Quinta-feira, 3 de Março de 2011

873.000 precários na função pública - França

Enviado por Júlio Marques Mota

 

Nota

 

Assistimos a uma espécie de limpeza quanto ás responsabilidades a assumir perante à  terrível situação das gerações actuais em situação  de precariedade , colocando agora, inclusive,  nas costas de cada jovem a responsabilidade de não encontrar emprego, limpeza esta levada a cabo pelos media, pelas instâncias universitárias, como o Director da Faculdade de Economia da Universidade Nova, por exemplo, ou pelos  jornalistas que apelidam a juventude de geração parva. Muito haveria a dizer sobre o tema. Como primeiro de uma série de textos que colocaremos aos olhos atentes dos leitores de  Estrolábio, aqui mostrámos como é que a imprensa francesa, neste caso o Le Monde, trata o mesmo tema.

Denunciámos com testemunhos de alunos à procura de emprego a selva em  que o mercado de trabalho se transformou, com o silêncio de muita gente e a responsabilidade de muita mais. O neoliberalismo está de facto para durar e as  nossas elites mostram que não sabem pensar  para além desse mesmo modelo  e, se assim é, a juventude face à crise actual  terá a obrigação de perguntar quem é que afinal está a ser parvo..

 

Júlio Mota

 

 

 

Em França, a precariedade é um mal endémico na função pública. Os dois  precedentes planos de regularização - o de 1996 e depois o plano  de 2000 - que tinham  permitido integrar entre 60.000 e 100.000, acabaram, finalmente por não ter mudado nada .
Em 2008, estes são  873 000 postos da administração do Estado, hospitais e as autarquias que eram ocupados por pessoas com contratos precários, ou seja, um pouco  mais de 16,5% dos efectivos  na função pública, num total de  5.200.000 agentes. Há dez anos, o seu número ascendia a 664.000. O fenómeno por conseguinte não deixou de ter estado sucessivamente a aumentar.

 

Questionado aquando  de uma emissão televisiva  em Janeiro de 2010, o  presidente da República, Nicolas Sarkozy, tinha-se comprometido a apresentar  propostas para tentar enfrentar  esta situação.
Um ano depois, as negociações  encetadas entre o ministro do orçamento, François Baroin, o secretário de Estado da  pública, Georges Tron, e as organizações sindicais deveriam dar-se por concluídas  entre o 23 de Fevereiro e o dia 7 de Março. O governo tenciona apresentar um projecto de lei na Primavera. De acordo com os sindicatos, para estes o seu objectivo é o de alargar as condições de acesso à integração dos pessoais não titulares e sobretudo, a montante, de limitar este tipo de contratos precários.
Mas, do lado dos empregadores públicos, o recurso aos contratos precários não é não somente uma solução de facilidade para “contornar” o estatuto da função pública ou de  paliativo à  escassez de candidatos sobre postos definidos. A fórmula é assim muito frequentemente  utilizada para empregos específicos que não estão ocupados  de acordo com a fileira clássica do recrutamento por concurso.

 

UMA VERDADEIRA “CALAMIDADE”

 

Os assistentes de educação, os professores e os investigadores substitutos fornecem assim o essencial dos não titulares da educação nacional. Para além dos membros dos gabinetes dos executivos locais, as autarquias locais empregam igualmente de modo  maciço. São nomeadamente assistentes de apoio às situações de maternidade,  pessoal de restauração,  animadores desportivos e culturais.
O governo teria desejado instituir contratos de projectos para missões de  duração definida, como nos sectores privados da cultura ou da informática. Mas defrontou-se com o veto dos sindicatos, que temem a generalização de uma prática que, de acordo com eles, faria apenas agravar “a calamidade” da precariedade.

 

 

A lei de 26 de Julho de 2005 criou, é certo,  contratos de  duração indeterminada (CDI), um estatuto atribuído aos agentes dos empregos qualificados de categoria A que acumularam  seis anos de contrato de duração determinada (CDD). Mas, na  ausência de dados precisos, esta fórmula, que o governo teria desejado estender aos empregos intermédios - de categoria B, ou mesmo de categoria C - continua a ser muito limitada. Referir-se-ia apenas de 20.000 a  30.000 agentes.
No  preâmbulo à negociação com os sindicatos, o responsável pelo governo precisou  que os postos permanentes deviam ser ocupados  por funcionários recrutados como tais na sequência dos concursos. Mas também precisou logo de partida nas negociações  os limites de um novo plano de integração. A discussão tem  por conseguinte incidido sobre a abertura de exames específicos à titularização até em 2015 para os agentes em situação de CDI ou de CDD que estão  nesta situação desde pelo menos há três ou cinco anos.

 

Para limitar o recurso aos contratos precários, os sindicatos desejam “ medidas vinculativas, ou mesmo sanções ", explica Jean-Marc Canon, secretário da União geral das federações de funcionários, afecto à  CGT. Mais cuidadoso, o governo propõe-se “enquadrar” esta prática, nomeadamente, por  querer definir  mais precisamente as suas condições de utilização.
Por fim,   as  disposições sociais mais favoráveis seriam atribuídas aquando das rupturas de contrato. Ao contrário do sector  privado, a função pública, que não contribui para o regime de seguro de desemprego  não atribui com efeito nenhum prémio de indemnização no final do contrato.

 

Mesmo se reconhecem alguns progressos, os sindicatos continuam a terem muitas dúvidas. O governo recusa comprometer-se sobre um número mesmo que por aproximação,  quanto às integrações e “regularizações”. O exercício seriam, e é verdade,  evidentemente paradoxal depois do anúncio da supressão de mais  de 100.000 empregos pela não substituição de um funcionário sobre dois que partem para a reforma.

 

Michel Delberghe, 873000 précaires dans la fonction publique, Le Monde, 22 d

e Fevereiro de 2011

publicado por Luis Moreira às 20:00
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