Sexta-feira, 11 de Março de 2011

Porque é que os jovens têm razões para se manifestar por Júlio Marques Mota


NOTA da Fundação Terra Nova

 

Desde o início do ano escolar, no mês  de Setembro, as jovens gerações juntaram-se ao cortejo das manifestações. O dia de terça-feira, 26 de

 

Outubro, marca uma etapa nova na sociologia do conflito: os jovens estarão sozinhos em cena, a responderem à chamada feita pela  Unef e por Sul-Etudiants.

 

A maioria finge surpreender-se com a presença dos estudantes na rua. Todos têm, no entanto,  todas as razão do mundo para se  manifestarem.

 

1 Os jovens, as vítimas da reforma dos regimes de  passagem à reforma

Discute-se muito: o recuo  da idade de partida para a reforma das pessoas mais velhas  vai agravar o desemprego dos jovens

O mercado de trabalho na França está  degradado. Adaptou-se à crise excluindo do mercado de trabalho as suas duas extremidades geracionais, os jovens e as pessoas mais velhas. A taxa de emprego dos jovens (menos de 25 anos) é de  31%, a  das pessoas mais velhas  (mais de 55 anos) é de 38%, e que são  das  taxas  mais baixas da Europa. Na ausência de uma política voluntariosa de melhoria do mercado de trabalho, o retrocesso da idade de partida para a  reforma vai aumentar o desemprego.

 

O desemprego das pessoas mais velhas, certamente. Dois terços  dos franceses estão no desemprego quando liquidam  a sua reforma.. É o que explica a grande diferença no sector privado entre a idade de cessação de actividade, 58 anos, e a idade de liquidação da reforma, 61.6 anos. Estatisticamente, para estes franceses, a manutenção durante muito mais tempo em actividade significa a manutenção no desemprego: a reforma transforma “os  jovens reformados” em “velhos desempregados”.

 

Mas igualmente o desemprego dos jovens. Certamente, não há nenhuma relação directa: não se substitui posto a posto um  torneiro fresador  que parte para a  reforma por um jovem diplomado saído da universidade. Mas as relações existem. Relações mecânicas em certos sectores, como na administração: com a regra da não-substituição de um funcionário sobre dois, a contratação de um jovem é condicionada pela partida de duas pessoas muito mais velhas. Ou no meio médico: o numerus clausus impõe que qualquer entrada seja garantida sobre uma saída. Relações mais difusas existem: os constrangimentos de massa salarial na  empresa fazem com que as contratações sejam  condicionadas globalmente pelas partidas.

 

Este debate foi particularmente mal colocado. Se a questão é  “a melhoria do emprego das pessoas mais velhas  provoca ela  a degradação do emprego dos jovens? ”, então a resposta é  claramente não. Todos os economistas  o  dizem: as duas coisas vão a par.  Num mercado de  trabalho degradado, os dois sofrem. Num mercado de trabalho são, os dois integramse  bem, os dois ganham. Mas a questão  é diferente: a reforma dos regimes de passagem à reforma vai agravar o desemprego dos jovens? A resposta é sim. Com a reforma, o desemprego dos jovens, como o das pessoas mais velhas, vai aumentar.

 

Discute-se muito quanto ao impacto da reforma sobre o desemprego dos jovens. Mas estranhamente, discute-se menos muito  a questão central: quem é que vai pagar a reforma dos sistemas de  reformas?
A esquerda e os sindicatos martelaram-no, e têm razão: são os assalariados modestos. O actual regime de passagem à reforma  está  marcado com o selo da injustiça social.

 

Mas não o quiseram entender, é também injusta para as jovens gerações. Vão pagar três vezes.

 

Vão contribuir mais, com o recuo da idade legal. Um recuo  de que se verão globalmente os seus efeitos somente  a partir de 2018, por conseguinte para os menos de 50 anos de hoje.

