Júlio Marques Mota
É a primeira vez que de facto me dirijo criticamente a um antigo aluno meu, aluno que nos tempos em que o foi bastante o estimei, como a todos aliás, com a diferença bem particular que estava perante um aluno de longe acima da média e por isso um dado a nunca esquecer. Há no estrolábio, uma carta que por ironia é dirigida a si, meu caro Álvaro, e de há tempos. Por ironia, mas com respeito, em que este ponto é bem esclarecido.
Mas eis que no dia em coloco um texto no estrolábio a querer provar, com argumentos, discutíveis mas que são argumentos, de que Sócrates e Passos Coelhos são filhos intelectuais da mesma fornada, a da falta de respeito por quem trabalha e a da ignorância também em que o país mergulhou e que com o tipo das Universidades privadas como aquelas em que ambos se formaram esta se ampliou;.
Nesse mesmo dia, um antigo aluno também , mandou-me excertos de um texto seu, onde um outro tipo bem diferente do que podemos continuar ainda agora a chamar de “ignorância”, indirecta, igualmente se manifestou, mais perigosa que a dos primeiros, porque a daqueles subsiste e vai subsistir por apoios múltiplos e pela força imposta por outros ignorantes, sejam eles representados pela Troika, sejam eles representados por Durão Barroso ou sejam eles representados por um representante de um paraíso fiscal, o Luxemburgo e que dá pelo nome de Claude Juncker, que é simultaneamente Presidente também do Eurogrupo, estrutura esta concebida, que eu saiba por um socialista de gema, hoje director geral do FMI, .Dominique Strauss-Kahn.
Mais perigosa dizia eu, porque vestida de uma roupagem aparentemente técnica que só a ignorância nestes tempos conturbados de crise e de falta de valores não permite ver que o rei vai nu, que o rei é afinal o rei UBU e por isso a sua “ignorância” feita a partir dos factos a muitos irá convencer e com eles irá permanecer.
Por essa roupagem, como a usada pela raposa Salta Pocinhas do Mestre Aquilino, torna-se capaz de enganar o mais prevenido dos cidadãos, mas leva a um fim, a uma conclusão, a de que o mal de que todos passamos agora se deve isso sim, não ao modelo neoliberal que nos deixou sem nada e de que quer o PSD quer o PS são claramente os responsáveis no plano nacional, mandatários de outros poderes mais altos de que a Bruxelas ambos instruções vão receber como ainda agora se viu, mas sim ao demasiado Estado que nos atrofia.
Do neoliberalismo, dos CDS, do disparar das taxas de juro de um rollover da dívida, da crise e do défice que a despesa obrigou a aumentar, da desindustrialização imposta pelo modelo de concorrência selvagem que a todos foi imposto, desta globalização sem políticas de apoio que a todos deixa desprevenidos, nada disso consta dos seus verdadeiros factos.
Meu caro Álvaro, diz-nos no seu texto :
Nos últimos dias, a "campanha" eleitoral tem sido constituída por um rol de
"factos" que só servem para distrair os(as) portugueses(as) daquilo que
realmente é essencial. E o que é essencial são os factos. E os factos são
indesmentíveis. Não há argumentos que resistam aos arrasadores factos que
este governos nos lega. E para quem não sabe, e como demonstro no meu
novo livro, os factos que realmente interessam são os seguintes:
Deixemos para já a descrição dos factos que se segue no seu texto . Faço parte de uma geração complicada ou delicada, agora que se fala tanto de gerações, mas que aprendeu a questionar e a questionar-se e daqui relembro aquilo que Nicolas Kaldor me ensinou e que mais tarde os originais dos autores em questão me deram a bem compreender. Um dia, o pai da teoria da incerteza e quase pai da bomba atómica do Hitler, Wisenberg, dirigiu-se ao seu mestre Einstein que o ouviu. O jovem físico queria reconstruír a teoria queria reconstruir a física a partir dos factos. O cientista criador da teoria da relatividade ouviu-o carinhosamente e depois disse-lhe: pois é, mas para saber o que é um facto precisaria da teoria para o catalogar, para o especificar como facto. É assim a teoria, é assim a ciência.
