Sexta-feira, 25 de Março de 2011

Crise da zona Euro - 2 - por Henri Sterdyniak

Enviado por Júlio Marques Mota

Traduzido por António Gomes Marques

 

Zona euro: uma solidariedade deficiente

Durante a crise, as instâncias europeias (a Comissão Europeia, o Conselho, os Estados-Membros) foram incapazes de darem respostas vigorosas. As suas reacções foram tímidas, hesitantes, contraditórias. A sua (ausência de) estratégia não é compatível com o funcionamento dos mercados financeiros; mantendo a dúvida sobre a solidariedade europeia, sobre a possibilidade de certos países faltarem no cumprimento das suas dívidas, elas alimentaram a desconfiança e a especulação.

No final de 2009, o governo grego reviu fortemente em alta os valores do défice público anunciados pelo governo precedente, e foi esta informação que deu a partida para a crise de desconfiança contra a dívida grega. As instâncias europeias e os outros países-membros levaram tempo a reagir, não querendo dar a impressão de que os países-membros tinham direito a um apoio ilimitado dos seus parceiros e querendo sancionar a Grécia, pelo facto de a considerarem culpada por nunca ter respeitado o Pacto de Estabilidade e Crescimento e de ter escondido a dimensão dos seus défices. Os Estados Membros, em especial a Alemanha, anunciaram que ajudariam a Grécia apenas se esta aceitasse assumir o compromisso de organizar um plano de forte redução dos seus défices públicos e que a ajuda seria fortemente condicionada ao respeito deste compromisso, sujeito à regra da unanimidade (ao mesmo tempo, os alemães recordavam que o Tratado europeu proibia a solidariedade entre os Estados Membros e que o seu Tribunal Constitucional poderia proibir que se ajudassem os países em dificuldade), e que a taxa dos empréstimos concedidos “incorporaria um prémio de risco adequado”, o que é absurdo, uma vez que a ajuda tem precisamente por objectivo reduzir a zero o risco de incumprimento. Estas reticências contribuíram, também elas, para preocupar os mercados, o que os levava a continuarem a encarar os cenários de catástrofe.

No início de Maio de 2010, o BCE anunciou que continuaria a aceitar de modo incondicional os títulos da dívida pública grega  como garantia de empréstimos por si concedidos. A União Europeia e os Estados membros aceitaram conceder à Grécia 110 mil milhões de euros de empréstimos, mas exigiram-lhe uma taxa de juro exorbitante (primeiro 5,2% e, depois, 5,8%), superior portanto aos 3 % a que os países da zona euro se endividavam. A Grécia assumiu a garantia de que iria reduzir de 6 pontos o seu défice de 2009 para 2010, e de 11,5 pontos de 2009 para 2014, um compromisso dificilmente possível, dificilmente suportável. Foi pedido ao Fundo Monetário Internacional (FMI) que contribuísse para este plano, para tornar bem claro que as condições impostas à Grécia estavam a ser tão severas como as que o FMI impõe aos países em desenvolvimento quando estes precisam de “ajuda”. Mas este apoio do FMI marca efectivamente a falência política da zona euro; para que este procedimento de empréstimo à Grécia fosse levado à prática, foi necessário proclamar que “a zona euro” não existia, que apenas existiam separadamente os Estados, tanto para o FMI como para os mercados financeiros.

A 10 de Maio de 2010, os países da zona criaram na urgência um Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FESF), autorizado a levantar 750 mil milhões de euros, para vir em ajuda aos países ameaçados. Ao mesmo tempo, foi indicado que este fundo era criado apenas para três anos, que a ajuda prestada seria muito fortemente condicionada à elaboração e aplicação de planos de redução dos défices públicos e que as taxas de juro exigidas aos países que recorreriam ao Fundo incorporariam um prémio de risco. Este plano nada tranquilizou os mercados. Em Junho de 2010, a diferença de taxas de juro a 10 anos entre a Grécia e a Alemanha subiu muito rapidamente até atingir os quase 8 pontos percentuais.

