Domingo, 8 de Maio de 2011

E VAI UM... O que importa o nome da rosa? - a rose by any other name would smell as sweet - l’important c’est la rose – por Carlos Loures

 

Carlos Loures O que importa o nome da rosa? - a rose by any other name would smell as sweet - l’important c’est la rose

 

(ilustração de Adão Cruz)

 

Para quem aspira a uma democracia plena, o cenário da vida política portuguesa, da nossa «democracia», não podia ser mais desolador. Quando o ar está abafado dentro de casa, abre-se a janela e aspira-se ar puro. Porém, abrindo a janela, olhando globalmente o planeta, o ar é mais sufocante e o panorama é ainda mais assustador. Como num pesadelo ou num quadro de Dalí, num labirinto soturno, seres humanos sonâmbulos, errantes, incaracterísticos, vagueiam, enquanto um animal mutante e híbrido os persegue, devora e logo os regurgita devidamente educados, transformados em humanóides-socializados, em membros indiferenciados de uma gigantesca colmeia com milhares de milhões de corações, pulsando ao mesmo ritmo. Um a um, os seres vão sendo agarrados. Mas não fogem, oferecem-se aos dentes da fera com a indiferença de quem nada quer fazer para o evitar. Porque ser devorados e regurgitados, convertidos em peças da máquina global, parece ser o principal objectivo das suas vidas. E chamam a essa transmutação perversa «originalidade»! Herbert Marcuse (1898-1979), o filósofo norte-americano de origem alemã, um dos mais importantes pensadores da Escola de Francoforte, explica-nos como o sistema, através de um marketing sofisticado, e utilizando os seus dispositivos de controlo, consegue que o «homem-unidemensional» assuma como seus os objectivos do sistema e como suas as necessidades do sistema (confundindo as formas de satisfação socialmente exigidas com as formas de satisfação genuinamente individuais – formas que, numa sociedade saudável, deveriam estar em dialéctico conflito). «Deste modo», conclui Marcuse, «a sociedade estabelecida assenta nos próprios pensamentos, nos próprios sentimentos e inclusivamente nos próprios corpos da maioria dos indivíduos». Seria interessante que alguém estudasse a intertextualidade entre os conceitos de homem-massa, de Ortega y Gasset (a que já aqui aludi en passant) e o de homem unidimensional, de Marcuse. Ambos se parecem referir ao homem resultante da sociedade industrial – embora os modelos de um e de outro possam estar separados por duas ou três décadas e, portanto, algo desfasados. O pressuposto de Engels, segundo o qual é a vida que determina a consciência e não o contrário, é claramente assumido por Marcuse. A sociedade unidimensional, orientada pelo marketing, a sociedade de consumo como mais habitualmente dizemos, impõe um padrão de vida, esse padrão arrasta consigo uma ideologia de vida e essa ideologia molda a consciência do homem. Resulta no homem unidimensional. Todos sabemos como, por exemplo, os adolescentes, na sua ânsia de se afirmarem como seres únicos e diferenciados, adoptam os hábitos da maioria com a insolência e a agressividade de quem está a inovar. Cabelos compridos, ou curtos, saias idem, piercings, tatuagens – coisas vulgares e vulgarizadas, massificadas – são usadas pelos jovens com a sensação de que estão a participar numa revolução. Como as variáveis não são muitas, a novidade de hoje pode ter sido a velharia de há oitenta anos e vice-versa Na realidade não chocam ninguém, não revolucionam nada – enriquecem os velhos das multinacionais que lhes impingem a tralha com que se ataviam e chateiam os pais. Os avós não se sentem incomodados, porque já viram este filme diversas vezes. Refiro o exemplo dos adolescentes porque neles é mais visível o alinhamento numa massificação de usos, roupas, músicas, com essa falsíssima sensação de corajosa originalidade. Na realidade, nos adultos, a massificação é semelhante, embora não tão evidente. Porque o adulto vai tendo tempo para cultivar uma capa de personalidade única e invulgar, sob a qual esconde a sua massificada vulgaridade. As modas que os jovens e os menos jovens adoptam com a convicção de que estão a definir uma personalidade única, são estudadas meticulosamente por gabinetes de marketing. O mercado é dividido em grupos-alvo, segmentados sócio-demograficamente, em classes, segundo o sexo e a faixa etária, considerando o habitat, se urbano, se rural. Nós a levarmos uma vida cultivando o mito de que temos uma personalidade única e irrepetível e os sacanas dos copywriters e dos accounts a arrumarem-nos em meia-dúzia de categorias, a espetarem-nos no peito, como insectos no álbum de um entomólogo, um alfinete com um rótulo do género – Mulher, 43 anos, classe C1, habitat urbano. Tal como os adolescentes que, com a ideia estulta de que estão a ser rebeldes, estão a proceder como mansos cordeirinhos, os adultos compram os carros (escolhendo quase todos a mesma cor – desde há anos o cinzento metalizado), as roupas, os dentífricos, que o marketing lhes dita, sempre com a ilusão de que são uns gajos cheios de personalidade. E tal como acontece com as roupas e carros, as ideias políticas também são postas ao dispor dos «cidadãos - eleitores» já pensadas. Como se comer comida mastigada fosse uma vantagem. Toda a gente protesta, mas depois, no momento de votar, uma larga maioria vota num dos dois partidos do poder – comida super -mastigada! Falemos de nomenclatura. Que raio de nome havemos de dar a isto que tenho estado para aqui a defender? Temos de ir um pouco