Fotografia de Maurício Abreu in “Tabernas – Lugares de encontro e solidão em Setúbal”,Câmara Municipal de Setúbal, 1990
Há umas semanas sai em grupo, à procura de caracóis. Tínhamos acabado um programa “cultural” na Amadora e por lá ficámos, dado que até tínhamos cicerones locais. Um amigo quis-nos levar a uma taberna recentemente renovada, imposição de novas regras e leis. Mantinha o chão e as divisórias da frente originais mas nos fundos tinham sido aproveitados outros espaços, tendo em vista fazer casas de banho e futuras salas de jantar, quando as economias o permitissem. As pipas de vinho lá continuavam mas num enquadramento perfeitamente branco, não deixando revelar o muito líquido que por ali tinha passado. Algumas das mesas onde nos sentámos ainda tinham os tampos em mármore. Nas paredes as decorações eram com objectos antigos, alguns com alguma piada.
Enquanto bebia uma mini – a meio da tarde um copo de três não desceria bem pela goela abaixo – e petiscava umas fatias de queijo e amendoins, lembrei outras estadias noutras tabernas. Concretamente, a primeira piela de alguns jovens, a ensaiarem trabalhar no primeiro campo de trabalho para estudantes, no início dos anos 70. Acampávamos num terreno junto a uma estação de caminho de ferro, que só devia ver aí dois ou três comboios por dia. Junto a ela, havia uma taberna. Nela, os jovens experimentaram os primeiros golos de álcool, longe da família e de rédeas habituais. Como o bagaço é de sabor forte, provavam o “eduardinho”, xaroposo e açucarado… Muitos iam em braços para as tendas e no dia seguinte as olheiras denunciavam-nos, assim como o ritmo mais lento na apanha do pepino.
Lembrei os homens, tristes e sós, que frequentavam as tabernas e no que elas representaram no passado na nossa vivência colectiva. Lugar de convívio, do afogar as mágoas pessoais e sociais. Lugar de cumplicidades, de coesão social, de ostracismo para com o estranho que ali penetrava. Lembrei descrições preciosas da literatura portuguesa e cenas de filmes que tão bem ilustraram esse ambiente. Lembrei as mulheres que se atreviam a lá entrar, humilhando seus maridos, tentando chamá-los à razão e levando-os para o lar. Lembrei as mulheres que foram sovadas quando muitos desses homens chegavam a casa já entornados e nelas descarregavam tudo o que de mal lhes corria na vida.
Atrás de mim, uma pipa fazia de mesa. E um senhor idoso, triste e solitário, bebia uma cerveja sem álcool. A galhofa que decorria à minha frente parecia-me uma ofensa àquele ser. Que história de vida seria a sua? Que alegrias, que tristezas? Quantas horas de sua vida terá passado em tabernas? Que alternativas terá tido para ocupar o seu tempo? Que companhias teve? Que consequências na sua saúde a ingestão, eventualmente exagerada, de vinho?
A relação com o álcool é hoje diferente. Não melhor, diferente. Sobre o vinho já escrevi (-“ Vinho – com ele me deleito”). O álcool, puro e duro, é outra coisa.
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