Caro Adão
Penso que a minha exposição agradou a bastantes visitantes, e não me admira que também lhe tenha agradado, afinal o Adão não está dissociado das artes plásticas, e também escreve. A sua opinião é por isso fundamentada, tem merecimento, no entanto o entendimento que manifesta associado apenas ao sentimento é apenas uma parte de um problema. O que se entende por Arte hoje, e tanto se escreveu e escreve, exige uma conversa, não pode resumir-se em poucas. Não existe uma definição simples, portanto.
Pessoalmente não rejeito o que se pode fundamentar, com poesia ou sem poesia, embora seja exigente quanto aos pressupostos criativos da novidade e autenticidade. A pureza das manifestações é posta em causa muitas vezes, existem contaminações da pintura por palavras, tanto quanto estas se fazem acompanhar da música e da dança, e as possibilidades criativas em aberto multiplicam-se para lá das convenções e dos princípios tradicionais. Fazem-se experiências com materiais e o significado ontológico aceita as palavras para que as realizações sejam consideradas, não tanto como explicação de uma obra, mas para ser a consequência ou parte fundamental da obra. E nesta perspectiva de uma conceptualizada realização, a arte, a não arte ou a anti-arte, coexistem, e nem sempre se distingue o que é bem feito do mal feito, porque tudo se assume. E eu próprio tenho dificuldade em dizer que gosto ou não gosto, afasto o gosto pelo desejo da conversa, desejo que ela se instale antes de tomar uma posição incontroversa de rejeição disto ou daquilo. Conversando posso entender as obras de arte e a perspectiva de enquadramento, assim como as mudanças qualitativas podem surgir. Arrasto para aqui a leitura de determinados livros, porque eles fazem parte do meu ser, ensinam-me a viver, permitem-me que seja o artista que sou, tentando perceber também o que outros artistas fazem, e há tanta coisa que rejeito, lamentando não poder falar com esses artistas. Talvez os convencesse a mudar ou a desistir, porque de facto existem coisas que não fazem sentido, ou fazem se fossem explicadas na perspectiva da mudança. Claro que estou a pensar no domínio específico das artes visuais, já que em relação à poesia das letras, também rejeito tanta coisa que se publica, que nada tem a ver com a dimensão labiríntica que entendo, e considero no sentido metafórico. Independente da aura que a minha pintura pode trazer e ser factor de encanto, ela é pensada, é uma pintura de pensamento, posso falar dela como consequência do labirinto que convoco para o (meu) entendimento do mundo. E porque depois da aproximação à escrita vieram as palavras dos outros e as minhas, devo referir-me à obra situando-me a montante e os outros a jusante. Não é a obra que está a jusante, mas os outros. A obra medeia, estabelece a aproximação, é interventiva, interpela e se transforma pela consequência positiva de participações de dentro e de fora. Há com certeza um sentimento poético presente no acto criativo, e a relação ontológica muito presente vem dimensionar o caminho das procuras, trazer a filosofia a assumir-se, obrigando-me a ter atenções a um conhecimento que me liberta dos aspectos especificamente artesanais. Estes podem ser cuidados, afinal a aprendizagem existiu, mas devo considerar a dimensão suplementar da pintura, dimensionar a pintura pela percepção da intenção de escrita através da escrita, e referir uma consciência possível sobre a realidade que me envolve. Naturalmente que o homem que sou acompanha o artista que também sou, e o sentimento poético vai ter uma dimensão, que não pode deixar de se perceber associado a algo que nada devo ao entretenimento. Sob este ponto de vista considero-me um artista não entretido, mas comprometido e de esquerda, embora não realize uma obra panfletária. É evidente que não imponho o modo de viver o que faço, respeito as realizações diferentes, sobretudo aquelas que se assumem pela qualidade, mesmo se essa qualidade não se resume ao lado físico e considera as ideias, que pressupõe o trabalho das ideias. Desta forma a arte pode ser útil, menos a inutilidade útil que reportamos à pintura, assumindo-se relacional pelo pensamento, e abre-se ao estudo hermenêutico. E o Adão responde positivamente a esta questão, não sem se contradizer, referindo as investigações académicas. E porque não um titulo ? É que certas obras se dimensionam também a partir de um simples título. Existem intenções com a realização das obras de arte que devem ser respeitadas, porque correspondem a modos próprios de sentir e de entender. Afinal as obras de arte são como que propriedades imperfeitas na abertura, sem excluírem a pluralidade dos significados, e o respeito pelos direitos de propriedade só pode exigir deveres. Por último: Haver ou não títulos, embora tenha dificuldade em perceber os títulos das pinturas, é uma questão pessoal. Eu prefiro dar títulos às exposições, sempre acompanhadas de documentos, catálogos ou simples folhetos, que ficam depois das exposições, e vão ter um valor documental.
Um abraço grande do
Emerenciano