Terça-feira, 22 de Fevereiro de 2011

TODOS IGUAIS; TODOS DIFERENTES - por Carlos Leça da Veiga

 

Sob os títulos “entre sexo e género” e “sexo e coisas do género”, o Dr.Juiz P. Vaz Patto e o Dr. Deputado J. Soeiro, respectivamente, emitiram, um após outro, as suas conclusões sobre como entendem deverá ser o futuro do conteúdo do Artigo 13º da Constituição da República Portuguesa e, com toda a propriedade, apresentaram as suas perspectivas com a dispensa, por cada qual, das argumentações pensadas mais convenientes. Sexo e género, na aparência das coisas, para os autores comentados, serão matéria com importância extrema na reformulação, ou não, do Artigo 13º da Constituição da República Portuguesa. 

 

Se não dou o meu acordo a qualquer das modalidades propostas para incluir na revisão prevista do texto fundamental, também, como é óbvio, não perfilho qualquer das suas fundamentações porém, isso não fará dispensar-me de proceder-lhes a um pequeno comentário que, por completo – como irá ver-se – fica á margem das especulações em disputa naqueles textos jornalísticos.

 

As redacções desejadas, por qualquer dos dois articulistas, para uma versão renovada do tal Artigo constitucional, bem vistas as coisas – é minha opinião – só têm a intenção de, qualquer delas, conseguir ferir um dos lados da barricada, em que o maniqueísmo antevisto, sem consequência substantiva, gasta o seu tempo e fá-lo, isso é grave, sem cuidar de quanto, à maioria da população, mais interessará. A portuguesa, à semelhança doutras, em tempo devido, saber-lho-á recordar.

 

Já vem de trás que este Artigo 13º serviu – e de que maneira – para satisfação da necessidades de afirmação dos Constituintes de 1975 cujas devoções acendradas à causa da Democracia, a todo o instante – não fosse alguém desconfiar – tinham de ser amplamente exibidas – senão fingidas – e, sobretudo, gritadas a plenos pulmões.

 

O Artigo constitucional, em causa, tudo diria – e a ninguém feriria – se, como devia ser, só expressasse o que consta no seu número 1.”Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”. Com a enunciação simples deste princípio que, recorde-se, foi fundador da contemporaneidade histórica ocidental, estava tudo dito e, quem quer que fosse, em quaisquer circunstâncias, ficava imediatamente bloqueado para poder abalançar-se na introdução de interpretações duvidosas ou de distorções desfavoráveis à Democracia. Para quê, então, a lista imensa de particularidades cujo realce não só é desnecessário como, por igual, chega ao ponto de ser atentatório da consideração mais devida ao espírito e à capacidade de julgar de qualquer Cidadão, magistrado ou não. E, sabe-se lá – a imaginação é fértil – não haveria, ainda, quaisquer outras particularidades a deverem mencionar-se? De revisão, em revisão, onde iremos parar! 

 

Todos iguais; todos diferentes, era um bom aviso para um excelente remate final daquele Artigo constitucional e, dessa maneira, ficava tudo dito e, de tal modo dito, que não haveria hipóteses de abrirem-se feridas sem sentido. A Democracia não foi feita para desfrutar-se o prazer mórbido de, sem sentido sócio-cultural positivo, achincalhar minorias. Alguém acreditará que na ausência da liturgia expressa no número 2, do Artigo 13ª, seriam possíveis atentados à igualdade perante a lei?

 

Se, para os articulistas, as suas preocupações com a igualdade perante a lei dos seus concidadãos é assunto muito exigente, então, que razão não os fez darem prioridade ao que, de facto, é um puro atentado à dignidade e à igualdade humanas. Com efeito, os tais Constituintes de 1975, perante uma população privada, há muito, duma preparação cultural bem avisada, aproveitaram o ensejo jacobino da falácia transportada naquele número 2, do Artigo 13º, para, inclusive, não contentes, debitar asneira. E que asneira!

