Terça-feira, 29 de Março de 2011

Alves dos Reis – por Carlos Loures

 

Alves dos Reis foi o protagonista da burla mais espectacular que se conhece no Portugal contemporâneo. Têm constituído inspiração para livros e para séries televisivas – vi uma italiana (da RAI)  há anos atrás e outra, mais recente, portuguesa, baseada num guião de Francisco Moita Flores – nenhuma parece ter feito justiça ao engenho de Alves dos Reis. Dos livros, gostei particularmente de Man from Lisbon, do norte-americano Thomas Gifford (O Homem de Lisboa).

 

Tracemos de forma sucinta a biografia de Artur Virgílio Alves Reis, nasceu em Lisboa em 3 de Setembro de 1898 e morreu na mesma cidade em 9 de Julho de 1955. Nasceu numa família de escassos recursos, o pai tinha uma agência funerária que faliu. Artur iniciou o curso de engenharia, mas abandonou-o ainda no primeiro ano. Casou com Maria Luísa Jacobetty de Azevedo, pertencente a uma família abastada.

 

Em 1916, com 18 anos, foi para Angola tentar fazer fortuna. Muniu-se de um diploma de Oxford, atribuído pela Polytechnic School of Engenneering – a qual não existia. O diploma, claro, fora primorosamente falsificado por Artur – hoje seria fácil com o software e o hardware disponíveis. Há quase cem anos exigia grande perícia e engenho. Segundo a carta de curso, estava habilitado com múltiplas competências que cobriam quase todas as áreas da Engenharia e não só – Oxford é Oxford! Arranjou colocação no município – rede pública de esgotos - e tornou-se frequentador da boa sociedade luandense.

 

Com um cheque sem cobertura iniciou uma operação de grande monta – comprou a maioria das acções da Companhia de Caminhos de Ferro Transgridamos de Angola. Nem tudo era falsificação – Artur deparou com um parque de locomotivas avariadas e de carruagens inactivas e pôs tudo a funcionar. Enriqueceu. Em 1922 regressou a Lisboa, rico e prestigiado. Adquire uma empresa representante de uma marca americana de automóveis. Segue-se a operação Ambaca -? – passa cheques sem cobertura e adquirida a empresa usa o activo de tesouraria para cobrir o buraco na sua conta pessoal. 100 mil dólares ganhos através de um estratagema. Com o que ganhou na Ambaca, compra a Companhia Mineira do Sul de Angola. Em 1924, no Porto, um percalço – é preso por desfalque e acusado de fazer tráfico de armas.

 

Em 27 de Agosto de 1924 saiu da Cadeia da Relação com uma ideia de uma grande ousadia. Os 54 dias de cárcere tinham-se revelado proveitosos – o plano assentava numa ideia muito simples – o problema dos falsificadores de notas, mesmo o dos mais sofisticados, era conseguir um produto final sem falhas – rigor das chapas de impressão, qualidade do papel e das tintas, numeração sequencial… Mais tarde ou mais cedo as notas falsas eram descobertas por haver falha num ou mais destes items – e se as notas falsas fossem… verdadeiras?

 

E montou um esquema de grande eficácia e operacionalidade com vários cúmplices, gente qualificada e competente. Basta dizer que entre os elementos do grupo havia um financeiro holandês (Karel Marang), um espião alemão, o irmão do embaixador português na Haia… Simplificando, falsificando assinaturas da administração do banco emissor de moeda, usando influências de Cônsules, conseguiu que fosse validado um contrato fictício: encomendou em nome do Banco de Portugal à empresa britânica Waterlow & Sons Limited uma emissão de 200 mil notas de 500 escudos, usando uma chapa com a efígie de Vasco da Gama. Em Fevereiro de 1925 foi recebida a primeira entrega. E as notas Vasco da Gama iniciaram a sua navegação.

 

 

 

 Alves dos Reis reservava para si 25% do valor das notas – o restante era para as despesas da operação, incluindo subornos, e para pagar aos cúmplices. Mesmo assim, as importâncias que arrecadava eram fabulosas. Em Junho de 1925, Artur comprava o Banco de Angola e Metrópole (falsificando vários documentos até obter um alvará legítimo), comprou quitas, uma frota de táxis, palacetes,  automóveis, jóias para a mulher. Tentou comprar o Diário de Notícias… No fundo, Artur estava a tentar aplicar o golpe da Ambaca a uma escala gigantesca – o último passo previsto era a compra do Banco de Portugal. Controlando o Banco, poderia apagar os vestígios da operação fraudulenta e evitar assim o perigo de uma investigação futura. Ainda adquiriu dez mil acções do Banco; mas eram precisas 45 mil para assegurar a maioria do capital.

 

Embora corressem rumores de que havia notas falsas em circulação, os peritos não detectaram qualquer irregularidade. Mas os boatos não cessavam e os jornalistas começaram a investigar. E na edição de 5 de Dezembro de 1925, O Século levantou o véu que cobria da quase inacreditável burla. E tudo foi deslindado. Logo no dia seguinte Alves dos Reis foi preso, bem como a maioria dos seus cúmplices – os bens confiscados.  Até 8 de Maio de 1930, data do início do julgamento, esteve preso. Não perdeu tempo e, falsificando documentos na prisão, conseguiu convencer um juiz de instrução de que a administração do Banco de Portugal estava implicada na fraudulenta operação. Foi condenado a 20 anos – 8 de prisão e 12 de degredo. Saiu em liberdade em Maio de 1945.

 

No dia 11 de Julho de 1955, os jornais traziam uma notícia que terá passado despercebida a muita gente: “Para o cemitério do Alto de São João, realizou-se o funeral de Artur Virgílio Alves dos Reis, de 57 anos, viúvo, que foi, há 30 anos, o organizador e um dos realizadores da grande burla do Banco Angola e Metrópole, que ficou famosa quer no País, quer no estrangeiro. Condenado, cumpriu a pena. Restituído à liberdade, procurou entrar na vida de negócios. Recentemente, porém, foi condenado por outra burla muito mais modesta. O seu estado de saúde era precário. A morte foi surpreendê-lo na sua casa da Rua Latino Coelho.”

publicado por Carlos Loures às 12:00
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