Quem conta um conto...
(ilustração de Adão Cruz)
Fernando Correia da Silva Sonolências de uma consumidora
Não consigo dormir pois não sei se Omo, ou Skip, ou Presto. Porém os glutões parecem bichos simpáticos, acredito neles, melhor é que sejam eles a lavar a nossa roupa.
Para o meu filho, é Bic ou é Futura? Esferográfica ou marcador? Bic-bic é dinamismo mas, com raiva ou com amor, escrever é com Futura.
Bebo Pepsi, bebo Coca? Coca é a tal bebida, mas a Malvina bebe Pepsi e Pelé, na América, marcou mil gelos. Gosto tanto do meu marido, que não me dá sossego, aqui, junto de mim.
Martini é a voz cálida, planadores e veleiros, elegâncias em biquini e o incendiado olhar dos homens. Mas que faço eu da garrafa de Cinzano?
Não, amor, hoje não pode ser, já tomei o comprimido para dormir, sossega que amanhã sim, boa noite, dorme bem, meu amor, minha vida, Woolmark, meu lanzudo carneirinho.
Comentário
Na sociedade capitalista desenvolvida cada vez é maior a facilidade tecnológica da produção. Facilidade que tende a ultrapassar rapidamente as reais necessidades de consumo. Esta imanência de sobreprodução, que poderia finalmente libertar a humanidade de todas as carências materiais, antes conduz à paranóia todo o ciclo produção-consumo. A cemercialização é o último passo no caminho que vai da produção ao consumo. Do sucesso ou insucesso deste último passo, do convencer-se ou não o cidadão a consumir o que a destravada engrenagem da produção vai lançando, depende a verticalidade ou a ruína do edifício económico capitalista. E a comercialização não hesita: usando como armas a publicidade e os meios de comunicação de massa, invade a esfera privada do cidadão, enerva, verruma, tortura, massacra a sua sensibilidade até despersonalizá-lo e conseguir que todos os seus sentidos e restos de consciência se engajem na ambição exclusiva de querer comprar tudo o que possa existir para vender.
Eis a contradição básica do capitalismo (a contradição entre o carácter privado dos meios de produção e o carácter social da produção) a promover a poluição neurótica do cidadão degradado a mero consumidor.
(in Contos de economia, Maio de 1978)
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