 

Vão receber reformas mais baixas. Devido à subida em força  dos regimes de pensões de reforma dos governos  Fillon  e Balladur, que se estendem até 2020. Mas também devido às suas dificuldades crescentes para validarem  os seus trimestre de contribuições. A duração de seguro validada a 30 anos não deixou  de diminuir de geração,  desde a   geração  de 1950. Para esta último, a duração validada era de 40 trimestres em média, enquanto que, para a geração 1974, é mais apenas de 31 trimestres. Uma parte deve-se ao alongamento do tempo de  estudo, e é uma boa coisa.

 

Mas mais da metade (5 em  cada 9 trimestres) deve-se  às dificuldades de inserção dos jovens na França.
Cereja em cima do bolo, as jovens gerações são  espoliadas do  benefício do Fundo de Reserva das reformas que lhes era destinado. O Fundo foi criado para assegurar a realização intergeracional  e aliviar as gerações de activos entre 2020 e 2040: trata-se dos jovens de hoje, as gerações de agora, em que  houve  menor crescimento demográfico,  que deverão financiar as reformas de “ papy boomers”. O Fundo devia ser extinto a partir de 2020, a fim de limitar os aumentos de contribuições sobre estas gerações. O governo decidiu absorver os  34 mil milhões de euros para assegurar a melhoria financeira a curto prazo: assim tiram aos activos de amanhã para dar aos reformados de hoje…

 

2 Os jovens, as primeiras vítimas das políticas públicas

 

 

Pela sua injustiça contra os jovens, a reforma dos regimes de pensões  é um fermento de tensões entre as gerações. Tratar-se-ia de um epifenómeno se esta injustiça entre gerações fosse um caso isolado. É, antes  pelo contrário,  uma nova manifestação da nossa preferência absoluta pelo  presente: a França renunciou a investir no futuro, a França  sacrifica as gerações futuras em proveito das gerações actuais. Todas as políticas públicas o testemunham.

 

Primeira política em causa: a educação. O esforço educativo da Nação diminui: é agora 6.5% do PIB em 2010, contra 7.5% há dez anos - uma baixa de cerca de 15%! Então, enquanto se  encontram  40 mil milhões de euros para financiar as reformas de hoje, suprimem-se 20 mil milhões no orçamento educativo. É uma escolha política pesada: a escolha do passado contra o futuro.

 

No meio deste desastre: o ensino superior. Aqui investe-se pouco: 1.5% da nossa riqueza nacional, duas vezes menos que nos Estados Unidos, três vezes menos que nos países mais avançados. Nem sempre  democratizámos o nosso ensino superior:  apenas 35% de uma classe de idade sai diplomada  do ensino superior em  França. O nosso malthusianismo elitista (“nem toda a gente pode fazer o curso superior ”) é contradito pelos países mais avançados: mais de 50% de uma geração é diplomada pela Universidade nos Estados Unidos, 80%  nos países nórdicos, na Coreia do Sul, no Japão. O nosso sistema educativo, centrado no liceu, continua a formar os empregos de ontem, os contramestres da fábrica da pós-guerra.

 

Não forma os empregos de amanhã, os da economia do conhecimento: os engenheiros, os quadros, os técnicos superiores. Mas também não forma os empregos dos serviços de amanhã : não é a mesma coisa deixar um filho seu à guarda de uma ama  sem qualificação ou deixá-la à guarda de profissional de puericultura com três anos de formação especializada.
Segunda política em causa, a política de emprego: esta assumiu que os menos de trinta anos são a variável de ajustamento. Perante a crise, protegeu-se os  que tinham  um emprego, os insiders: a probabilidade de perder um CDI, um contrato de duração indeterminada,  é de 1% por ano em média desde 1980,  2% aquando da Grande Crise de 2008.

 

Resultado, sacrificou-se os fluxos de novos entrados no mercado de trabalho , os jovens. É o que explica uma taxa de desemprego dos jovens excepcionalmente elevada: 25%. O desemprego de massa é sobretudo um desemprego de jovens.
Os que têm um emprego não têm um emprego estável. A precarização é a norma antes de se ter trinta anos, através do trabalho temporário, dos CDD e dos estágios. 80% das entradas em emprego fazem-se em CDD: os CDD são utilizados pelas empresas ao mesmo tempo como “ períodos de ensaio” e sobretudo como volante flexível da massa salarial, para poder reduzir o volume no caso de dificuldades. É por isso que o desemprego dos jovens aumentou fortemente  com a recessão de  2008.

