Ando há tempos para trazer aqui algumas palavras sobre um grande intelectual – José Luis Sampedro. É um escritor catalão de língua castelhana muito pouco conhecido em Portugal. Li o seu romance La sonrisa etrusca em 1993. Comprei-o uma noite, após o jantar, num dos quiosques das Ramblas, por onde gosto de deambular. Por essa altura, ia a Barcelona com grande frequência. Para os almoços havia sempre muitos colegas a convidar-me. Os jantares eram, em regra, solitários, pois todos iam para suas casas. Uma vez ou outra, o meu saudoso amigo Deiros, administrador-delegado da empresa para a qual eu trabalhava, me convidava para jantarmos no Círculo Ecuestre (no cruzamento da Avinguda Diagonal com a carrer Balmes) de que era sócio. Ambiente e comida óptimos.
Mas o jantar dessa noite foi num qualquer restaurante do Bairro Gótico. Antes de vir até ao hotel, dei a volta ritual pelas Ramblas e, num quiosque em frente do Teatre del Liceu, deparei com o livro do José Luis Sampedro, uma edição da Alfaguara – a trigésima terceira, datada de 1992.. Já ouvira falar, mas nunca lera nenhum dos seus livros. Quando, ainda cedo (onze horas?) me deitei e comecei a ler o livro, estava longe de pensar que me iria acontecer o que aconteceu – só deixar de o ler quando vi que era dia e tinha um dia de trabalho pela frente.
Estava já a clarear e tinha de estar muito cedo na editora – como o Josep Vidal pode comprovar , os catalães são rigorosos. Continuei a ler no aeroporto, depois no avião e já acabei a leitura em casa – 350 páginas. Fiquei fascinado com aquela história que um escritor catalão (e que escreve em castelhano) situa em Itália. Digamos que é um bom exemplo do vigor cultural da pátria latina, mesmo nos nossos dias em que a onda avassaladora da anglofização quase não nos deixa respirar.
A história é simples - um velho calabrês chega a casa de um filho em Milão para fazer uma revisão geral – análises, radiografias, electrocardiogramas…
No Museu Romano de Villa Giulia a sua atenção fixa-se no sarcófago etrusco, sobre o qual as esculturas de um casal deitado num triclínio sorri. Como se aqueles dois longevos amantes, Os esposos (como se chama a peça) se rissem da morte. A imagem fica-lhe gravada. Viverá em Milão duas grandes emoções que também o farão sorrir da morte – o neto, que desconhecia, e no qual derrama todo o seu amor e também o amor romântico por uma mulher. A sua última aventura amorosa. Recomendo a leitura e, por isso, não vos conto a história, só vos deixando sobre ela um tópico – o amor é uma vitória sobre a morte. É uma história maravilhosa, bem escrita e esplendidamente efabulada.
E começou aí o meu interesse por José Luís Sampedro escritor que até então desconhecera. Li os seus romances e mais recentemente descobri a sua faceta de humanista. Comecemos então por revelar alguns dados essenciais da sua biografia.
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José Luis Sampedro Sáez nasceu em Barcelona no dia um de Fevereiro de 1917. Além de escritor e de humanista, é também um reputado economista, defendendo uma economia mais humana, mais solidária e capaz de contribuir para o desenvolvimento e dignidade dos povos.
Entre o ano em que nasceu e os 13 anos, viveu em Tânger. Em 1936, ao eclodir a Guerra Civil, foi mobilizado pelo Exército Republicano, alistando-se depois naquilo que se chamou «exército nacional» - os rebeldes falangistas.
Acabada a guerra, já em Madrid, frequenta o curso de Ciências Económicas na Universidade Complutense, concluindo-o em 1947. A partir de 1955 e até 1969, faz parte do corpo docente dessa mesma universidade. Ao mesmo tempo ocupa diversos cargos no Banco Exterior de España, chegando a ser seu Subdirector Geral. Em 1976 volta ao banco como assessor de Economia. E ao mesmo tempo que desenvolve a sua actividade docente ou como economista, começa a publicar a sua obra literária. Quase centenário, continua com a sua acutilância humanística a criticar a decadência moral e social do Ocidente, do neoliberalismo, bem como as brutalidades do capitalismo selvagem.
Hei-de voltar a falar deste escritor. Sobretudo sobre a sua faceta de economista.
Para já, sobre ele vou dar a palavra a José Saramago:
Esta tarde ouvi falar de José Luis Sampedro, economista, escritor, e, sobretudo, sábio daquela sabedoria que não é dada pela idade, ainda que esta possa ajudar alguma coisa, mas pela reflexão como forma de vida. Perguntaram-lhe na televisão pela crise de 29, que ele viveu em criança, mas que depois estudou como catedrático. Deu respostas inteligentes que os interessados em compreender o que está ocorrendo encontrarão nos seus livros, tanto escreveu José Luis Sampedro, ou procurando a reportagem na rede, mas uma pergunta que ele próprio fez, não o jornalista, ficou-me gravada na memória. Perguntava-nos o mestre, e também a si mesmo, como se explica que tenha aparecido tão rapidamente o dinheiro para resgatar os bancos e, sem necessidade de qualificativos, se esse dinheiro teria aparecido com a mesma rapidez se tivesse sido solicitado para acudir a uma emergência em África, ou para combater a sida… Não era necessário esperar muito para intuir a resposta. À economia, sim, podemos salvá-la, mas não ao ser humano, esse que deveria ter a prioridade absoluta, fosse quem fosse, estivesse onde estivesse. José Luis Sampedro é um grande humanista, um exemplo de lucidez. O mundo, ao contrário do que às vezes se diz, não está deserto de gente merecedora, como ele, de que lhe dêmos o melhor da nossa atenção. E façamos o que ele nos diz: intervir, intervir, intervir.
(in Outros Cadernos de Saramago, 24 de Outubro de 2008)
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