enviado por júlio Marques Mota
Nota de abertura
Um texto duro, mais um, sobre a situação da geração em precariedade que não será apenas esta, a que agora veio para rua a 12 de Março, aqui ou algures, mas igualmente as que se lhe seguirão se não conseguirmos travar esta marcha infernal para a destruição civilizacional a que os nossos neoliberais de hoje nos querem condenar.
Sobre a juventude, triplamente desqualificada, diz-nos o autor agora aqui reproduzido:
“Observamos uma tripla desqualificação. Uma desqualificação escolar, primeiramente, a juventude sendo agora de classe média do ponto de vista dos diplomas, está abaixo da classe operária do ponto de vista dos rendimentos. Para além do valor dos diplomas, a desqualificação é também intergeracional, com uma multiplicação esperada das trajectórias sociais descendentes relativamente aos seus pais.
É também sistémica, dado que, com a queda das novas gerações, são os seus direitos sociais futuros que são postos em causa: o seu desenvolvimento humano hoje, a sua capacidade a criar e formar os seus filhos amanhã, e as suas reformas depois de amanhã. Trata-se por conseguinte de uma regressão do sistema social na sua totalidade, e não simplesmente de uma regressão de indivíduos isolados. Para além do mais, uma frustração geral atinge toda a gente face à acumulação das promessas não cumpridas: a do regresso ao pleno emprego graças à partida para a reforma dos primeiros-nascidos na geração do baby-boom, de melhores empregos pelo crescimento escolar, num contexto onde o trabalho por si só já não permite garantir a possibilidade de habitar, de viver numa casa. De tudo isto resulta uma fúria, ou mesmo uma certa raiva, que se detecta claramente na juventude de 2010 e que o movimento sobre as reformas paradoxalmente canalizou
Então, que fazer? Em parte, a solução é conhecida. O ensino é uma questão vital. O estado de pobreza da universidade “low cost” à francesa assusta os nossos colegas estrangeiros: assinamos desta forma a desqualificação científica do nosso país. Mas isto não é ainda suficiente: para que serve formar de forma correcta os jovens quando estes não encontrarão emprego?
A invenção do trabalho quase gratuito (os estágios), maciçamente subvencionados pelos pais com mais dinheiro, não foi suficiente e, depois de trinta anos de incúria, é necessário também restabelecer os antigos jovens de 1985 que tenham errado a sua entrada na vida. Esta política de regresso ao pleno-emprego é a primeira prioridade da política geracional de que temos necessidade.”
Lá, diferente de cá, a juventude não ficou silenciosa quando se prolongou a idade limite de passagem à reforma plena, percebeu claramente que eram também os seus direitos, não só os dos seniores, que estavam em jogo, veio para a rua e as Universidades pararam. Lá, como cá, temos as Universidades “low cost” impostas pela reforma do ensino superior exigida por Bruxelas, a dita reforma de Bolonha, ou das formações curtas, a hipotecar, mais um elemento, a juventude na construção do seu futuro; lá, como cá, assinala-se a desqualificação científica de um país mas lá, diferentemente de cá, os professores manifestaram-se fortemente. Lá como cá, imperou de forma brutal a lei da precariedade. Muitas semelhanças e algumas diferenças.
É imperativo como primeira resposta à precariedade geracional a política do pleno-emprego, e disto ninguém de bom senso tem dúvidas. E enquanto se vão anulando ou neutralizando todos os mecanismos que à realização deste objectivo nos possam conduzir, iremos entretanto assistir brevemente ao elogio destas políticas fortemente responsáveis pela situação de precariedade intensa de que a juventude é agora vitima, como quase toda a gente de trabalho, aliás, através de um doutoramento Honoris Causa, que irá ser atribuído por uma das mais prestigiadas universidades portuguesas a um dos mais emblemáticos responsáveis pela tripla desqualificação acima citada, desqualificação a que dão o pomposo nome de modernização das sociedades. Veja-se ou ouça-se o nosso primeiro- ministro ou o homenageado, em alternativa, ou ainda, se disto temos dúvidas, os discursos universitários que serão proferidos, a confirmar ou não o “low cost” do ensino superior, também em Portugal, a que se refere o autor agora e aqui publicado.
Coimbra, 18 de Março de 2011.
Júlio Marques Mota
Texto
Os jovens começam mal
Louis Chauvel
Nas sociedades envelhecidas, a surdez face aos problemas sociais das próximas gerações, as gerações futuras, pode tornar-se um verdadeiro problema. Mas trata-se mais de um sintoma do que da causa profunda do mal, e isto não tem nada de novo. O que é, porém, novo, tem a ver com a dimensão da recusa em procurar perceber este fenómeno como problema e que se está a ampliar. A minha experiência, doze anos depois da primeira edição de Destino das gerações, permite-me estabelecer a seguinte confirmação: desde 1998, não temos feito rigorosamente nada enquanto que o sabíamos. De cada vez que há um período de atenuaação, este dá-nos a ilusão de situação normalizada mas, realmente, a situação tem-se é degradado .