 

Os estágios (1 milhão por ano) foram desviados do seu objectivo. Devem normalmente permitir a descoberta da empresa. Hoje são inteiramente utilizados para substituir postos de trabalho. Os estágios constituem o primeiro emprego “com desconto” dos jovens. E é  verdade a todos os níveis: mesmo nas grandes escolas, a escolaridade era antes de três anos e o quarto ano constituia o ano do primeiro emprego pago; hoje é de quatro anos dos quais uma ano de estágio mal pago. O movimento Geração Precária obteve a garantia  de uma remuneração mínima dos estágios (um terço do SMIC para qualquer estágio de dois meses ou mais), mas a desqualificação permanece  bem real.
Por fim, os jovens são cada vez mais mal pagos. O seu salário relativo desceu profundamente  desde há trinta anos. Em média, em 1975, os assalariados de 50 anos ganhavam 15% mais que os assalariados de 30 anos; a diferença  hoje quase que  triplicou, mais de 40%.

 

Terceiro testemunho: a política do alojamento eliminou  os jovens. O imobiliário  foi captado pelas gerações mais velhas. 76% dos reformados são proprietários da sua habitação. O défice de oferta pesa por conseguinte mecanicamente sobre os novos chegados a este mercado. Em relação a 1984, os jovens de hoje devem trabalhar duas vezes mais tempo  para poderem comprar ou alugar a mesma superfície no mesmo bairro.

 

Quarto elemento: a política social é espectacularmente discriminatória. É suficiente comparar os minimas sociais. Mínimo velhice: 708 euros por mês. Mínimo de actividade 25-60 anos (“RSA-base”): 460 euros, ou seja 40% menos. Mínimo de actividade para  os menos de 25 anos: zero. Difícil fazer melhor em termos de injustiça intergeracional : mais se é jovem, menos valor se tem  para a sociedade. A França, faz  figura de excepção na Europa: os minimas sociais começam geralmente aos  18 ou mesmo aos 16 anos. Quanto ao seguro de desemprego, é reservado aos que trabalharam. O jovem diplomado à  procura de emprego dele não beneficia, portanto. 

 

Quinta política discriminatória: a política fiscal constitui uma  formidável máquina de secagem do  poder de compra em detrimento dos jovens. A política fiscal é com efeito mais discreta mas igualmente iníqua. O quociente conjugal é um nicho fiscal avaliado em 24 milhares de   milhões de euros por ano. O quociente conjugal (a não confundir com o quociente familiar, que atribui partes suplementares por criança a cargo) é uma excepção francesa que assenta na  declaração por lar fiscal: os franceses declaram o seu imposto como casal, e não a título individual, contrariamente aos outros países da OCDE. Beneficiam então de uma dupla parte ao imposto sobre o rendimento: o rendimento sujeito à tabela do imposto não é o rendimento global mas o rendimento por parte, dividido por dois devido ao quociente conjugal. Um benefício fiscal tanto  mais mais importante quanto, contrariamente ao quociente familiar, o quociente conjugal não é sujeito a nenhum  limite máximo. Age como uma enorme máquina de redistribuição  dos solteiros para os casados, ou seja, para muitos, de muitos dos jovens activos para os adultos instalados.

 

Pelo contrário, a fiscalidade favorece os reformados. A comparticipação social generalizada, CSG, a taxa reduzida (6.6% contra 7.5% para a taxa normal aplicada aos activos), abatimento de 10% para despesas profissionais no imposto sobre o rendimento atribuído aos reformados, majorações de pensão não sujeitas ao imposto sobre o rendimento…: no total, os benefícios fiscais ligados às pensões de  reforma ascendem a 11 mil milhões de euros - 5 dos quais em proveito dos reformados mais abastados.