E de repente na sua visão do mundo que este seu texto nos dá, abusiva a minha opinião agora mas é o que do excerto se pode concluir, parece que a ciência se resume a uma descrição de dados e em que estes nem sequer são questionados na sua base, nos seus fundamentos, no funcionamento dos serviços a que se referem, dos objectivos que a estes mesmos serviços são ou poderiam ser conferidos . Não se trata pelo excerto em questão de querer mais Estado, não se trata sequer de querer melhor Estado, não, trata-se de não querer Estado.
Por confronto um grande serviço prestou recentemente ao país o Diário de Notícias com uma série de artigos sobre as Fundações que este Governo criou e que nos dá uma ideia, essa sim , da corrupção que grassa ao nível do poder e com o que qual este se sustentou, comprando franjas significativas dos que ao poder se poderiam opor e dessa maneira o neoliberalismo todos puderam continuar a defender e os resultados são parte daqueles que o seu texto bem cita. Um serviço nacional diria eu que foi prestado aos estudiosos da coisa pública e que deveremos ser todos nós e que por isso ao Diário de Notícias reconhecidos devemos ficar.
Mas do seu texto sem que o queira, penso, inala um odor neoliberal que em tempos de crise até incomoda.
Vejam-se, apenas por exemplo, os pontos 2 e 4 do seu texto ou que é apresentado como sendo seu :
2) Temos a pior dívida pública (em % do PIB) dos últimos 160 anos. A
dívida pública este ano vai rondar os 100% do PIB.
4) Esta dívida pública sem precedentes não inclui os 60 mil milhões de euros das PPPs (35% do PIB adicionais), que foram utilizadas pelos nossos governantes para fazer obra (auto-estradas, hospitais, etc.) enquanto se adiava o seu pagamento para os próximos governos e as gerações futuras. As escolas também foram construídas a crédito.
Quanto ao ponto 2, ignora mesmo no quadro comunitário o que se passa nos outros países como se o problema pudesse ser deslocado, como se Portugal pudesse ser analisado in vitro, deslocado de tudo.
Relembremos então outros dados que verá brevemente no estrolábio analisados, onde Portugal de acordo com fontes oficiais é visto no quadro de um conjunto de países da zona euro, quer no que se refere à dívida quer ao défice :
Cito-lhe um texto de um amigo pessoal, Joachim Becker, publicado recentemente no Estrolábio :
“As pressões sobre o Governo Português levaram-no a solicitar um programa de auxílio da União Europeia e do FMI que foi estabelecido recentemente num contexto de crescente polarização política e social. A situação da dívida do país não pode admitir que esta se degrade de uma forma tão espectacular.
O peso da dívida pública em relação ao PIB aumentou de 74,1% em 2008 para 92,9% em 2010. Isto está em sintonia com a variação em termos médios que se verificou na União Europeia durante os anos de crise na zona euro, onde essa proporção aumentou de 76,0% para 91,6% durante o mesmo período. Segundo dados da OCDE, o défice orçamental português situava-se em cerca de 7,3% do PIB e não era muito superior à média da zona euro (6,3%) em 2010. A situação de Portugal em termos da dívida não é excepcional.” ( O sublinhado é nosso)
Porém, fruto do modelo neoliberal que não aparece criticado neste seu texto, todos nós vamos estar sujeitos a fortes planos de austeridade e portanto a políticas redessivas, a piolíticas de menos Estado afinal. A critica disso será feita num dos próximos números do Estrolábio, mas deixo-lhe aqui projecções internacionais dessas políticas de austeridade a serem agora cumpridas e veja mesmo aqui como nos situamos:
situamo-nos dentro de um modelo que a todos está a destruír dirigido por mãos eticamente criminosas, as mãos da Comissão Europeia. E sem que deste colete se possa saír, porque saír da zona euro é saír da beira do abismo para nos atirarmos para o próprio abismo. Sobre isso veja os nossos textos no estrolábio ou o próximo artigo de Delpla a publicar no mesmo blog. Disso ficaremos todos esclarecidos, mas esclarecidos estamos nós que é por aqui TAMBÉM e sobretudo talvez por aqui que passam as grandes questões.