Mas quais são os sintomas deste mal-estar colectivo? Os mais visíveis têm a ver com as dificuldades da própria juventude. Sabemo-lo, desde há trinta e cinco anos, desde que há desemprego de massa em grande extensão, que a juventude tem servido de variável de ajustamento. Desemprego a níveis recordes, baixa dos salários e dos níveis de vida, aumento da precarização, desenvolvimento de bolsas de trabalho quase que gratuito (estágios, free-lancers, pagamento à peça, exoneração de encargos, etc.), a nova pobreza da juventude, um estado de saúde problemático e fraco recurso aos cuidados de saúde, ausência de horizonte visível .
Numa década, não progredimos mesmo nada - isto, na melhor das hipóteses. Observamos uma tripla desqualificação. Uma desqualificação escolar, primeiramente, a juventude sendo agora de classe média do ponto de vista dos diplomas, está abaixo da classe operária do ponto de vista dos rendimentos. Para além do valor dos diplomas, a desqualificação é também intergeracional , com uma multiplicação esperada das trajectórias sociais descendentes relativamente aos seus pais.
É também sistémica, dado que, com a queda das novas gerações, são os seus direitos sociais futuros que são postos em causa: o seu desenvolvimento humano hoje, a sua capacidade a criar e formar os seus filhos amanhã, e as suas reformas depois de amanhã. Trata-se por conseguinte de uma regressão do sistema social na sua totalidade, e não simplesmente de uma regressão de indivíduos isolados. Para além do mais, uma frustração geral atinge toda a gente face à acumulação das promessas não cumpridas: a do regresso ao pleno emprego graças à partida para a reforma dos primeiros-nascidos na geração do baby-boom (relatório Teulade de 1999), de melhores empregos pelo crescimento escolar, num contexto onde o trabalho por si só já não permite garantir a possibilidade de habitar, de viver numa casa. De tudo isto resulta uma fúria, ou mesmo uma certa raiva, que se detecta claramente na juventude de 2010 e que o movimento sobre as reformas paradoxalmente canalizou.
Porém, continua a ser verdade que a sintomatologia não é um diagnóstico. Este é da competência da recusa colectiva em olhar lucidamente para o nosso longo prazo e para o carácter profundamente conservador, de “rentier” , de só se estar a pensar em aumentar o valor para o accionista, que é o da sociedade francesa como um todo. O comportamento patrimonial dos franceses detentores de activos que acumulam seguros de vida com casas vazias, da mesma maneira que os seus avós guardavam os seus lingotes, entra na mesma lógica de comportamentos.
Seja à direita, seja à esquerda, a grande preocupação é a de se servirem de direitos adquiridos em vez de se preocuparem em desenvolver o que serão os direitos de amanhã. Desde há mais de dez anos, a primeira informação disponível nos sítios Internet das grandes centrais sindicais têm a ver com as pensões de reforma, enquanto que nos sítios dos bancos têm a ver com os propaganda sobre as aplicações financeiras a boas taxas e sem riscos, junto dos seus clientes. A nossa economia é um capitalismo de herdeiros de n-ésima geração onde as novas fortunas têm dificuldade em ocupar o seu lugar, e o nosso Estado Providência alimenta os jovens pobres através das reformas dos seus pais.
A reforma dos regimes de passagem à reforma poderia ter sido um momento propício à análise dos anos 2030, mas a confrontação, necessária, foi apenas a das posturas convenientes do nosso regime: a direita governamental protege os reformados de hoje, o seu coração eleitoral, e sacrifica os de amanhã; os sindicatos e a esquerda exigem quanto a eles que se faça incidir os seus encargos sobre os jovens activos, estes, os grandes ausentes dos debates políticos.
No seu texto sobre “ a revolução da idade " (Le Monde de 14 de Abril de 2010), Martine Aubry menciona os jovens apenas entre duas frases : a serem apoiados pelos mais velhos e para ter confiança no sistema. Até onde? Será necessário que nos surpreendamos desde que a nossa Assembleia Nacional, a mais velha no mundo, fundada sobre a quase ausência de eleitos com menos de 50 anos, profissionalizada em torno de deputados de sexo masculino sexagenários reeleitos desde há mais de vinte anos, acumulando frequentemente um mandato e generosas pensões de reforma, reformam o regime de pensões conservando os seus próprios direitos adquiridos e fazem com que estas mudanças incidiam somente sobre os deputados de amanhã, ausentes dos debates, portanto.
