Quando em 4 de Julho de 1776 foi proclamada a Independência dos Estados Unidos, acendeu-se a esperança num futuro em que as injustiças sociais, económicas e políticas fossem eliminadas ou reduzidas. Numa Europa em que monarquias decadentes e irracionais enfrentavam o racionalismo dos intelectuais iluministas e onde uma burguesia ilustrada começava a contestar à aristocracia o secular direito de governar, o exemplo norte-americano foi um farol de esperança. Na Declaração da Independência, em cuja redacção foi decisiva a intervenção de Thomas Jefferson, dizia-se que «a prudência recomenda que não se mudem os governos instituídos há muito tempo por motivos leves e passageiros.» (…) «Mas quando uma longa série de abusos e usurpações, perseguindo invariavelmente o mesmo objecto, indica o desígnio de reduzi-los ao despotismo absoluto, assiste-lhes o direito, bem como o dever, de abolir tais governos e instituir novos Guardiães para sua futura segurança».
Em França estas palavras foram devidamente assimiladas e, treze anos depois, eclodiu a Grande Revolução sob a égide da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade. No imenso território americano, povoado por europeus – aventureiros, prostitutas, ladrões, exilados políticos e religiosos… ou seja, gente que na Europa era pouco ou nada considerada (em alguns casos, considerada «lixo humano»), nascia uma nova forma de organização social. Menos de dois séculos e meio depois, o que é feito da luz radiosa do american dream?
A morte de Osama Bin Laden, uma «execução» na perspectiva norte-americana, um «assassínio» na visão do mundo islâmico, é assumida na imprensa ocidental como coisa normal. A morte de um filho de Kadhafi e de três dos seus netos na sequência de um bombardeamento da NATO, é também coisa considerada «normal». Se num atentado dos fundamentalistas islâmicos morresse o cão-de-água do presidente americano, o ruído mediático teria sido maior.
A opinião pública ocidental está estupidificada – somos capazes de nos aperceber do ridículo do fanatismo islâmico, do carácter obsoleto do discurso dos clérigos muçulmanos, da interpretação que se faz do Corão e das incidências dessa leitura na vida quotidiana dos povos crentes em Maomé – as burcas, os apedrejamentos de adúlteras… tudo isso nos parece anacrónico, cruel, estúpido, numa palavra. E é. Mas será que ninguém se apercebe do estado a que chegou a opinião pública no Ocidente? Das anormalidade que aceitamos como normais? Só somos capazes de nos aperceber da anormalidade do «outro»?
Slobodan Milošević foi julgado por crimes de genocídio e por violações da Convenção de Genebra. E muito bem. Mas os generais dos Estados Unidos e da NATO que entram em territórios estrangeiros para derrubar tiranos e provocam centenas de milhares de mortos, ou para «executar» inimigos; que bombardeiam as residências de chefes de Estado, não são julgados? O Tribunal da Haia é, de facto e como se pretende, um instrumento jurídico internacional ou apenas um braço punitivo ao serviço da política norte-americana e do Ocidente?
Se o mesmo número de mortos ocorrido em 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque (cerca de três mil), tivesse acontecido no Iraque, no Afeganistão ou na Líbia em consequência de um bombardeamento americano, o assunto teria já sido esquecido, ou melhor nem seria assunto. Caso arquivado, «danos colaterais». Sabem quantos iraquianos já morreram em consequência da «ajuda» americana e ocidental à «democracia»? Segundo um estudo publicado na revista médica britânica The Lancet, 601 000 iraquianos morreram em consequência directa da violência que a invasão desencadeou; outros 54 000 morreram devido a factores indirectamente relacionados coma situação que a invasão criou no país. Conclusão: a vida dos americanos é muito mais preciosa do que a dos outros povos – é a conclusão a tirar.
Há, repito, uma estupidificação generalizada – acha-se natural que os Estados Unidos ou os seus aliados europeus, intervenham em estados soberanos, bombardeiem as residências de chefes de Estado, matando familiares. Ninguém se interroga sobre qual a base jurídica do Direito Internacional que sustenta tais agressões. Nada disto faz sentido numa óptica civilizacional – a lei do mais forte? – mas essa era a que imperava nas cavernas – O que é feito de milhares de anos de suposta civilização? Talvez do american dream nos reste a convicção de que quando « uma longa série de abusos e usurpações, perseguindo invariavelmente o mesmo objecto, indica o desígnio de reduzi-los ao despotismo absoluto, assiste-lhes o direito, bem como o dever, de abolir tais governos e instituir novos Guardiães para sua futura segurança». Há muito que os Estados Unidos da América demonstraram que querem governar o mundo com um despotismo absoluto, usurpando a soberania aos outros estados, impondo os seus conceitos a ferro e fogo. A História ensina-nos que não há impérios eternos – este já fez demasiado mal. Há que abatê-lo.
Tal como os cavalos, os impérios também se abatem.
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