Em vez disto, teria sido necessário dizer claramente que a dívida pública grega era garantida pelo conjunto dos países da zona euro e pela União Europeia, e que os problemas das finanças públicas gregas eram uma questão interna da zona, que esta se comprometia a resolver colectivamente. Mas a falta de solidariedade e de confiança entre os países da zona euro não permitiu que tal solução fosse adoptada.

Em Novembro de 2010, rebenta a crise irlandesa. A Irlanda, que era até há pouco o melhor aluno da escola liberal, com a mais baixa taxa de despesas públicas dos países da zona euro, a mais baixa taxa de tributação fiscal (com taxas de tributação sobre as sociedades e com taxas de contribuições sociais particularmente baixas), com um excedente orçamental de 2,5% do PIB em 2006, com um crescimento particularmente vigoroso (utilizando a concorrência fiscal, beneficiando de taxas de juro muito fracas em relação à sua taxa de crescimento, deixando desenvolver-se uma bolha imobiliária) sofreu de imediato e duramente a crise financeira, e em especial o rebentamento da bolha imobiliária. O seu sistema bancário hipertrofiado encontrou-se em situação de falência. As finanças públicas irlandesas foram postas em dificuldade pelo facto da crise (que provocou uma perda de crescimento do PIB na ordem dos 22% relativamente à tendência de antes da crise) mas a Irlanda decidiu garantir todos os créditos concedidos aos seus bancos e de aumentar o seu défice público de 2010 de 13,2% para 32,3% do PIB (um nível sem precedentes para um país europeu em tempos de paz), a fim de recapitalisar os seus bancos. Assim, a dívida irlandesa passará de 25% do PIB em 2007 para 114% em 2012.

O anúncio do forte aumento do défice irlandês marcou o ponto de partida de um novo acesso especulativo contra a Irlanda. A União Europeia e o FMI acordaram atribuir “uma ajuda” de 85 mil milhões de euros à Irlanda, à taxa de juro exorbitante de 5,8%. Por outro lado, a Irlanda compromete-se a realizar um programa de austeridade orçamental que deveria representar 10 pontos de PIB de agora até 2014. Mas a Irlanda recusa aumentar a sua taxa de tributação sobre as sociedades assim como a sua taxa de contribuições sociais e estas são, segundo a Irlanda, as suas duas vantagens em termos de concorrência europeia.
A Irlanda (como há pouco a Islândia) é vítima da liberdade de estabelecimento defendida pela Comissão. Os bancos têm a liberdade de se instalar onde quiserem na Europa; ninguém controla a relação entre a dimensão dos bancos e o país onde estes se instalem. Os bancos instalados na Irlanda criaram e alimentaram a bolha do imobiliário; beneficiaram do laxismo fiscal e regulamentar deste país; endividando-se a baixas taxas no mercado financeiro europeu, puderam fazer empréstimos maciços e remuneradores que pareciam sãos uma vez que os preços do imobiliário aumentavam fortemente. A possibilidade de uma inversão na evolução dos preços não foi sequer encarada. Ao mesmo tempo, não há nenhuma solidariedade ao nível da zona euro. Quando um banco está em dificuldade, é o país onde este está instalado que o deve socorrer e, por conseguinte, é a população deste país que o deve assumir. A Irlanda não quis fazer pagar os responsáveis da crise (os credores dos bancos irlandeses), não quis taxar os beneficiários da bolha (porque não encararam um imposto excepcional sobre as grandes fortunas, pois foram elas que beneficiaram com a bolha?). A Europa não quis fazer jogar “a solidariedade de lugar”: fazer pagar aos bancos europeus o custo dos resgates bancários, para evitar a falência.

Os mercados financeiros, tal como os responsáveis da zona euro, antes da crise deixaram acumular os desequilíbrios. Tomaram consciência deste facto brutalmente entre 2009 e 2010. Países como a Espanha, a Irlanda ou mesmo a Grécia tinham fortes taxas de crescimento antes da crise; esta obriga-os a alterarem as suas estratégias de crescimento; os mercados não os ajudam em nada ao gritarem que há o risco de falência e a Comissão, por seu lado, não vem ajudá-los, não vem socorrê-los.

