No fascismo não era necessário pensar, pensavam por nós, por isso era proibido pensar.
Há um dia ou dois ao falar com um dos meus colegas de trabalho sobre a carta aberta ao Ministro Mariano Gago, lembrei-me de uma conversa, há muitos anos havida, com o meu antigo professor, José Baptista Martins, a quem publicamente presto homenagem. Disse-me ele que em tempos de rapaz novo fazia com outros jovens uma espécie de think thank, junto do Engenheiro Araújo Correia que foi durante muitos o Presidente da Caixa Geral dos Depósitos e homem de extrema confiança de Salazar. E a esse propósito conta-me uma história que vale esta adenda: os americanos queriam Portugal inserido no Plano Marshall. Quem terá iniciado as negociações foi exactamente o engenheiro Araújo Correia. E o que os americanos estariam dispostos a financiar não era nada mais nada menos que a barragem do Alqueva e a regularização do rio Tejo em que ainda hoje falta muito para a concluir e de que a propósito dela se fala na carta quando nos referimos às águas sujas em Vila Franca de Xira. Salazar “heroicamente” recusou a ajuda, pois não precisávamos, podíamos viver “orgulhosamente sós”!
Ainda nesta linha, mais tarde estou com um dos herdeiros do Engenheiro Araújo Correia, meu amigo e colega de curso, João Augusto Domingos, e é-me dado a ver um documento fabuloso: o projecto de financiamento para o Bairro de Encarnação, creio, que foi apresentado ao primeiro ministro António Oliveira Salazar. Neste documento, duas coisas a ressaltar: a primeira, as contas do projecto eram verificados por Salazar, nas margens do documento, ao nível do tostão e a lápis. O nosso “homem de Estado” tinha do futuro a dimensão do centavo mesmo, uma dimensão curtíssima, reduzidíssima, portanto, e foi bem isso que se viu; e a segunda característica do documento, referia-se a uma nota digna de facto do fascismo. Dizia-se nesse texto mais ou menos isto, que me foi relatado nessa altura: as casas do bairro de Encarnação eram concebidas para que os locatários não tivessem sequer que se questionar, o locatário e o local não eram feitos para pensar, isso cabia a outros. Fiquei com a ideia que este texto escrito terá sido escrito pelo próprio Araújo Correia.
Desta nota ressalta a ideia que o espólio da biblioteca de Araújo Correia , hoje na mão da família Domingos, de Castelo Branco, família de raiz profundamente democrática, alberga muita informação que ao país conviria saber e que muitos jovens precisam mesmo de aprender para que assim aquela realidade nunca, mas nunca mesmo se permita esquecer. Fascismo, nunca mais. E, seria bom que homens apaixonados pela História e competentes na sua análise estivessem disponíveis para trazer à luz do dia muito desses factos ocorridos e que assim com a sua interpretação quebrassem a capa que a poeira do tempo lhes teceu. Estou-me a lembrar, por exemplo e só a título de exemplo, de João Ferreira do Amaral ou de uma equipa que ele pudesse dirigir e se a família proprietária assim o consentir. Mas disto, eu não duvido, é este o meu sentir.
Já depois do texto escrito contactei a família Domingos. Um dos herdeiros leu-me o texto acima referido pelo que me foi dito nos termos citados, nessa altura, e estamos a trinta anos de distância, onde se pode ler, o que passo a transcrever : “O novo plano de habitação tem que obedecer a condições de solidez, isolamento e distribuição de quartos que a tornem de fácil uso, higiénicas e de quase automática utilização. O novo habitante deve ser orientado pela casa, na disposição dos seus móveis, ser-lhe-á por assim dizer imposto o modo de ali viver, os lugares onde é colocada a cama, onde é lavada a roupa, a posição da mesa de comer, o espaço do quintal, onde crescerão as flores, o sítio mais propício para as crianças poderem brincar, e mesmo o lugar mais próprio para galinheiros, plantação de árvores ornamentais ou de fruto. Tudo se resume numa simples frase: ao novo habitante será poupado o esforço de pensar sobre o lugar ou lugares em que vai desenvolver a sua actividade doméstica.
A colaboração de boas donas de casa no arranjo do plano interno será provavelmente útil a todos os concorrentes” (arquitectos a concorrer com os seus projectos. Nessa sequência fui eu próprio informado de que a família com muito gosto porá a Biblioteca do Engenheiro Araújo Correia à disposição do Professor João Ferreira do Amaral.
Da minha parte, leitores no Estrolabio, é tudo.
Júlio Marques Mota
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