Texto do Professor Mário Nuti
Zona euro, colapso? Muito pouco provável
"Seria tecnicamente possível para um Estado membro sair da zona do euro, mas, politicamente, é tão provável acontecer como é provável um meteorito atingir a Eurotower em Frankfurt" - afirma Barry Eichengreen com bom humor.
Em parte, porque há custos significativos de desintegração monetária. Estes eram enormes na transição pós-socialista da década de 1990, quando o COMECON e a sua moeda, o rublo transferível, se desintegraram , com a URSS e a divisão da área do rublo em 15 países e moedas, com a República Checa e Eslováquia, a abandonarem a República CFSR, acontecendo o mesmo na Jugoslávia, que se dividiu em várias e mais peças do que as cinco iniciais da sua anterior formação de um só país. A devastadora, profunda e prolongada recessão que se seguiu , embora, justiça seja feita, isto se deveu somente a tais processos de desintegração económica e monetária, mas também ao movimento geral através do qual esses países passaram de transacções comerciais estabelecidas no quadro dos respectivos planos económicos a preços previamente estabelecidos para a situação de estarem sujeitos a uma súbita exposição às operações no mercado a preços mundiais e com os pagamentos em moedas estrangeira .
Aqui , as vantagens da divisão da zona do euro seria altamente questionáveis. Os países mais fracos a deixarem a zona do euro e com a correspondente re-introdução de uma moeda nacional não poderiam aliviar o peso da sua dívida nacional, que continuará a ser denominada e paga em euros ou noutras moedas estrangeiras. Estes países podem ou não melhorar a sua competitividade comercial através da desvalorização das suas recém-introduzidas moedas nacionais - além do facto de que a competitividade pode ser melhorada por muitas outras maneiras, se é isto que um país deseja ("desvalorização interna" via contenção salarial, a realização de investimentos que aumentem a produtividade, maior concorrência, etcetera). Também não haveria aqui nenhuma vantagem para os países membros mais fortes, tais como a Alemanha.
Num um artigo para o German Council on Foreign Relations Adam Posen argumenta que a Alemanha tem um interesse intrínseco e directo na prosperidade da zona euro. Alemanha a beneficia em termos de senhoriagem, de redução de custos de transacção, das menores taxas de juros reais possíveis para as suas empresas, de uma influência global reforçada e uma melhorada absorção de choques externos. Esses benefícios aumentam com a dimensão e a diversidade da zona euro, e a chanceler alemã, Angela Merkel, não deve fazer um "pacto de competitividade" dos países da zona euro como sendo a condição para continuar o apoio alemão ao euro.
Na mesma linha, ao longo do ano passado, a perspectiva de desintegração da área euro tem sido um tema frequentemente, embora de forma intermitente, objecto de discussão. O título de um livro de 2010 escrito por Hans-Olaf Henkel, ex-IBM e ex-euro-entusiasta, expressa um sentimento generalizado na Alemanha de hoje: Rettet Unser Geld! (Voltemos à nossa moeda!). Marshall Auerback também explora esta possibilidade num artigo recente, "O que acontece se a Alemanha sai da zona euro?", publicadoo na Levy Economics Institute of Bard College, em janeiro de 2011, em que termina com uma avaliação de advertência não uma recomendação.
"Pelo lado positivo, dada a reputação histórica da Alemanha para a solidez das finanças, o país teria mais possibilidades em aparecer com um Deutschmark forte, um " porto seguro " global para os especuladores em divisas, interessados em encontrar uma moeda que lhes sirva de reserva de valor.
Mas isso provavelmente têm um custo enorme: a Alemanha poderia, provavelmente, salvar seu sistema bancário mas fá-lo-ia à custa da destruição da base da sua força, o seu sector exportador. A recém reconfigurada moeda Deutsch Mark poderia subir face ao euro e tornar-se a moeda segura, a moeda refúgio final. Isto poderia contribuir para atenuar o impacto da necessária depreciação da dívida soberana da zona euro , porque o euro (assumindo que esta moeda é mantida pelos países da zona do euro restantes) cairia drasticamente. Mesmo se o valor do euro se vaporizasse, os alemães simplesmente pagar a dívida em moeda antiga, provavelmente numa fracção do seu valor anterior.