Trata-se de compreender que este jogo é o “ideal-típico” do nosso país, onde os últimos reformados abastados do início baby-boom decidem do empobrecimento das gerações nascidas demasiado mais tarde , vítimas mudas sobre os grandes desafios onde a sua ausência é organizada conscientemente. E está aqui uma das raízes do nosso problema: o diagnóstico de 2010 mostra que “as novas gerações” nascidas depois de 1955, as que entraram no mundo do trabalho depois de 1975 no contexto do pleno emprego, foram afectadas de maneira duradoura, ou mesmo definitiva. Por detrás destas primeiras coortes de veteranos da guerra económica, as coortes seguintes acumularam problemas crescentes que deixaram cicatrizes duradouras no corpo social.
Então, que fazer? Em parte, a solução é conhecida. O ensino é uma questão vital. O estado de pobreza da universidade “low cost” à francesa assusta os nossos colegas estrangeiros: assinamos desta forma a desqualificação científica do nosso país. Mas isto não é ainda suficiente: para que serve formar de forma correcta os jovens quando estes não encontrarão emprego?
A invenção do trabalho quase gratuito (os estágios), maciçamente subvencionados pelos pais com mais dinheiro, não foi suficiente e, depois de trinta anos de incúria, é necessário também restabelecer os antigos jovens de 1985 que tenham errado a sua entrada na vida. Esta política de regresso ao pleno-emprego é a primeira prioridade da política geracional de que temos necessidade. Será necessário passar pelo duplo fio da fluidificação do direito do trabalho e da obrigação de contratação feita aos empregadores. A crise do alojamento exige também um plano de longo prazo quanto a construções colectivas e de qualidade para densificar o tecido urbano dos espaços médios entre centro e periferia.
Nada se fará nada sem investimentos maciços. O nosso desafio da década de 2010 é que abordamos mal este período, concentrando as três grandes falhas características dos bloqueios dos períodos pré-revolucionários , de acordo com o sociólogo Randall Collins: dívida maciça de consumo a impedir a elaboração de políticas públicas ambiciosas de investimento; frustrações ligadas à acumulação de promessas impossíveis; governança do país destabilizada por maiorias cada vez mais difíceis de conseguir , num contexto onde mais nenhuma autoridade é aceite.
Estes investimentos maciços necessitam que se disponibilizem os meios necessários. Não se pode honrar sem retorno as promessas de uma reforma precoce, longa e fácil como a dos jovens seniores das classes médias de hoje e simultaneamente estas necessidades de investimentos para o futuro. O projecto de abandono do imposto sobre a fortuna (ISF) e a sua substituição por uma tributação dos rendimentos patrimoniais vai no mau sentido, numa sociedade francesa onde o património imobiliário dormente viu triplicar o seu valor em vinte anos.
Melhor uma tributação das residências secundárias no tecido urbano é de natureza a obter recursos consideráveis fluidificando ao mesmo tempo o mercado da propriedade imobiliária: quantos pessoas para cima dos 55 anos têm a sua poupança em alojamentos vazios durante o ano, em zonas de forte densidade, enquanto que as jovens famílias se amontoam em pequenos espaços ? Na realidade , o único ajustamento substancial susceptível de alterar a relação com a renda consistiria em introduzir, na declaração do rendimento colectável, o valor locativo, que é efectivamente um rendimento implícito, do conjunto dos bens imobiliários detidos pelas famílias (fora dos reembolsos em curso), em especial o da residência principal. Tudo isto supõe uma reavaliação rápida dos valores locativos cadastrais, de que se conhecem as derivas seculares.
As pessoas com mais de 55 anos em 2010, que são proprietários sem reembolso de empréstimo em mais de 70% dos casos, foram os grandes beneficiários - pelas mais-valias longas, e por conseguinte não passíveis de imposto - da crise do alojamento paga ao preço forte pelos jovens activos. As pessoas urbanas da classe média alta deste nível etário nunca viveram tão à vontade em alojamentos sub-ocupados, o casal tipo de 60 anos a viver, os dois sozinhos, numa casa de 5 divisões enquanto que as jovens famílias são tidas como amontoadas em pequenas áreas. A fluidificação do mercado imobiliário que daí resultaria permitiria assim ajustar os recursos às necessidades.
Esta medida é capaz de reduzir a pressão do torniquete do alojamento e de activar por aí uma verdadeira política de solidariedade entre as gerações. Mas é necessário lembrar que os períodos de consciência em que a sociedade francesa redescobre a sua juventude são seguidos de forma sistemática de fases de amnésia em que esquece até à existência dos seus próprios filhos . O doente prefere então drogar-se com o défice, e, nestas fases, o investimento na juventude é um voto apenas de fé, religioso. Apostamos que nenhum candidato terá a coragem de se agarrar a uma tal política geracional.
Louis Chauvel, sociologue, professor em Sciences Po (Le at), Les jeunes sont mal partis, Le Monde, Paris, 03.01.11
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