Quinta-feira, 3 de Março de 2011

Pequena dissertação sobre a aldrabice – por Carlos Loures

 

 

 

 

 

 

 

 

Entre os trabalhos que penso vir a escrever, está um a que chamarei talvez A Síndrome de Münchenhausen - Pequena dissertação sobre a aldrabice.

 

 

Karl Friedrich Hieronymus, barão de Münchenhausen -  (Gut Bodenwerder, Hanôver 1720-ib.1797), foi um militar alemão do século XVIII que combateu contra os turcos e que, após uma vida aventurosa, se retirou para as suas propriedades. Grande conversador e contador de histórias, exagerava as suas proezas transformando-as em narrativas fantásticas e maravilhosas – o seu “Vade-Mécum para Alegres Companheiros”, repositório de deliciosas fanfarronadas, transformaram-no numa figura lendária. Karl Hieronymus

figura em lugar de honra na minha galeria de heróis. Vemos  acima um trailer de um do filmes realizados sobre as aventuras do barão, ou melhor, sobre as aventuras que o barão disse ter vivido -The Adventures of Baron Munchausen: As Aventuras do Barão Munchausen ou A Fantástica Aventura do Barão) é um filme de 1989 realizado por Terry Gilliam.

 

 

 A ciência médica deu o seu nome a uma patologia, a síndrome de Münchenhausen, que caracteriza a necessidade de exagerar, de efabular, de, numa palavra, aldrabar. E, não sei porquê, os mentirosos, sobretudo os pequenos, sempre me fascinaram. E isto não significa que seja mais crédulo do que a maioria das pessoas. Daí a paciência e até o deleite com que escuto as aldrabices. Quanto mais extraordinárias, melhor.

 

Há uma série de aforismos injustos sobre os mentirosos. O mais usado é “mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo” – Está bem, está - vá o aldrúbias de TGV e o coxo de trotineta e sempre quero ver quem é que se apanha primeiro. E frases de escritores sobre os mentirosos: o Stephen King disse que “O infiel é tão perigoso como o mentiroso” – Ó Stephen, depende – se estivermos a falar de uma pequena infidelidade conjugal, comparada com o perigo de um mentiroso chegar a primeiro-ministro… Um rabi disse coisa parecida – “O indivíduo infiel é tão perigoso como o mentiroso. Ambos são fracos, ingratos e constroem castelos sem alicerces». Esta por acaso é verdade – conheço um mestre de obras aldrabão e que usa aquele método de não meter armadura nos pilares. Umas pontas de ferro que vai puxando enquanto o cimento está fresco e que dão a quem vê (fiscais, engenheiros civis, etc)

a ilusão de que os pilares vão ficar sólidos – não constrói castelos, mas moradias. Uma desabou e o engenheiro que assinou o projecto é que se tramou.

 

“As mentiras mais detestáveis são as que mais se aproximam da verdade", disse o André Gide. Eu não acho – uma boa mentira tem de parecer mais verdadeira do que a verdade. Uma boa mentira, a bem dizer, é uma obra de arte. Sobre o assunto, a reflexão do Vergílio Ferreira dá que pensar – “Quando se apanha um mentiroso, ele pode perguntar-nos - e o que é verdade? E o mais provável é termos de o deixar seguir”. De facto, o que é a verdade? Luigi Pirandello explica tudo no título de uma famosa peça – “Para cada um sua verdade” – o que remete a fronteira entre a verdade e mentira para uma região crepuscular. E Almeida Garrett acrescenta mais uma possibilidade – “Falar verdade a mentir”, o que, de certo modo, é o inverso do aforismo “com a verdade me enganas”, que é como quem diz “mentir dizendo a verdade”.

 

Depois vêm os moralistas, como Sófocles - "A mentira nunca sobrevive até chegar a uma idade avançada",  O mentiroso é sempre pródigo de juramentos. ( Pierre Corneille ) ou“As mentiras mais detestáveis são as que mais se aproximam da verdade", disse o André Gide. Eu não acho – uma boa mentira tem de parecer mais verdadeira do que a verdade. Uma boa mentira, a bem dizer, é uma obra de arte. Também alguém disse que "a  mentira mais não é do que uma forma sofisticada da verdade" (retorcido, mas interessante). E as sem graça - "A mentira é como a bola de neve; quanto mais rola, tanto mais aumenta". ( Martinho Lutero ) , Uma garrafa de vinho meio vazia também está meio cheia, mas uma meia mentira não será nunca uma meia verdade. ( Jean Cocteau ou outra ainda pior - "Nenhum mentiroso tem uma memória suficientemente boa para ser um mentiroso de êxito", disse o Abraham Lincoln, o que é um rematado disparate - o que seria dos Estados Unidos sem a aldrabice?  E depois há a afirmação do Joseph Goebbels: “Uma mentira muitas vezes repetida, torna-se verdade". E esta alquimia verbal, transformando em ouro uma liga bastarda, foi a pedra angular de holocaustos e de inomináveis atentados contra a humanidade é mais inteligente do que a de Lincoln, mas também não tem graça. As mentiras dos políticos nunca têm graça. Mas quem pode vencer na política não sendo mentiroso?

 

Uma quase tão profunda como a do Vergílio Ferreira é a de Robert Louis Stevenson:As mentiras mais cruéis são ditas em silêncio. Graça tem a do Mark Twain - "Uma das notáveis diferenças entre o gato e a mentira é ter o gato apenas nove vidas" Enfim, podíamos estar aqui horas a desfiar frases sobre a  mentira.

 

 Um dia trarei aqui a memóri de alguns mentirosos que conheci. E foram muitos.

publicado por Carlos Loures às 11:40

editado por Luis Moreira às 11:41
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4 comentários:
De CRomualdo a 3 de Março de 2011
o tema também me interessa, serei uma leitora atenta dessa "dissertação sobre a aldrabice". Se é verdade que estás a pensar escrevê-la ;-)
De Carlos Loures a 3 de Março de 2011
Sim é verdade. Tenho conhecido mentirosos fantásticos. Os vendedores de enciclopédias, tal como os políticos, são profissionais da aldrabice - dizem maravilhas de obras em vinte grossos volumes das quais não leram uma linha. Só o meu contacto com esses craques dá pano para mangas. Um colega da RTP que, durante os almoços, ia dando dados biográficos - x anos na marinha mercante, x anos no Congo Brazzaville como director de uma empresa mineira, curso do ISCEF, serviço militar... Um outro colega foi tomando nota e um dia em que o currículo ia ser acrescentado, avisou - Ó Vítor, pelas minhas contas, estás quase a fazer 110 anos! Ele só tinha 27 ou 28. E muitas mais.
De CRomualdo a 3 de Março de 2011
chegado a esse ponto, já não é um mentiroso, é um ficcionista em potência
De Carlos Loures a 3 de Março de 2011
Não. A última vez que o vi, continuava a aldrabar. Bom tipo, por sinal. Estive a ver uma fotografia, onde está ele, o colega que fez as contas, um outro que casava nesse dia com a mulher de quem se divorciara e um outro (primo de um artista plástico famosíssimo) - de copos estendidos - na pose dos mosqueteiros.

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