Queremos ser parte da homenagem a Ernesto Guerra da Cal - um galego com um coração que também batia por Portugal... e Brasil... e lusofonia, porque transbordava Galiza.
Visitem o sítio do centenário do nascimento de Ernesto Guerra da Gal da Academia Galega da Língua Portuguesa.
"Eu, sem pejo nenhum, afirmo aqui o meu orgulho de ter sido o primeiro escritor galego, desde o Ressurgimento, a levar a vias de facto essa tão repetidamente desejada aproximação da nossa língua escrita ao português [...] Em 1959 fui de facto “iniciador dessa reintegração” no meu poemário Lua de Alén-Mar, com o que abri fogo nessa batalha [...] Esse apelo não caiu em saco roto. Nele teve princípio a corrente “reintegracionista” contemporânea - na que hoje enfileira o melhor e mais capacitado da nossa mocidade. [...] os que neste momento detêm o poder autonómico - clientes e agentes do Estado Central [...] Esse é o bando da “Xunta de Galicia” [sic], que, de colaboração com algumas entidades “isolacionistas” esclerosadas, engenhou e “oficializou”, de maneira maleficamente subreptícia, umas aberrantes Normas cujo evidente propósito é condenar o galego ao languidescimento como dialecto - do espanhol [...] /eu tenho a convicção de que a única defesa do galego contra a política linguicida dos “espanholizantes” descansa na progressiva adopção do padrão luso-brasileiro que os “reintegracionistas” perfilham".
(Ernesto Guerra da Cal, "Antelóquio indispensável", in Futuro Imemorial. Manual de Velhice para Principiantes, Lisboa, 1985, pp. 9-11; recolhido em Vol II, 1986, de Temas de O Ensino, nos 6/10, “Linguística, sociolinguística e literatura galaico-luso-brasileira-africana de expressão portuguesa).
Lançado site comemorativo sobre o centenário do nascimento do professor Ernesto Guerra da Cal
A Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP), com o apoio doutras entidades cívicas, comemora o 100 aniversário do nascimento do professor, investigador e poeta galego Ernesto Guerra da Cal (1911-1994) com o lugar web Centenário Guerra da Cal.
O lugar acolhe e solicita materiais sobre a sua vida, obra, época e legado intelectual. Para doar materiais, pode utilizar-se o contato na própria página web. O endereço web do site é:http://guerradacal.academiagalega.org.
Apresentação
Escrito por Carlos Durão
Ernesto Guerra da Cal (Ferrol, 1911 – Lisboa, 1994) foi o primeiro poeta galego moderno que tratou temas universais, no espaço e no tempo, desde “dentro” e desde “fora”. Foi sem dúvida o poeta galego que mais eco teve dentro e fora da Galiza, como testemunha a abundandíssima bibliografia transnacional e transcontinental a que deu origem a sua obra. E foi, em fim, o professor galego de mais prestígio internacional, autor da por muitos conceitos monumental Língua e Estilo de Eça de Queiroz, e duma viçosa obra devotada à nossa comum cultura galego-portuguesa, para a que viveu e pela que padeceu até morrer no exílio, consequente com as suas ideias e firmes ideais, sem por isso se importar ser sempre proscrito na sua pátria, e até maldito pelos que nela detêm ainda o poder.
Fez os seus estudos universitários em Madrid, onde travou amizade com vultos do galeguismo cultural e político, bem como com outros da cultura espanhola em geral, entre estes o seu amigo F. García Lorca, com quem conviveu na Residencia de Estudiantes e com quem colaborou na gestação dos famosos Seis poemas galegos lorquianos. Ao estourar a chamada “guerra civil” no 1936, alistou-se como voluntário nas Milícias Galegas, combateu pela legalidade republicana na frente de Toledo, e passou à Seção do Exterior do Servicio de Información Militar, do Ministério da Guerra; enviado a Nova Iorque em missão oficial pouco antes da derrocada da frente do Ebro, teve de ficar ali ao rematar a guerra.
Completou os seus estudos universitários na Columbia University, e chegou a ser catedrático na New York University, onde realizou os trabalhos de pesquisa que culminaram no seu magnum opus, a Língua e Estilo de Eça de Queiroz, pelo que é justamente reconhecido e louvado internacionalmente, e condecorado em Portugal. Ocupa-se da parte galega do Dicionário das Literaturas Portuguesa, Galega e Brasileira. Pronuncia conferências, realiza seminários, colabora em trabalhos de investigação para universidades do Brasil e de Portugal, sempre reclamando, em todo o mundo lusófono, o reconhecimento da Galiza como pertencente a esse mundo, e em toda a parte dizendo, sem pejo, que ele era galego.
Nos anos 1959 e 1963 publica os seus seminais poemários Lua de Além-Mar (o primeiro livro em que um autor galego aposta pelo reintegracionismo linguístico após o chamado Rexurdimento) e Rio de Sonho e Tempo, na editora Galaxia, de Vigo.