 Sob a pressão do FMI e da Comissão Europeia, os países ameaçados devem pôr em prática fortes planos de austeridade, diremos mesmo planos drásticos, e muito frequentemente estes planos são claramente cegos na redução dos défices públicos e das privatizações. O esforço representaria 16% do PIB para a Grécia; 9% para a Irlanda, 8,5% para a Espanha; 8% para Portugal. Os países do Sul passariam a ter uma redução a curto prazo na actividade económica, um longo período de recessão e de elevado desemprego. De acordo com a própria Comissão, a taxa de desemprego em 2012 seria de 11% em Portugal, de 13 % na Irlanda, de 15% na Grécia e de 19% em Espanha. Mas os países do Norte reduziriam ao mesmo tempo os seus défices. Os outros países, são pressionados pela Comissão a voltarem a respeitar os critérios do Pacto de Estabilidade e de Crescimento, e temem ver a sua dívida desclassificada pelas agências de notação, de rating, resignam-se a fazer esforços de aproximadamente 1 a 1,5 ponto de PIB, fixando-se um objectivo de défice inferior a 3 % do PIB em 2012 ou 2013, acompanhado de um objectivo de saldo equilibrado (défice nulo) a longo prazo. O impulso negativo provocado por este tipo de política orçamental sobre a actividade económica seria de 1,6% do PIB em 2011, e de 1% em 2012. O crescimento na Europa será duramente afectado.

Este programa de austeridade põe em causa o modelo social europeu; impõe fortes reduções do número de funcionários, prejudicará por conseguinte a qualidade do ensino, da saúde, dos serviços públicos; as reformas públicas são diminuídas e a idade para a passagem à reforma é aumentada; as prestações familiares são reduzidas; a Espanha diminui as prestações de desemprego, a Irlanda diminui o seu salário mínimo e a Alemanha diminui o seu rendimento mínimo; todos os países fazem pressão sobre os seus salários para ganharem competitividade. Mesmo o Reino Unido, os Países Baixos, a França e a Alemanha, que não estão directamente atacados pela especulação, anunciam medidas restritivas sobre as despesas públicas, as despesas sociais, o emprego e sobre os salários dos funcionários.

Não se consegue ver bem de onde poderá vir então o crescimento na zona. De facto, globalmente, a procura é claramente insuficiente. Os países do Norte da Europa teriam que assumir políticas expansionistas para compensar as políticas restritivas dos países do Sul. Ora, tanto quanto a economia europeia não se aproxima a uma boa velocidade do pleno emprego, a política orçamental não deveria ser globalmente restritiva na zona euro, antes pelo contrário.

É verdade que certos economistas referenciaram em tempos passados casos em que uma política orçamental restritiva não teve nenhum efeito desfavorável sobre o nível de actividade, mas devemos lembrar que esta política tinha sido acompanhada de outros elementos que faltam hoje, como, por exemplo, uma forte depreciação da taxa de câmbio, uma forte baixa das taxas de juro, um forte desenvolvimento do crédito privado devido à liberalização financeira, ou devido a um forte aumento da procura privada.

Se o multiplicador de uma baixa generalizada das despesas públicas na Europa for de 2, se os países da UE fazem uma redução de 1 ponto percentual de PIB por ano durante 5 anos, o crescimento europeu será reduzido de 2 pontos percentuais por ano durante 5 anos, ou seja, haverá uma redução total de 10 pontos de PIB, e as contas públicas não terão entretanto melhorado (dado que a baixa de actividade reduzirá as receitas fiscais), e o ratio da dívida aumentará, de facto, devido à redução da actividade económica. Esta política seria indispensável para tranquilizar os mercados, mas uma política que leva a uma situação de um longo período de recessão é tranquilizadora ?
Os países obrigados a levar a cabo políticas muito fortemente restritivas, numa situação de fortes taxas de juro e de instabilidade financeira, pagá-lo-ão com uma forte quebra da actividade. De acordo com previsões da própria Comissão, o crescimento da zona euro seria de 1,6% em média para 2010-2011, mas de 0,4% para a Irlanda, 0,3 % para a Espanha, 0,2% para Portugal, e de -,6% para Grécia. Nestas condições, os objectivos de défice público não poderão ser alcançados, os países virão a sofrer de um aumento dos encargos em juros da dívida, sofrerão igualmente de uma baixa das receitas fiscais, o ratio de dívida aumentará, o que justificará…a aplicação de mais medidas restritivas.

