizativa, que tecnicamente se poderá designar de partido de quadros, o CDS/PP é um caso que se diferencia das duas grandes forças do bloco central.
Quanto à esquerda, comunista e bloquista, alimenta-se do seu potencial de pressão. Particularmente o PCP, devido à sólida base sindical; o BE desempenhando um papel tribunício que noutros países cabe às forças extra-parlamentares. Por outro lado, ambos se têm auto-excluído da governação. Orientação esta que penalizará nas próximas eleições em especial os bloquistas.
Deste modo, aos problemas com que se deparam as democracias um pouco por todo o lado, juntam-se em Portugal estes elementos que nos são específicos; às repercussões da crise do sistema económico-financeiro a nível internacional, acrescentam-se os nossos bloqueamentos devidos ao atraso secular, às irracionalidades introduzidas na agricultura e na indústria, ao desbaratamento dos fundos europeus, à corrupção negocista proporcionada por sucessivos governos. Casos de verdadeiro assalto ao erário público, como os das PPP – para citar só este exemplo -, ou ainda outros de criminosa promiscuidade entre o público e o privado de que emergiram os escândalos do BPN e do BPP, dariam lugar, noutros países europeus, a
fortes sanções judiciais e políticas.
No nosso país o cidadão médio tem uma relação esquizofrénica com o Estado e a política, ainda marcada pelo sufocamento cívico das dezenas de anos de salazarismo: detesta os “políticos” mas venera o poder e, no fundo, considera uma injustiça não ser, se não ministro ou deputado, pelo menos
convidado para presidente da Junta de Freguesia. A comunicação social, por seu lado, torna a vida política numa espécie de prolongamento dos confrontos futebolísticos e muitos dos jornalistas – as excepções são sempre…excepções -- adorariam ser “políticos”, ou assessores de um gabinete ministerial, maxime integrarem o gabinete do primeiro-ministro ou da Casa Civil do PR.
Escasseia, assim, uma visão crítica e lúcida sobre os verdadeiros problemas com que o país se depara, é incipiente a cultura democrática e
funcionam mal os checks and balances fundamentais à saúde do sistema político . Por tudo isto – respondendo à questão enunciada no início -, é claramente falacioso centrar neste último governo todas as responsabilidades pelo impasse a que se chegou. José Sócrates não é um reformador como tentou ser Costa Cabral. Ele, como já Guterres fizera, introduzindo uma ou outra medida positiva inspirada do modelo social europeu – digamos assim para facilitar -, limitou-se, no essencial, a gerir uma situação já viciada e, na sequência do que atrás disse, fê-lo com pragmatismo, detestando – ele e a sua equipa - perder tempo com grandes ou pequenas questões de carácter ideológico-programático, ou excessivos aprofundamentos nos planos das ideias, dos princípios e dos valores. Governar era preciso, mesmo que esvaziando o PS de qualquer vida interna ou de capacidade de definição estratégica (os programas eleitorais e de governo são textos de circunstância produzidos a toque de caixa por uns quantos autores de ideias gerais) ,
transformando os seus membros – já nem será correcto dizer militantes - em meros figurantes na execução de objectivos traçados pelas agências de marketing. E as coisas até funcionaram enquanto a conjuntura internacional permitiu engenharias contabilísticas e esconder sob o manto diáfano da fantasia, veiculada nos prime time, as irracionalidades político-económico-financeiras com que, entretanto, gestores públicos e privados, e muitos cavalheiros de indústria, iam lucrando. Ao mesmo tempo, o cidadão comum – especialmente das classes intermédias - distraía-se utilizando os seus cartões de crédito generosamente fornecidos por uma banca próspera e protegida que lhe prometia abrir as portas de todos os paraísos.
(Continua)
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