Projecções sobre défices :
Source : stability programmes, Reuters for updates
Projecções sobre Dívida:
Table 3: evolution of debt-to-gdp. Sources : Eurostat, IMF growth forecasts (oct. 2010),
stability programs (dec 2009), own calculations
Não queremos com isto dizer que estamos bem, mas com a crise não deixámos de estar perto da média como os quadros acima nos mostram, e repare-se que nestes dados estimados já se incluem efeitos da crise que não foram iguais para todos como se sabe.
Como sabe há paises que se refinanciam na casa dos 3% enquanto que para Portugal na semana passada os títulos negociavam-se à taxa de 9,3%, para a Irlanda negociavam-se a cerca de 10% enquanto que para a Grécia os titulos negociavam-se à taxa, pasme-se meu Deus que de contas parece não saber nada, negociavam-se à taxa de 14,5%. Não há défices que não aumentem, dívida que não dispare. Passámos a não estar perto da média, mas aqui seria bom explicar porquê. E seria fácil, dados os ataques especulativos a que temos estado sujeitos.
Não estamos bem, de modo nenhum, mas queremos com isto dizer que estamos mal, por culpa nossa é certo mas não só, por culpa também de um modelo que a todos foi imposto e que o não o vejo a si contestar , meu caro Álvaro, por culpa da estrutura da União Europeia, por culpa da desindustrialização que o modelo seguido implicou, por tudo o que não diz nesse texto, nesse conjunto de “factos”, mas que nós o afirmámos numa longa carta aberta ao Presidente da Comissão Europeia.
Porque do seu texto como está , parece que construir escolas e hospitais a crédito que seja é hipotecar o futuro. Hipotecá-lo, isso sim, é não fazer escolas, o que a sua proposta sugere, ou fazê-las e não as saber utilizar como o governo de má memória de Sócrates tem estado a fazer, desde a escola primária ao superior, passando pelo secundário. Deixe-me ser irónico; por este sistema, qualquer dia, uma criança não sabe escrever decentemente com uma caneta, só com os dedos, só com os dedos no computador, de dedos espetados sobre o teclado, seja ele Magalhães ou outro, porque o aprender a escrever com os dedos exige mais custos, mesmo que não pareça, exige mais professores, quando se opta por ter menos, exige menos alunos por sala, quando se opta por ter mais. Esta é a via de contestação que em si não vejo.
Dou-lhe um outro pequeno exemplo: recusar-me-ia a não reconhecer na Cinemateca Nacional um grande serviço prestado à Cultura e se uma crítica há a fazer é esta não se difundir no espaço nacional, como o fez outrora a Gulbenkian com a sua Biblioteca itinerante. Há milhares de jovens que nunca tiveram o prazer de estar numa sala escura, como há milhares de jovens deste país que nunca viram o mar, etc.
Nada disso é fundamental na formação de um jovem, de um futuro adulto, dir-me-ão. Defendo a tese contrária e explico-a exactamente no texto de hoje publicado no estrolábio à volta de uma geração em precariedade absoluta. E até por uma razão bem simples: sem capacidades cognitivas não há cultura, sem cultura não há liberdade e sem liberdade não há democracia.
Deixe-me só pegar num pequeno detalhe seu: As escolas também foram construídas a crédito. Não é verdade que na maioria dos casos as empresas são elas também construídas a crédito e que de créditos vivem? Elas podem viver do crédito, mas o Estado não, parece-me pois ser a sua conclusão! Abusiva esta afirmação minha? Não o creio.
Poderíamos continuar, ponto a ponto, mas esta é a reacção a frio e imediata de um texto que hoje me enviaram como sendo seu, meu caro Álvaro.
Daqui me despeço mas assim de certeza que um livro não lerei, o seu.
Júlio Marques Mota
Faculdade de Economia de Coimbra
A resposta do Professor Álvaro Pereira
Olá, como está?
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