Reformado da súa cátedra na universidade americana, Guerra da Cal retornou à Europa, primeiro a Estoril, e posteriormente a Londres. Nesses anos impulsou o movimento reintegracionista desde o exílio. Foi graças aos seus contatos com os seus colegas em universidades lusófonas, à sua acessibilidade para a mocidade reintegracionista, e com o seu respaldo académico, que a Galiza conseguiu um merecido posto de observadora nas negociações dos Acordos Ortográficos, em 1986, no Rio, e em 1990, em Lisboa.
Com a sua obra, poética e erudita, com o seu prestígio e impulso ao reintegracionismo, Guerra da Cal deixou um incalculável legado à sua pátria, a “Nação soberana/ sem estrangeiro senhor”, da que ele foi cantor. Por isso foi dela banido, por isso merece sobejamente a nossa sentida homenagem, e por isso descansa hoje entre “os bons e generosos”, que cantou o bardo Pondal.
Filho Pródigo
Abre-me a Porta
Pai!
Abre-me a Porta!
Porque venho cansado
e derrotado
desfeito
pobre
e nu
e envergonhado
Tudo esbanjei
Só trago
encravados no peito
nele bem entranhados
os pungentes punhais
de todos os Pecados Capitais
Delapidei o rico Património
do teu Amor
na subida
arrogante e pressurosa
da Montanha da Vida
E hoje conheço a Dor
Da descida agoniante
trémula e vagarosa
pela encosta abrolhosa
na que nos acompanha
só
o impiedoso demônio
da consciência dorida
da fortuna malgasta
dissipada
e a existência perdida
Abre-me a Porta
Pai!
E acende a luz da Casa
que outrora foi a minha
quando eu era inocente
criancinha
Não me tardes
Senhor!
Abre-me a tua Porta luminosa
depressa, por favor!
in Futuro Imemorial (Manual de Velhice para Principiantes), Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, 1985
Morrinha de Rio e Lua lido por Celia Díaz
PÁTRIA
|
A Galiza |
é para mim |
um mito pessoal |
maternal e nutrício |
com longa teimosia elaborado |
de louco amor filial |
de degredado |
(E de facto é também |
—porquê não confessá-lo— |
um execrável vício |
sublimado) |
|
foi sempre para mim |
um refúgio mental |
um jardim de lembranças |
sossegado |
um ninho de frouxel acolhedor |
para onde fugir |
do duro batalhar e do estridor |
da Vida |
e do acre ressaibo do Pecado |
Subterfúgio subtil |
e purificador |
de interior evasão |
para o descanso da alma |
na calma |
pastoril |
da perfeição de Arcádia |
da Terra Prometida |
da imaginação |
|
é o meu amor constante |
tranquila e fiel esposa |
e impetuosa amante |
sempre |
como Penélope a tecer |
na espera |
ansiosa e plácida |
paciente e palpitante |
do retorno final |
do seu errante e navegante Ulisses |
—outra quimera! |
|
como o náufrago desesperado |
ama a costa longínqua e ansiada |
que nunca há-de avistar |
Amo-a |
com saudade antevista de emigrado |
que à partida se sabe já |
fadado |
a ser ausente morrinhento* |
de nunca mais voltar |
Porque ninguém jamais regressa do desterro |
à mesma terra que deixou |
(O Espaço dissolve-se no Tempo: |
os lugares |
e as gentes que os habitam |
mudam e morrem sempre |
e nós também morremos |
e mudamos |
Posso eu acaso me reconhecer |
naquele rapaz loiro |
que chorando partiu |
um dia crepuscular e montanhoso |
de Quiroga |
no Sil |
há tantos anos |
e tantos desenganos?) |
|
porque nunca deixei |
de estar ligado a Ela |
pelo umbigo |
Porque Ela foi meu berço |
e onde quer que eu morrer |
Ela há-de ser |
o meu íntimo |
e último jazigo |
|
coitada, triste e bela Pátria minha |
como Tu és |
como o Senhor |
num mal dia te fez |
órfã de história e alienada de alma |
vespertina submissa e maliciosa |
rústica e pobrezinha |
|
como eu te quereria |
como eu em mim te crio |
dia após dia |
como um encantamento da minha infância |
e da minha fantasia |
|
tresnoitado poeta evangelista |
te invento e mitifico |
E, como com Jesus Cristo fez Mateus, |
visto com ilusórios véus |
a tua miseranda e cinzenta Paixão |
e intento |
com interna e intensa |
distante devoção |
pôr-te um ninho de Glória imaginária |
num apócrifo Novo Testamento
|
—————— |
. Ligações
. A Mesa pola Normalización Lingüística
. Biblioteca do IES Xoán Montes
. encyclo
. cnrtl dictionnaires modernes
. Le Monde
. sullarte
. Jornal de Letras, Artes e Ideias
. Ricardo Carvalho Calero - Página web comemorações do centenário
. Portal de cultura contemporânea africana
. rae
. treccani
. unesco
. Resistir
. BLOGUES
. Aventar
. DÁ FALA
. hoje há conquilhas, amanhã não sabemos
. ProfBlog
. Sararau