Pelo Presidente da Associação 25 de Abril, coronel Vasco Lourenço, foi-nos enviada uma carta, a qual, devido à sua extensão, publicaremos durante os próximos dias sempre neste horário.
continuação de ontem
1. 25 de Novembro de 1975
Na página 95, Rocha Vieira afirma que no dia 25 de Novembro, na reunião com Costa Gomes, é Melo Antunes que passa a palavra ao coordenador do Grupo Militar, Eanes, para que este faça a exposição sobre a situação e a forma de lhe dar resposta.
Eu compreendo que Melo Antunes, com toda a sua qualidade e importância, mas também com a pouca apetência para as questões operacionais, lhes seja útil para menorizar o papel de Vasco Lourenço nos acontecimentos. Por isso, não hesitam em atribuir a Melo Antunes um papel que todos sabemos não lhe ter pertencido. Tem, aliás, sido essa a tónica das intervenções de Ramalho Eanes e ela volta nas declarações de Rocha Vieira neste livro.
Pois bem, na qualidade de responsável operacional, perante quem Eanes, como coordenador do Grupo Militar, respondia, fui eu, que, depois de dizer a Costa Gomes que tínhamos solução para o que se passava, passei a palavra ao Eanes, a quem pedi que explicasse como. Recordo-me bem que o Moura de Carvalho, da Força Aérea, a certa altura me disse: “Hoje, estás a intervir pouco”, ao que respondi: “Não é preciso, depois de passar a palavra ao Eanes, ele está a portar-se bem…”
2. Comando das operações
Na página 97, Rocha Vieira afirma que “Eanes era o chefe do grupo Militar e era nas mãos dele que os seus camaradas queriam pôr a delegação de Costa Gomes para dirigir as operações de resposta à situação gerada pela sublevação dos pára-quedistas. Só que Eanes não tinha nenhuma função militar, daí que tenha aparecido na linha institucional como ‘assessor’ de Vasco Lourenço que, enquanto conselheiro da Revolução, já nomeado comandante da Região Militar de Lisboa, detinha uma posição institucional. Foi uma maneira de transferir para Eanes a autoridade para dar ordens às unidades. E quem de facto as deu foi ele.”
Se já tinha a sensação de ter sido traído por aqueles em quem confiava, essa traição está aqui, bem “preto no branco”.
Este é um assunto que trato, com relativo pormenor, em Do Interior da Revolução. Veja-se, nomeadamente, a sua pág. 562.
Não deixa de ter graça a preocupação de Rocha Vieira em realçar a questão institucional. Com isso, foge ao cerne da questão: a única opção viável para comandar a RML, naquele momento e naquelas condições, era Vasco Lourenço, o que aliás levara Melo Antunes, Eanes e Loureiro dos Santos a tentarem e a conseguirem convencê-lo a aceitar substituir Otelo Saraiva de Carvalho no comando dessa RML.
Agora, para quem é do Estado-Maior, gostaria que me explicassem se a cadeia de comando desaparece, só porque o comandante do posto principal não está no posto avançado?
Como gostaria que me desmentissem as afirmações que faço no livro sobre o efectivo e real funcionamento dessa cadeia de comando, nomeadamente na subordinação de Eanes a Vasco Lourenço, durante os dias 25 e 26 de Novembro de 1975.
3. Ataque ao Regimento de Polícia Militar
A páginas 519 do livro Do Interior da Revolução, conto o que se passou, nomeadamente a intervenção de Rocha Vieira.
Apesar de habituado a certas afirmações, não deixei de me surpreender com o que é dito sobre Rocha Vieira, na pág. 99 do seu livro: “Ainda cedo, depois de um sono breve no Palácio de Belém, acordou com o estampido de tiros vindos da Calçada da Ajuda. Liga de imediato pelo telefone civil para o comandante do Regimento de Polícia Militar (Lanceiros 2), major Campos Andrada, que era do seu curso de entrada na Escola do Exército e que ingressara na Arma de Cavalaria”!
Para além de reafirmar tudo o que está em Do Interior da Revolução (nomeadamente o meu pedido, antes dos tiros, a Rocha Vieira para contactar o Eanes via rádio), acrescento apenas que durante essa noite não consegui sequer um sono breve e que, quando os tiros se desencadearam, o Campos Andrada estava a falar ao telefone comigo!
Haja decoro!
4. Prisões militares
Ao ler o que Rocha Vieira conta na pág. 101 do seu livro, compreendo a razão de ser do episódio que conto em Do Interior da Revolução, pág. 516, onde intervenho para anular a ordem que o Posto de Comando avançado enviara para a PSP de Lisboa, para se prenderem uma série de oficiais.
Aliás, para além do episódio do dia 27 no COPCON, onde apesar de tudo acabei por participar, penso que todas as outras prisões de oficiais foram por mim sancionadas, tendo na maioria das situações sido eu próprio a comunicar-lhes a sua prisão.
5. Mais conselheiro da Revolução que comandante da Região Militar de Lisboa
Aqui estamos perante uma afirmação que assenta fundamentalmente numa opinião de quem a profere.
Não irei dar-lhe muito troco, no entanto, dado o orgulho que tenho, na forma como comandei a Região Militar de Lisboa, em circunstâncias bastante difíceis; na forma como recuperei a disciplina nas unidades dessa grande unidade; na forma como consegui impor-me a todos os meus comandados, não poderei deixar de tecer alguns comentários.
Não o fiz sozinho, pois tive a colaboração de um conjunto de militares que funcionou em equipa, mas não aceito que digam que o mérito foi da equipa e não meu!
Pois se fui eu que escolhi e coordenei a equipa! Os bons resultados desta só me envaidecem!
Aliás, Rocha Vieira, se fizer um esforço de memória lembrar-se-á que, durante os anos de 1976 e 1977, como chefe de Estado-Maior do Exército me afirmou várias vezes que eu era, sem dúvida, o seu melhor comandante de Região Militar. Depois, quando começaram as divergências entre nós, terá mudado de ideias. Mas, disso falaremos mais à frente…
6. As armas entregues a Edmundo Pedro
Cá temos um episódio bem triste, bem demonstrativo da traição, da falta de lealdade, de que fui vítima.
A páginas 515 e seguintes, conto em Do Interior da Revolução o meu não papel, a sonegação de que fui alvo, neste assunto. Acrescentarei que, nós militares, sabemos bem que não é o facto de uma acção estar prevista, como possível, no plano de operações que ela se efectua mesmo. Para que isso se verifique, durante a conduta há que decidir sobre a sua efectivação e dar ordem nesse sentido. Deixem de justificar o que se passou com o facto de, na alínea “Forças Amigas, Partidos Políticos”, do plano de operações estar “preparar para, em caso de necessidade, receber armas para ajudar na ocupação de pontos sensíveis”…
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