 

Em 1974/75, já tinham passado vinte e quatro anos sobre a Declaração da UNESCO, de 1950, que afirmou, já não poder aceitar-se, em definitivo, a existência de raças humanas. Foi uma deliberação histórica, eminentemente humanística e verdadeiramente democrática que, tempos depois, em 1953, com a descoberta científica da estrutura do ADN, ficava completamente consolidada, sem apelo nem agravo, fosse qual fosse o plano vislumbrável pelas mais reprováveis intencionalidades.

 

Em Portugal, em 1975, quando já começavam a dar-se passos acertados no sentido da Libertação das colónias e, sobretudo, a aprender a tratar como iguais os demais seres humanos, os nossos ditos Constituintes – pobres cabeças – ainda imaginavam haver raças humanas e lá foram defendê-las no texto fundamental. Como quem faz peito, não só quiseram dar mostra do seu zelo igualitário como, com suposta diligência, ao mencioná-las na Constituição, conjecturaram, por isso mesmo – homens valentes – deixá-las a salvo dum qualquer predador. É estranho que qualquer dos articulistas, agora em apreciação, tão manifestamente preocupados com particulares de peso muito diminuto no todo da sociedade portuguesa, nada tenha a opor à aceitação, para mais num texto constitucional, de referências a raças humanas e, em concreto, por escrito, a deixar entendido, de facto, a sua existência.

 

Se quanto ao Artigo 13º nada mais devo acrescentar já, em relação a uma das argumentações publicadas, entendo dever fazer-lhe uma referência mas, atente-se, coisa de pouca monta.

 

O Dr. Deputado Soeiro não foi nada elegante quando começou a referir-se ao posicionamento do Dr. Juiz Vaz Patto com a recordação – nada a propósito – duma sua derrota no referendo nacional sobre o abortamento e, também, já no final do seu artigo de opinião, deixou mais que entendido que, o que está em causa, é a agenda conservadora – logo o Dr. Juiz V. Patto – não respeitar as pessoas. Com esta maneira de exprimir as suas opiniões, o tal respeito que o Dr. Deputado afirma estar “em causa”, com toda a facilidade, vai morrer-lhe às mãos. Será o fruto dalguma “tentação totalitária” que, muitos anos passados, a modos de resquício histórico, prossegue nalguns sectores de intervenção? Se esse circunstancialismo indesejável for somado com algumas opções políticas de grande fôlego, surgidas sem nexo suficientemente perceptível, então, não será disparatado poder admitir-se que a chamada revisão constitucional – mais chuva no molhado – por evento, mas a avaliar pelo andar da carruagem, pudera ser, então, o início do estertorar final.    

 

 

 

publicado por Carlos Loures às 20:00
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4 comentários:
De augusta clara a 22 de Fevereiro de 2011
Estou inteiramente de acordo contigo, Leça, quanto à que tal frase que poria fim a todas as descriminações, de uma penada, sem deixar de fora nenhuma hipótese. Mas os nossos legisladores fazem questão de nos enredar em complicadas teias de que dificilmente conseguimos desembaraçar-nos quando nos deparamos com uma contenda que, muitas vezes, poderia ter solução bem mais fácil. E porque nunca devo ter lido na íntegra o texto constitucional, não tinha dado pela referência à existência de raças humanas o que, como diria o outro "é de bradar aos céus". E ninguém tira de lá isso?
De Pedro Godinho a 23 de Fevereiro de 2011
Que falta fazias, para centrar o debate.
De Carlos Loures a 23 de Fevereiro de 2011
A prolongada ausência do Carlos Leça da Veiga traduziu-se num «défice» acentuado. A sensibilidade que nós os três (Leça, Pedro e eu) constituímos ficou debilitada e isso reflectiu-se em alguns debates que ficaram assim empobrecidos. Este texto, pondo em causa coisas nas quais se evita tocar, é a prova de que a iconoclastia do Leça da Veiga nos tem feito falta.
De Luis Moreira a 23 de Fevereiro de 2011
Sem dúvida que o Carlos Leça da Veiga é um excelente autor, com matérias pouco comuns e que enriquecem muito o Estrolabo. Aí vai um abraço

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