Segunda-feira, 28 de Março de 2011

O Repórter X – por Carlos Loures

 

 

Reinaldo Ferreira  nasceu em Lisboa em 10 de Agosto de 1897. Foi repórter, novelista, dramaturgo e até realizador de cinema, Começou a escrever nos jornais com doze anos e aos vinte, era já considerado o maior repórter português. «Entrevistou» a famosa espia Mata-Hari e o «pai» de Sherlock Holmes, Conan Doyle, sem nunca os ter contactado. Enviou reportagens emocionantes sobre

o que estava a acontecer na Rússia,  a disputa pelo poder entre Estaline e Trotsky e há quem diga que as escreveu sem lá ter ido. Previu como Lisboa e Porto seriam no ano 2000 – uma figura fascinante, Reinaldo Ferreira – o Repórter X, como ficou conhecido.



Em  Agosto de 1914, com 17 anos, foi admitido em A Capital. O jornalista Garibaldi Falcão ficou encarregado de o guiar nos primeiros passos. Preocupado com os telegramas que chegavam sobre a Guerra que deflagrara em 28 de Julho, vendo o jovem inactivo,  perguntou: «O menino já fez fogos?» Pensando que o tomavam por pirómano, Reinaldo respondeu, indignado: «Não senhor!». Desfeito o equívoco, após uma gargalhada dos redactores, foi fazer a primeira reportagem, a cobertura de um fogo posto, na Rua D. Estefânia.

 

Como só lhe davam casos insignificantes deste tipo – incêndios, furtos … - começou a inventar reportagens sensacionais. Em 1917, horrorizou os leitores com um crime na Rua Saraiva de Carvalho: um cadáver, criminosos encapuçados, pormenores misteriosos e macabros, um tipo sinistro - «o homem dos olhos tortos» – a história começou a sair no Século sob a forma de cartas assinadas por tal um Gil Góis. Preocupado com o impacto criado, o jornal revelou que tudo não passava de ficção. Mas a história prosseguiu e o interesse dos leitores manteve-se até ao desfecho, como acontecera cinquenta anos antes com o folhetim de Eça e de Ramalho - «O Mistério da Estrada de Sintra». Data deste ano de 1917 a célebre, e fictícia, entrevista a Mata Hari. Depois, em Março de 1918, em «A Manhã», Reinaldo Ferreira publicou «um inquérito à mendicidade». Fez-se fotografar andrajoso e mal barbeado e toda a gente acreditou que ele andara a pedir esmola, mergulhado no submundo. Enquanto o fotografavam, quem passava, foi deixando cair moedas.

 

Ainda em 1918, publicou a reportagem de um assassínio de uma estrangeira numa pensão de Lisboa. O criminoso teria sido o marido. Ajudado pelo grande Stuart de Carvalhais, na pensão, virou um quarto do avesso, espalhando sangue de galinha por toda a parte e fotografando depois a «cena do crime». Quando do assassínio de Sidónio Pais na estação do Rossio, Reinaldo Ferreira (que, segundo parece, não estava lá) fez para o »Diário de Notícias» a reportagem mais lida sobre o magnicídio – segundo essa reportagem, antes de expirar, Sidónio teria dito: «Morro bem! Salvem a Pátria!». Frase heróica que entrou em livros e em crónicas, mas que nunca foi dita, pois Sidónio caiu fulminantemente morto abatido pelos tiros de José Júlio da Costa.

 

Em 1919 foi para Paris, onde trabalhou no Le Soir, no Matin e dirigiu a Agência Americana, cujos serviços chefiou em Madrid, Barcelona e Bruxelas, onde vivia em 1920. Note-se que tinha 23 anos. Na capital belga ficou até 1922, colaborando no jornal Neptune. Em 1923 nasceu o Repórter X. De regresso de Paris, estava em Barcelona quando, em 13 de Setembro, Miguel Primo de Rivera, capitão-general da Catalunha  acabava de tomar o poder. Reinaldo Ferreira não resistiu à tentação de enviar para o jornal uma crónica atacando o ditador e denunciando as suas prepotências. Segundo uma das versões, por prudência, não assinou – pôs apenas «repórter» e a seguir um rabisco ilegível. O tipógrafo ao compor o texto, tomou o rabisco por um x. Repórter X. Reinaldo Ferreira logo adorou o pseudónimo nascido de uma casualidade. Adoptou-o para sempre.