 

Último elemento: a dívida pública é uma verdadeira máquina de expropriar as jovens gerações. A dívida pública é muito elevada: 84% da riqueza nacional - 1700 mil milhões de euros no final de  2010, ou seja 27.000 euros per capita.
Para que é que serve? 97% do orçamento do Estado representa despesas  de funcionamento. A Segurança Social é um orçamento de prestações. Por outras palavras, a dívida não serve para preparar o futuro mas sim para sustentar  artificialmente o trém de vida das gerações actuais.
Quem paga? Diz-se, frequentemente,  que as gerações futuras pagariam. Não deixa de ser exacto: o sobre-endividamento incomoda, não se pode continuar mais esta cavalaria, vai ser necessário reembolsar a dívida. São por conseguinte as jovens gerações actuais que vão pagar a factura.

 

Vivemos acima dos nossos meios, e são os nossos  filhos  que vão pagar.
Assim por conseguinte, as jovens gerações têm efectivamente toda a razão para se  manifestar. Contra a reforma do regime de pensões  de reforma,  mas, sobretudo, muito para além disto: exprimem o seu mal geral. Têm o sentimento de se defrontarem  com uma sociedade bloqueada que os rejeita . Vivem “um pequeno Maio de 68”: em 1968, o bloqueio era empresarial, os seus modos de vida não encontravam o seu lugar na ordem moral antiga; hoje, o bloqueio é económico, os jovens não encontram o seu lugar no mercado de trabalho e não obtêm de modo equitativo a sua parte do valor acrescentado.

 

Os jovens têm razão. Depois dos trinta anos, perante a crise, são a variável de ajustamento de uma sociedade de insiders que protege os seus direitos adquiridos  em detrimento dos novos chegados ao mercado. E isto é verdade para  todas as grandes políticas públicas: educação, emprego, alojamento, política social, política fiscal, dívida pública- as  injustiças concentram-se de maneira geracional.

 

Resultado: o jovem é a nova figura da pobreza na nossa sociedade contemporânea. Vivemos na representação colectiva que os pobres na nossa sociedade, são os reformados. Era verdadeiro há quarenta anos. Com a subida em força do nosso sistema de pensões de reforma, isto já não é mais, muito felizmente, a situação que se verifica. Mas uma outra figura os veio substituir: os pobres, são agora, os jovens activos. A taxa de pobreza é de 18% para os jovens com menos de 30 anos, 20% nas raparigas jovens (contra 8% nos que têm  mais de 60 anos). Um jovem activo sobre cinco vive abaixo do limiar de pobreza!

 

A nossa sociedade está  consciente do destino que inflige aos seus filhos. Comove-se. As famílias apoiam os seus filhos em dificuldade. As transferências familiares são maciças: quase 80 mil milhões por ano são redistribuídos no seio das famílias dos avós para ajudar os filhos, os netos. Alguns fingem ver nissto o sinal positivo da qualidade das solidariedades familiares; mas estas transferências  marcam sobretudo  a falta dos investimentos  colectivos.

 

É necessário uma revolução copernicana das políticas públicas. Com prioridade, uma política de investimento social nas gerações futuras: nos mais pequenos, na educação, na universidade, na política activa de primeiro emprego, na fiscalidade e na política social para jovens … Investir no nosso capital humano é um imperativo humanista mais ainda que um  imperativo económico.

 

O governo e o povo conservador consideram que os jovens não têm o seu lugar na rua. Que os partidos de oposição são irresponsáveis ao apoiá-los a manifestarem-se. Mas seremos todos nós, os adultos, que seremos os  irresponsáveis se não os ouvirmos. Porque uma sociedade que, como Cronos, devora os seus filhos  é uma sociedade que se está a suicidar.

Olivier Ferrand,Presidente de Terra Nova,  POURQUOI LES JEUNES

ONT RAISON DE MANIFESTER, 26 de Outubro de 2010. 

publicado por Luis Moreira às 20:00
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