Tempos de crise ou tempos de geração parva?
Júlio Marques Mota
Dizem-nos agora que estamos perante uma geração parva! Naturalmente, se agora são parvos então fomos nós que os ensinámos, e como não se nasce parvo, faz-se parvo, então se o são, são pois o produto do nosso trabalho. Se assim é, foi então isso o que a sociedade fez deles, se assim é, foi portanto o que toda uma máquina de ensino e treze a dezasseis anos de escola deles fizeram, mas se assim é, tanto dinheiro gasto e tanta gente ocupada para produzir parvos, então é porque há muitos mais parvos, todos aqueles que conscientemente isto fizeram. Felizmente a juventude não é assim, nem nunca poderia ser e são precisos muitos anos para fazer de um jovem um parvo, convenhamos.
Estamos perante gerações sujeitas a terríveis situações de precariedade, isso sim, impostas por uma sociedade que não foram eles que a fizeram, determinados por um modelo económico e social que não foram eles que o conceberam, manietados por um sistema político onde não são eles que a política determinam, silenciados por uma imprensa que é incapaz de denunciar as condições contratuais que a muita gente obrigam a aceitar, violentados pela ausência de condições para um futuro poderem criar e que era nossa obrigação dever-lhes dar. Depois disso, os mecanismos de concorrência e de desregulação que desprotege cada um de nós impõe a quem procura emprego o salve-se quem puder. Por aí, diremos que o sistema neoliberal, definido aqui como um conjunto de discursos, de práticas e de dispositivos que determinam um novo modo de governação dos homens sob o princípio agora mundial da concorrência exacerbada, aponta uma a duas armas a cada um destes precários, sejam jovens ou não, porque a precariedade a todos atinge: uma ao coração procurando impedi-los de sentir, impondo-lhes o salve-se quem puder, e uma outra dirigida à razão, procurando impor condições para que estes sejam impedidos de alguma vez virem a ser capazes de verdadeiramente pensar e, por aí, a tudo se poderem depois sujeitar. Os exemplos disponíveis no mercado de trabalho são disso um claro exemplo, não os queiramos ignorar.
Com a reforma do ensino superior promovida por este governo, mas podia ser outro que o resultado seria o mesmo, com a reforma dita de Bolonha tudo isto me parece evidente. E disso o Professor Ferreira Machado Director da Faculdade de Economia da Universidade de Lisboa deu um bom exemplo na televisão ao considerar que um curso superior são apenas formações genéricas, competências genéricas e que o problema do desemprego está nas mãos de cada um de nós e não nas de qualquer um outro, afirmando ainda que há escolas e cursos onde a questão do emprego e da precariedade também não se levanta. Sem querer aqui fazer polémica com o senhor Professor, a ele que esteve na América, sugiro-lhe que antes de afirmar o que afirmou poderia ler a obra de Robert Reich, que foi ministro do Trabalho de Clinton, e que na linha desta obra e deste autor de renome mundial se esqueça do que entretanto aprendeu com Margareth Thatcher, porque nos tempos de crise que correm, dizer que o desemprego é problema de cada um e não da comunidade onde se está inserido, não abona, garantidamente, a favor de nenhuma Faculdade onde se ensine a ver a sociedade desta perspectiva, a dele, a deste senhor Professor. É evidente que a partir de agora, dos cursos de generalidades que com Mariano Gago se implantaram e com ele também se certificaram iremos ter um problema adicional com os novos licenciados a chegar agora ao mercado de trabalho, um problema ainda muito maior, as consequências da formação pelas Universidades de não empregáveis sequer. E este problema não pode ser escondida na multiplicidade de formações adicionais em que alunos, famílias e Universidades se vão desgastar em tempo, em dinheiro, em recursos, problema cuja dimensão poder atingir então a dimensão de catástrofe. E urgente a resposta antecipada a este problema antes de ele sequer se vir a tornar explosivo, dado que está apenas na sua infância, é urgente contrariar definitivamente o problema do ensino superior como ensino de generalidades e conferir-lhe as competências, os skills, os saberes, os conhecimentos, os méritos, que lhes devem estar associados. Restitua-se à Universidade a sua missão.
Mas nada disto se resolve a chamar parva à geração que criámos. Depois de todas estas nossas falhas, das nossas incapacidades, das nossas faltas de exigência como moeda de troca da nossa comodidade, para além das que deles são próprias, chamar-lhes parvos, é mesmo muita parvoíce junta . Se alguém merece esse adjectivo e ao quadrado somos todos nós que deixámos criar uma sociedade bloqueada e a seguir acusamos aqueles que directamente dela são vítimas do que também não são: de parvos . Parvos ao quadrado seremos então todos nós que directa ou indirectamente elegemos os governos que nos levaram a esta situação, criaram o sistema de valores que a justifica, que a sustenta, que a mantém, que deles, precários extremos, faz a variável central de ajustamento à volatilidade imposta pela globalização à economia real e deixemo-nos de ilusões, de malabarismos, simplesmente.
O momento é difícil, exigem-se grelhas de leitura para esta triste realidade , é o que procuraremos fazer nestes próximos dias no Estrolábio , e isto é também o mínimo a fazer por uma geração que dadas as nossas muitas falhas havidas para com eles, os devemos obrigatoriamente procurar ajudar e taambém, perante eles, muita humildade apresentar.
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