Já aqui tenho manifestado o meu desacordo quanto a preconceitos que dividem a literatura em maior e menor. Não conheço géneros menores. Existem, sim, escritores menores. E, mesmo assim, é uma audácia da crítica classificá-los. Muitos são os exemplos de escritores que passaram despercebidos a críticos e a públicos coevos e eclodiram gerações mais tarde.
Não foi o caso de Manuel Vázquez Montalbán (1939-2003), que foi um escritor de grande sucesso, embora haja quem considere frívola a sua escrita e fúteis os seus temas. Não estou de acordo – Vázquez Montalbán tinha um público e escrevia para esse público. Afinal como Shakespeare fez. Se o não ter sucesso em vida não significa que um escritor não mereça a atenção dos vindouros, o ter êxito em vida também não significa que a obra seja feita de transigências aos contemporâneos e perca o significado no futuro. Há exemplos que levam a água a todos os moinhos.
Manuel Vázquez Montalbán morreu há sete anos em Banguecoque, cidade onde situou uma das aventuras do seu Pepe Carvalho. Os Pássaros de Banguecoque (1988). Catalão e filho de galegos, escreveu em castelhano, tal como muitos outros escritores catalães. Esta a sua maior transigência para com a contemporaneidade – escolher entre um idioma falado por dez milhões de pessoas e outro que conta trezentos milhões de falantes.
Segundo o escritor catalão Juan Marsé., autor de O Feitiço de Xangai, Manolo “movimentava-se com toda a facilidade dentro da salada em que então vivíamos, e não se negava a nenhuma das tentações: o futebol, a cozinha, a política». «Tudo o que fazia fazia-o bem, e rapidamente", acrescenta Joan Manuel Serrat, sobre o qual Vázquez Montalbán escreveu um livro.
Como disse, há quem considere frívola a escrita e fútil a escolha dos temas. Acho que era um homem que não fazia a distinção entre temas sérios e temas frívolos. O futebol, olhado com olhos intemporais é um desporto, um espectáculo ridículo – vinte e dois homens correndo atrás de uma bola… Não é preciso recorrer ao futuro – os norte-americanos, de uma forma geral, consideram o soccer um desporto efeminado e sem sentido. Mas adoram o seu football duro, que à maioria dos europeus se afigura coisa brutal, sem arte, indigna de se chamar futebol. Um americano chamar soccer ao nosso desporto-rei, pode valer-lhe uma carga de trabalhos e algumas equimoses num pub de Londres ou de Liverpool.
Vázquez Montalbán adorava o futebol e o seu Barça. E, usando a florbeliana expressão, dizia-o, escrevendo, a toda a gente. Como dizia há dias Francisco Arroyo na sua crónica do El País, citando uma metáfora futebolística de Antonio Franco: «soube levar à primeira divisão três géneros que competiam na terceira – o romance negro, o jornalismo desportivo e o humor». Conheço mal a sua faceta de jornalista desportivo – apenas os seus romances em que o futebol tinha papel central – La soledad del manager (1977) e El delantero centro fue asesinado al atardecer (1988).
A estas três reabilitações, juntaria uma quarta – a da culinária. Lembremos Las recetas de Carvalho, 1989, onde são recolhidas as receitas que Pepe Carvalho vai ditando à sua namorada Charo ou a Biscuter, seu empregado multiusos – de criado a sentencioso Watson - ao longo das suas aventuras. O humor é uma constante na sua obra, surgindo mesmo nos momentos mais dramáticos. Lembro apenas o hábito de Pepe Carvalho queimar os livros de que não gosta – maneira subtil de criticar (a codícia dos grandes grupos editoriais já deve ter pensado em listar as obras que arderam na lareira de Pepe. E o romance negro?
O romance negro, tal como o definiu Raymond Chandler em The simple art of murder (1945) é o romance dos profissionais do crime. Romance negro porquê? – porque os primeiros romances do género foram publicados na revista Black Mask e em França numa colecção Série noire (ainda um dia hei-de aqui falar do Gato Preto, uma revista, ou melhor, uma “antologia de mistério e fantasia”, que se publicou em Lisboa, entre Janeiro e Junho de 1952, que publicou contos muito curiosos, entre eles a célebre “Invasão dos Marcianos” de H.G. Wells. H. Koch e Orson Welles). Romance negro, também, pelos ambientes em que as histórias decorrem.
Descobrir quem é o assassino, coisa que Agatha Christie (para não falar em Conan Doyle) guardavam para as últimas linhas da derradeira página, é coisa que não preocupa os autores deste género – o assassino é no romance negro irrelevante – o que interessa é o microcosmos em que o crime ocorre e as razões por que é cometido. Nos romances de Vázquez Montalbán, tal como em dois dos seus mestres Raymond Chandler e Dashiel Hammett, as personagens, a começar por Pepe Carvalho, não são vencedores, é gente derrotada, decadente, que se habituou a conviver com uma realidade negra.
Nos diversos cenários dos 25 romances que têm Pepe Carvalho como figura central, Barcelona ocupa um lugar privilegiado – é a cidade de Vázquez Montalbán, que ele conhece palmo a palmo, dos ambientes burgueses e dos meios intelectuais, aos meios mais pobres e aos locais mais sórdidos. Pepe Carvalho, um detective que o autor constrói com a sua própria experiência. Criador e criatura confundem-se. Pepe Carvalho foi o herói que Vázquez Montalbán não gostaria de ter sido.
Ouçamos uma entrevista que o cantor, compositor e poeta valenciano Raimon lhe fez em 1991 e que nos mostra uma faceta pouco conhecida (pelo menos em Portugal) da sua produção literária - a da poesia. Embora falando catalão, Raimon e Manuel, percebe-se bem o que dizem. Afinal, o catalão é uma das línguas de trabalho do Estrolabio:
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