atrás. Quando critico os partidos do chamado «bloco central», faço-o tendo em conta as diferenças de índole programática entre os dois. O PS cada vez é menos socialista e não chega sequer a ser social-democrata. Quanto ao PSD, menos do que neo-liberal, não sei no que estava aquela gente a pensar quando crismou o PPD (embora os termos «popular» e «democrático» constituíssem já um monumental embuste). Agora, Partido Social-Democrata? Mas então ninguém, naquela casa sabe o que é a Social-Democracia? Nem o Pacheco Pereira? Nem o professor Marcelo? O Partido de Lenine era o Partido Social-Democrata Russo, inspirava-se em Marx e em Engels, e esteve na génese do PCUS. Social-Democracia ou Democracia-Social é a antítese da «democracia» neo-liberal. Mas enfim, a demagogia conduz a estes «equívocos». O Partido Socialista, parecia não se ter equivocado no nome, pois provém da Acção Socialista Portuguesa, constituída na sua maioria por gente formada na «cantera» (acho graça a este estúpido termo futeboleiro) do Partido Comunista. Era mesmo socialista que eles queriam dizer. Apenas porque dizer e fazer são coisas diferentes. Nem para todos, claro, houve e há socialistas honestos e que procuram ser coerentes com os seus ideais. No fundo, o que era preciso era realinhar as pessoas em novos partidos, digo eu e os que gostavam de ver a situação clarificada. Já noutra crónica lamentei a ausência de um deus ex machina que viesse pôr-nos o leque político na ordem, como quem ordena uma mão antes da partida de bisca ou de sueca. Porém, embora para os políticos, esta simulação de luta ideológica seja útil, Sócrates e Manuela Ferreira Leite, bem como a maioria dos seus mais destacados seguidores, deveriam estar todos no mesmo partido. São a mesma gente ambiciosa de poder, mas de ideologia pindérica. A questão central deste texto – a da ideologia que os media e o mercado impõem, através da televisão e da imprensa, ao homem comum, «unidimensional» ou «massa» – o artolas que paga o circo, mas que não tem direito a ir para o redondel. Paga para ver o espectáculo e não para nele participar. Por isso, voltemos ao tio Herbert: há um opusculozinho de Marcuse com um discurso que ele fez em Março de 1969 no aeroporto de Vancouver. De notar que as autoridades canadianas o tinham intimado, à sua chegada, na véspera a abandonar o país no dia seguinte – democracia, sim, mas devagar - Por isso ele fez uma palestra para estudantes que foram ao aeroporto. «Exigir o Impossível» foi o título dado ao livrinho onde a palestra foi registada. Título que retirou de um graffiti nas paredes da Sorbonne, no escaldante Maio do ano anterior: «Sejamos realistas, exijamos o impossível!» Porque só exigindo o impossível, sendo radicais (ou seja, indo à raiz dos problemas) é que podemos contrariar a manipulação que é feita às consciências de milhares de milhões de pessoas. Já não falo de socialismo, pois o termo está conspurcado pelas experiências históricas que conhecemos e por partidos bastardos como o nosso PS. Nem faz sentido invocar Marx (embora se lhe reconheça toda o saber e inteligência e o carácter científico que deu ao exercício da política). Devemos sempre exigir o impossível. E o impossível é ser dado a cada pessoa, apenas por ter nascido, aquilo a que tem direito, prover as suas necessidades físicas e intelectuais. Redesenhar a sociedade e construir um modelo voltado para as necessidades da família humana e não para a usura, para a ganância do lucro a todo o custo. Montar os dispositivos que permitam distribuir a riqueza existente de forma racional, dando a cada um a sua parte (porque não estamos a falar de a cada um segundo as suas capacidades ou segundo as suas necessidades – ou mesmo de acordo com a suas rapacidades. As necessidades são iguais – alimentação, vestuário e tratamento na doença. As outras necessidades, as de carácter intelectual – a educação, a cultura, a informação - podem ser satisfeitos de forma maciça, através das novas tecnologias, as que existem e as que vão existir. Tendo sempre em consideração a grande diversidade de opções que neste campo os seres humanos manifestam. E podem pôr a este sistema, assumidamente subversivo da ordem estabelecida, o nome que quiserem – socialismo, comunismo, cristianismo, anarquismo, o que queiram – até podem chamar-lhe social-democracia. Agora já percebem onde queria chegar com o título trilingue: O que importa o nome da rosa? - a rose by any other name would smell as sweet - l’important c’est la rose.

publicado por Augusta Clara às 22:00
link | favorito

.Páginas

Página inicial
Editorial

.Carta aberta de Júlio Marques Mota aos líderes parlamentares

Carta aberta

.Dia de Lisboa - 24 horas inteiramente dedicadas à cidade de Lisboa

Dia de Lisboa

.Contacte-nos

estrolabio(at)gmail.com

.últ. comentários

Transcrevi este artigo n'A Viagem dos Argonautas, ...
Sou natural duma aldeia muito perto de sta Maria d...
tudo treta...nem cristovao,nem europeu nenhum desc...
Boa tarde Marcos CruzQuantos números foram editado...
Conheci hackers profissionais além da imaginação h...
Conheci hackers profissionais além da imaginação h...
Esses grupos de CYBER GURUS ajudaram minha família...
Esses grupos de CYBER GURUS ajudaram minha família...
Eles são um conjunto sofisticado e irrestrito de h...
Esse grupo de gurus cibernéticos ajudou minha famí...

.Livros


sugestão: revista arqa #84/85

.arquivos

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

.links