 

Explorando a popularidade que o nome assumiu, criou o «Jornal do Repórter X». Seguiram-se o «Repórter X» e o simplesmente «X». Multiplicando-se, correndo de um sítio para outro, iniciou-se em Espanha na cinematografia, realizando uma série de filmes policiais e de comédias. Acrescente-se que também escreveu para o teatro – peças que foram representadas no Ginásio e no S.Luiz. Uma delas, 1808, foi interpretada pela grande Palmira Bastos.

 

Em 1925, foi enviado pelo ABC à União Soviética para fazer a cobertura dos incidentes e da luta pelo poder entre Estaline e Trotsky após a morte de Lenine. Encalhando em Paris (onde teria caído nas garras da cocaína), foi mandando telegramas para a redacção dizendo que não estava a conseguir obter o visto. Mas, enquanto explorava o bas-fonds parisiense, foi mandando trabalhos – por exemplo, terá inventado uma entrevista com Conan Doyle. Depois, esgotadas as desculpas, chegou finalmente a Moscovo. Dali começou a enviar reportagens e entrevistas – desde o porteiro do Kremlin ao embalsamador de Lenine. Há uma suposição, plausível, mas talvez infundada, segundo parece, de que Reinaldo Ferreira continuou em Paris e foi lendo as crónicas diárias de Henri Bérau, correspondente de Le Journal em Moscovo. Porém, há quem defenda que ele esteve, de facto, em Moscovo e que as entrevistas são genuínas. Hoje, é impossível saber a verdade. Em todo o caso e seja como for, as suas crónicas eram formidáveis.

 

Ainda em 1925, fez belas reportagens sobre o caso da extraordinária burla cometida por Alves dos Reis, no caso do Angola e Metrópole. Em Março de 1926, deu-se o assassínio da corista Maria Alves, estrangulada num táxi e arremessada para o passeio. Escrevendo para o «ABC» e baseando-se em crime semelhantes, foi elaborando deduções que conduziram a um criminoso para o qual a polícia não apontava – Augusto Gomes, o amante da actriz. Veio a provar-se que foi ele, de facto, o autor do crime. O assassino ficou com a convicção de que Reinaldo o seguira e assistira a tudo, de tal modo a sua ficção se ajustava ao que aconteceu. O que teria sido impossível, pois as crónicas eram enviadas de Haia onde o jornalista estava à época do crime a cobrir o julgamento de Karel Marang, relacionado com o caso Alves dos Reis.

 

Às vezes abusava da sua ilimitada imaginação, como quando tentou convencer os leitores de que no subsolo de Lisboa existia uma cidade misteriosa, construída a seguir ao terramoto de 1755, onde desde então, habitando numerosa galerias, como toupeiras, as gerações se sucediam. Como peça jornalística era inverosímil, mas como idea para novela era brilhante. Ao ler um romance de Douglas Preston, sobre uma comunidade de «toupeiras» habitando sob Manhattan, em galerias desactivadas do metro de Nova Iorque, lembrei-me da "Lisboa subterrânea" de Reinaldo Ferreira.

 

Reinaldo Ferreira constituiu na sua época um paradigma de repórter. Hoje, com o chamado jornalismo de investigação, os seus métodos seriam condenados. É que ele praticou um jornalismo de inspiração ou «criativo». Em todo o caso, nunca enveredou pela via de algum jornalismo que hoje se pratica e que vive de explorar as misérias humanas e de inventar factos mesquinhos, deprimentes. A criatividade dele era fascinante. A escória de que falo e que está espalhada por tablóides e canais de televisão é gente sem imaginação, sem qualidade profissional. O Repórter X criava, fantasiava, efabulava; esta gente, pura e simplesmente, aldraba. Porém, mais do que uma vez, já vi, alguns deles evocarem Reinaldo para justificar os seus atropelos á deontologia profissional.

 

Morreu com apenas 38 anos, devastado por uma vida intensa em que o consumo de cocaína, morfina, tabaco, álcool, tiveram amplo protagonismo. Casou duas vezes, tendo dois filhos do primeiro casamento e um do segundo. Um deles, Reinaldo Ferreira como o pai (1922-1959) foi um notável poeta.

 

O Repórter X ganhou fortunas,  morreu quase na miséria e, apesar da sua celebridade em vida, foi rapidamente esquecido.  

publicado por Carlos Loures às 12:00
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