Terça-feira, 26 de Abril de 2011

Sobre a democracia representativa – 7 – por Carlos Loures

 

Vou por agora encerrar esta reflexão sobre a natureza e, sobretudo, sobre as fragilidades da democracia parlamentarista. Centrei-a na conferência que, em 1987, a convite de Mário Soares, Karl Popper realizou em Lisboa, a qual, a meu ver, constitui uma das mais robustas defesas de um sistema que, desde a sua primeira aplicação prática, a do parlamento inglês, tem sido considerado imperfeito. Tenho vindo a referir algumas dessas objecções.

 

Comecei pelas observações desfavoráveis de um contemporâneo dessa primeira experiência parlamentar, as de Jean-Jacques Rousseau, e citei também as de Cornelius Castoriadis. Não esqueci a solução de compromisso de Norberto Bobbio, que propôs uma democracia híbrida, entre a representativa e a directa. Poderia ainda ter falado de Robert Dahl e da sua Poliarquia, que partindo do pressuposto da impossibilidade de se atingir uma democracia plena, propugna o aperfeiçoamento de duas formas de intervenção popular – a contestação pública e o direito de participação, criando um fluxo permanente, uma interacção institucional entre aquilo que os governados pretendem e a prática governativa.

 

Bertand Russel na sua arguta análise social ao Poder, refere o caso da tirania da maioria sobre a minoria, conceito que nos adentra num labirinto sem saída aparente, pois o consenso total não é possível e sempre haverá minorias. Avanço uma perversão ainda mais preocupante – a constituição de maiorias ao serviço de minorias. Acrescento hoje, neste balanço final, o contributo muito importante de Alain Touraine que, em Qu'est-ce que la démocratie?(O que é a democracia?) nos traz uma curiosa definição na qual o conceito desta forma de organização política passa sempre pela compreensão do outro, pelo reconhecimento institucional da maior diversidade e criatividade possíveis. Segundo ele, unidade e diversidade são conceitos interdependentes.

 

Não esqueci o depoimento de José Luis Sampedro que, em recente entrevista nos alerta para uma evidência que temos tendência para esquecer: as consignas de 1789 são palavras com conteúdos diferentes segundo o grupo social que as invoca. Por exemplo, liberdade, para o pobre significa comida, abrigo, cuidados de saúde, para o intelectual burguês, direito de livre expressão e de associação, para o poderoso o direito de explorar os demais sem peias sindicais ou de qualquer outra natureza. Acrescento que para o marginal liberdade é o poder traficar, roubar, violar, assassinar e, quando detido, poder invocar os seus direitos constitucionais.

 

Sei que é difícil tirar conclusões. O problema do Poder, desde a análise de Platão, que contrapunha a um governo ideal de “homens bons” escolhidos entre os melhores, o governo da “turba”, tem a ver com o campo semântico que concedamos às palavras-chave. Não foi inocente o convite de Mário Soares a Popper. Sabia que ele vinha defender a solução dos “homens bons” eleitos entre os melhores. Da “turba”, em 1987, todos se lembravam – das comissões de moradores, de trabalhadores, de soldados, de estudantes, que tudo punham em causa e que tudo queriam discutir.

 

Rousseau avisou-nos sobre “os homens bons” – a classe política – gente que iria monopolizar o direito de todos os cidadãos a intervirem nas decisões políticas. A inevitabilidade do bipartidarismo e a consequente formação de uma oligarquia endogâmica, também foi diagnosticada. A tirania das maiorias, como alertou Russel? Analisando o tecido económico mundial desde há, digamos, cem anos, mostra-nos grupos, famílias, marcas industriais, que sobreviveram a dois conflitos mundiais e a múltiplas revoluções. O capitalismo, não esqueçamos, não é uma ideologia, mas sim um sistema omnívoro, pois alimenta-se de qualquer ideologia. Veja-se a hidra capitalista que se está a gerar numa China que se diz socialista, revolucionária, popular.

 

Foi uma análise sumária e superficial esta que aqui fiz nestes sete pequenos artigos. A democracia representativa é teoricamente a única possível. Desde que começou a funcionar, há dois séculos e meio, verificou-se um progressivo aperfeiçoamento de métodos – a relativa universalização do sufrágio, o alargamento dos leques partidários, a alternância no poder, a total liberdade de reunião e o financiamento dos partidos, um controlo cada vez mais eficaz da contagem de votos, evitando as «chapeladas», a rapidez dessa contagem… O desenvolvimento dos meios de comunicação interagiu com essa evolução, ajudando à formação de uma opinião pública informada sobre os mínimos pormenores das campanhas eleitorais, informação proporcionada em tempo real. Isto é, em síntese, o que se pode aduzir em defesa da democracia parlamentar.

 

Deixo no ar duas questões: a primeira, no anverso da moeda lançada por Russell – a democracia representativa, impondo a vontade da maioria, tiraniza as minorias. Eu digo que minorias de poderosos, usando os meios de comunicação (de sua propriedade) fabricam maiorias que as favoreçam – marketing político, vende candidatos «convenientes», como vende margarina cancerígena; sondagens encomendadas, com universos escolhidos, proporcionam os resultados que mais interessarem a quem as paga, opinion makers, ajudam a meter dentro das cabeças dos cidadãos eleitores ideias que estes depois defendem como se fossem suas… Ou seja, uma minoria de poderosos, põe ao seu serviço a maioria e, deste modo, tiraniza os interesses dessa maioria manipulada.

 

A segunda questão é – as novas tecnologias – a disseminação de computadores pessoais, as próprias caixas ATM, não permitiriam a realização de consultas frequentes à opinião dos cidadãos, baseando um pequeno executivo as suas decisões no resultado dessas consultas? Os partidos teriam um papel pedagógico e não se medindo directamente a sua força em termos de votos, todos teriam, em princípio, o direito de informar, de formar, de acordo com as suas perspectivas. Bem sei que é uma utopia, um sonho. Não disse o poeta que o sonho comanda a vida?

 

 

publicado por Carlos Loures às 12:00
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