Mas o sector externo da Alemanha seria exterminado. A apreciação resultante do novo Deutschmark, em conjunto com as crises bancárias inevitáveis que se irão desencadear na periferia (o que iria exercer pressões significativas sobre a deflação nesses países e, portanto, reduzir a procura dos consumidores na zona euro, a que a Alemanha teria assim deixado de pertencer), iria gerar um choque comercial enorme: o crescimento da Alemanha iria baixar dramaticamente uma vez que as exportações representam uma forte proporção do seu PIB.
Outra consequência indirecta interessante: a identidade contabilística , uma queda no excedente comercial da Alemanha significaria um aumento do seu défice orçamental (a menos que o sector privado começasse a expandir-se rapidamente, o que é muito discutível sob o cenário acima descrito), e então a Alemanha iria ver-se a braços com um muito maior défice [público] "
Esta identidade contabilística é uma peça central da macroeconomia de matriz keynesiana como foi, por exemplo, popularizada por Wynne Godley, mas é ou deveria fazer parte da educação de qualquer estudante de macroeconomia . Auerback divide a economia em três principais sectores: sector governamental (interno) , o sector (interno) não governamental, ou seja, o sector privado, e o sector externo. "Pela identidade contabilística , os défices e os excedentes entre os três sectores devem dar zero, como soma, ou seja, um sector pode estar a ter um défice , enquanto, pelo menos um outro sector está ter um excedente."
Olhando para contabilização do PIB a partir de uma perspectiva das suas "fontes" p, temos a identidade:
(1) PIB = C + I + G + (X - M), ou seja, a rendimento nacional deve ser igual à soma do valor do consumo privado e do investimento, com o valor das despesas públicas e das exportações líquidas, conforme mostra a igualdade acima.
Olhando agora para o PIB na perspectiva das suas "utilizações" o PIB deve ser então encarado como sendo a soma do consumo privado, das poupanças e dos impostos , ou seja:
(2) PIB = C + S + T.
Portanto, igualando (1) e (2) obtemos:
(3) C + T + S = PIB = C + I + G + (X - M),
ou ainda:
(4) (I - S) + (G - T) + (X - M) = 0
Ou ainda
(5) (X-M) = (T-G) + (S-I)
Por uma questão simples de dupla entrada contabilística , as três contas, a conta (S-I), a situação financeira líquida do sector privado, a conta (T-G), a situação financeira líquida do Estado e a conta (X-M), por analogia, a situação líquida do sector exterior, estas devem respeitar a igualdade 4, em que a soma das três contas dá a soma zero e a igualdade 5 que nos diz que a situação financeira líquida do sector exterior é a contrapartida, a imagem, da situação líquida do Estado e do sector privado.
Actualmente, a Alemanha está a ter um grande saldo positivo externo (X-M), acompanhado por um ainda maior excesso de poupança privada sobre o investimento (S-I), acompanhado de um modesto défice público (G-T) ou de uma situação financeira líquida do Estado negativa (T-G). Se, na sequência da reintrodução de um Deutsche Mark sobrevalorizado, o grande saldo positivo externo (X-M), alemão actual deverá ser substancialmente reduzido ou mesmo levado a desaparecer e, neste caso, a Alemanha teria de contrair pelo menos uma das duas contas do lado direito da igualdade (5), ou seja reduzir ( S-I), reduzir a poupança relativamente ao investimento ou então passar a ter substanciais défices públicos ou ambas as coisas. Uma mudança brusca de velocidade, que está em completo desacordo com os desejos do povo alemão e da sua liderança. Mas isto é algo em que a Chanceler Angela Merkel tem que ponderar.