Esta política terá graves consequências sociais em numerosos países europeus, em especial sobre a juventude e sobre a população mais frágil. Ameaça a própria construção europeia, que era bem mais do que um projecto económico. A economia devia estar ao serviço da construção de uma Europa unida, desenvolvendo um modelo original de sociedade. Em vez disso, a ditadura dos mercados impõe-se hoje a todos os países da União. Seria catastrófico para a Europa que as instâncias europeias utilizassem a ameaça dos mercados para impor aos povos políticas económicas restritivas, as reformas liberais e baixas extremamente importantes e duras nas despesas sociais.

O Fundo Europeu de Estabilidade Financeira foi criado apenas para um período de 3 anos. A Alemanha, que infelizmente a França decide apoiar, aceita a sua prolongação apenas sob condições drásticas. Exige que os países em falta possam ver-se privados do seu direito de voto nas instâncias europeias, criando, de facto, a possibilidade da exclusão de um país, e se possam também ver privados dos fundos de ajuda estruturais, o que agravaria ainda mais a sua situação. Sobretudo, a Alemanha pede que seja criado um mecanismo de falências dirigido por um Estado-membro. A partir de 2013, as emissões de obrigações da dívida pública deverão comportar uma “cláusula de acção colectiva”, ou seja, que os detentores desses títulos deverão aceitar a possibilidade de só serem parcialmente reembolsados no caso de dificuldades económicas do país emissor. Esta cláusula tinha sido proposta por Annie Krueger do FMI, para as emissões dos títulos de dívida pública dos países em desenvolvimento; mas não teve nenhum sucesso, uma vez que os países emissores temem que as cláusulas de acção colectiva levem ao forte aumento das taxas de juro sobre as suas dívidas pública.

O risco é grande no sentido de estes dois dispositivos serem interpretados pelos mercados financeiros por aquilo que eles são mesmo, ou seja, novos sinais da ausência de solidariedade na Europa. Os mercados verão como muito possível de se realizar a sua convicção de que a dívida pública dos países da zona euro não é garantida; e que uma vez assim sendo é pois legítimo exigir prémios de risco para os adquirir e que pode também ser talvez rentável especular sobre a sua falência. As dívidas públicas deixando de ser consideradas sem risco tornam-se mais dispendiosas. Os países estarão permanentemente a ficar sujeitos à apreciação dos mercados financeiros.

Os mercados financeiros consideraram que os países do Sul da Europa terão a maior dificuldade em se financiar a três anos, quando este projecto for iniciado. Ora o reembolso das dívidas actuais assenta sobre a capacidade dos países em terem acesso aos mercados financeiros durante os próximos anos. A dívida dos países do Sul foi pois fragilizada.

No final de Novembro de 2010, as taxas impostas pelos mercados para os títulos a 10 anos eram de 2,7% para a Alemanha, 3 % para os Países Baixos e a Finlândia, 3,2% para a Áustria e a França, mas de 4% para Bélgica, 4,7% para a Itália, 5,5% para a Espanha, 7,1% para Portugal, 9,% para a Irlanda, e 11,9% para a Grécia. Os mercados financeiros recusam renunciar a manter um cenário de ruptura da zona euro, segundo o qual as medidas de austeridade provocariam um fraco crescimento e daria azo a fortes perturbações sociais, de modo que os países do Sul acabariam por preferir deixar a zona euro. No entanto, a credibilidade deste cenário surge ainda reforçada pela própria fraqueza da reacção dos Estados Membros e das Instâncias Europeias, que são incapazes de dizer que a sua solidariedade é total e que levarão a cabo uma estratégia macroeconómica coerente na zona.
publicado por Luis Moreira às 20:00
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