Quarta-feira, 30 de Março de 2011

A demissão do Governo - depoimento de Augusta Clara de Matos

Desfeitos os nós

 

 

Sempre por efeito da mesma causa – a ganância de uns quantos senhores do mundo - as  sociedades ocidentais sofreram o stress duma corda demasiado esticada que sempre há-de rebentar pelo elo mais fraco. E nós não fugimos à regra. Desfeitos os nós, aquilo que lhe dava sustentabilidade e consistência, Portugal esticou tanto a corda para chegar a Bruxelas, que é como quem diz para obedecer a disposições contra os seus interesses nacionais, que o stress acumulado ao longo de décadas só podia romper por algum lado.

 

Levámos anos a discutir tudo: inflação, PIB, dívida, entrada no euro…tudo, ao mesmo tempo que deitávamos borda fora sectores de actividade consentâneos com as nossas características territoriais e com as competências profissionais adquiridas ao longo dos tempos. Sem apelo nem agravo foi-se a agricultura, foram-se as pescas, deixou-se cair a construção naval e, consequentemente, a marinha mercante.

 

Foram bastas, na altura própria, as justificações dadas para cada um desses atentados ao desenvolvimento do país. A economistas, que tantos quadros, tantos gráficos apresentam para nos explicarem os múltiplos fenómenos sociais – sim, porque as sociedades actuais são movidas a petróleo e conduzidas pelas locomotivas económicas e financeiras, não pelas políticas -, ouvi eu justificar, em termos da sua área de competência, o fim da agricultura. A justificação era a que vinha de fora não era a nossa e o interior do país atesta bem o monumental erro cometido. E, se quisermos pegar apenas numa das consequências que dele advieram, lembremos a completa distorção do ordenamento do território ao deslocarem-se grande parte das populações agrícolas para as zonas periféricas e para as grandes cidades.

 

Actualmente não se vive bem no campo e vive-se mal nas cidades. 

 

O campo é o buraco que ficou no interior, é o país esvaziado, roto e sem gente. Quem lá ficou tem poucas condições para viver. Mas quem vive nas cidades atulhadas só aparentemente as tem melhores.

 

Esta deslocação das populações incentivou o ganancioso, e em muitos casos mafioso sector da construção civil, com a conivência de banqueiros corruptos e ladrões,  a uma produção desenfreada, com pouca qualidade e maior do que a procura. E, com o edificado assente sem regras em toda a espécie de terrenos, cobrindo cursos de água, leitos de escoamento pluvial e dunas, o ambiente degradou-se com todas as desastrosas consequências que conhecemos. E nada disto se fez sem o consentimento dos poderes instalados.

 

Mas, de tudo o que atrás fica dito e do muito mais que não disse, sabemos todos, que o pior que podia acontecer, aconteceu com as pessoas, os portugueses a quem toda esta  actuação política, bem como os efeitos de toda a corrupção e banditismo que grassa em muitos sectores da sociedade, caiu em cima como um cataclismo que, apesar de antevisto, foi sendo escamoteado até mais não. Até não haver mais maneira de o fazer. E aqui nos encontramos.

 

“E agora José?” como diria o poeta. Agora, deveria meter aqui um poema, para cortar o desastre ao meio, porque quem vier a seguir vai caminhar na mesma senda, não tenho a menor ilusão.

 

Não é uma questão de inteligência ou, melhor dizendo, falta dela, como poderia parecer a um habitante de Marte a quem todo o tipo de distanciamento fornecesse a perspectiva necessária para avaliar o que fez a esta gente quem tinha o seu destino nas mãos. É uma coisa pior do que isso.

 

É uma questão de pulhice humana e política que se vai perpetuando e passa com toda a impunidade e toda a indiferença perante o mal dos outros e a destruição daquilo que nos pertence. É uma coisa a que temos que pôr cobro. Em todo o mundo chama-se capitalismo e aqui também. Não há outro nome a dar-lhe.

 

Não vou falar na queda do governo nem nos partidos. O governo que tínhamos ou outro que venha a seguir pouca diferença terão no que aos portugueses interessa. Dos partidos divorciei-me. Sendo a organização partidária um direito que adquirimos depois da queda da ditadura, com o passar do tempo, todos eles se foram acomodando na modorra falsamente democrática que se instalou.

 

Interessa-me o futuro e acredito que Portugal é um país viável. A nossa sociedade, o conjunto dos cidadãos que nós somos tem grandes potencialidades, muitas delas inexploradas.

 

Voltem a atar os nós que desataram na nossa corda, exijamo-lo.

 

E temos o mar, uma situação geográfica privilegiada, a nossa plataforma marítima aumentada. O que vamos fazer com ela? E com o nosso ensino, e com a nossa investigação científica, a nossa cultura, o nosso território, as nossas gentes que empobrecem a olhos vistos?

 

O artigo do Carlos Loures já disse o que havia a dizer sobre a democracia que temos e a que queremos ter.

 

Como se constrói o futuro? Sozinha não sei, mas sei que em conjunto tudo é mais fácil. É meter mãos à obra.

 

 

 

publicado por Carlos Loures às 23:00

editado por Luis Moreira em 26/03/2011 às 22:57
link | favorito
4 comentários:
De adão cruz a 31 de Março de 2011
Belo artigo, claro, incisivo e bem escrito, Augusta. Logo que possas lê dois artigos sobre o euro no resistir.info.
De Carlos Loures a 31 de Março de 2011
Bom depoimento, Augusta Clara. É como dizes, o modelo de «democracia» em que estamos atolados, não tem saída - como os cães fazem por vezes, tenta agarrar a própria cauda e anda em círculos (mais do que viciosos) - abrir um debate sobre os caminhos para a Democracia, é o que tem importância.
De ethel feldman a 31 de Março de 2011
Bravo, Clara
De Augusta Clara a 31 de Março de 2011
Obrigada pelos vossos comentários.

Comentar post

.Páginas

Página inicial
Editorial

.Carta aberta de Júlio Marques Mota aos líderes parlamentares

Carta aberta

.Dia de Lisboa - 24 horas inteiramente dedicadas à cidade de Lisboa

Dia de Lisboa

.Contacte-nos

estrolabio(at)gmail.com

.últ. comentários

Transcrevi este artigo n'A Viagem dos Argonautas, ...
Sou natural duma aldeia muito perto de sta Maria d...
tudo treta...nem cristovao,nem europeu nenhum desc...
Boa tarde Marcos CruzQuantos números foram editado...
Conheci hackers profissionais além da imaginação h...
Conheci hackers profissionais além da imaginação h...
Esses grupos de CYBER GURUS ajudaram minha família...
Esses grupos de CYBER GURUS ajudaram minha família...
Eles são um conjunto sofisticado e irrestrito de h...
Esse grupo de gurus cibernéticos ajudou minha famí...

.Livros


sugestão: revista arqa #84/85

.arquivos

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

.links