(Isto também é assim, aliás, porque a dimensão do défice governamental de um país não se presta a ser alcançado por via directa, independentemente do que mais está a acontecer com a situação financeira líquida privada ( S-I) e, igualmente, do que está acontecer com a posição financeira líquida do exterior (X-M), também chamado o saldo das contas externas do país).
Mário Nuti
Nota de leitura
Júlio Marques Mota
No sistema de igualdades acima temos (X-M) = (T-G)+(S-I), onde (X-M) representa a situação líquida do sector externo, também dita balança corrente, diferença entre as receitas vindas do exterior e as despesas pagas ao exterior, (T-G) a situação líquida do sector público, onde T representa as receitas públicas e G as despesas públicas, (S-I) a situação líquida do sector privado, onde S representa a poupança privada e I o investimento privado.
No contexto presente com as economias da União Europeia ainda a recuperarem muito lentamente das perdas na produção que aconteceram nos últimos anos, ritmo este que tudo mostra que se vai continuar a manter, com subidas das taxas de desemprego que ainda não estabilizaram e sendo os principais parceiros da Alemanha os países-membros da União, poderá haver uma diminuição das importações provenientes da Alemanha, o mesmo é dizer, uma diminuição das exportações alemãs.
Imaginemos que em dado momento temos os seguintes valores imaginários: (X-M) = 100 unidades. Como a Alemanha tem uma situação de pequeno défice público, imaginemos (T-G) = -20 unidades, teremos então uma poupança privada na ordem das 120 unidades. Agora, admitamos que face à forte crise o excedente da balança corrente da Alemanha perde 80 unidades e passa para 20 unidades. Com isto, uma das duas contas do lado direito ou as duas contas terão que descer, descer a poupança privada, aumentar o défice público, o que os alemães não querem, ou descerem as duas contas ao mesmo tempo. Admitamos as duas contas do lado direito da igualdade então sujeitas a uma variação: o défice público passa para 40 unidades, sendo então (T-G) = - 40 e a poupança privada reduz-se na diferença, ou seja, desce para 60 unidades. Teremos pois 20 = -40+60.
Mas esta situação torna-se insustentável para a Alemanha que se vê forçada a aumentar as despesas públicas, aumentar o endividamento público e simultaneamente vê o seu PIB a descer. O professor Mário Nuti segue a mesma lógica mas com a Alemanha a isolar-se da zona euro e a voltar a ter a sua moeda, o marco, que sujeito a fortes pressões especulativas à alta teria o mesmo efeito sobre os excedentes comerciais que a nossa recessão económica. A situação torna-se assim explosiva, daí que nem no interesse da Alemanha esta situação pode ser encarada como sendo uma situação que lhe seja conveniente. A questão social teria uma outra configuração política, mas disso falaremos amanhã num outro texto sobre a incapacidade da União Europeia e das suas actuais instituições darem resposta à crise.
Numa carta aberta dirigida a Durão Barroso, publicada pelo Estrolábio escrevi: “Que não se leve a Europa a cair, que não se leve Portugal a cair, também”. À luz do que Mátio Nuti escreveu, à luz da pequena nota que julgamos não ser necessário desenvolver, podemos afirmar que se a carta fosse agora reescrita, deveria a frase anterior ter a seguinte escrita:
Que não se leve a Europa a cair, que não se leve nem Portugal, nem a Alemanha a cair, também”.
Por outras palavras, este degradar da situação europeia nem à Alemanha convém. Simplesmente alterar este quadro de funcionamento pressupõe um modelo de política económica e social que estes dirigentes não possuem, pressupõe uma vontade de mudança que nunca tiveram porque contrária aos seus interesses de classe, daí a forma cega da governação europeia, a caminhar de austeridade em austeridade . É pois claro que solução existe, que a solução se encontra no plano político, isto é nas mesas de voto, nas urnas, na substituição dos nossos actuais políticos no poder que até à ética parecem definitivamente ter virado as costas.
Boa leitura.
Coimbra, 4 de Abril de 2011.
Júlio Marques Mota
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