Quinta-feira, 24 de Fevereiro de 2011

TARECO (6) - por Fernando Correia da Silva

Nota: TARECO é uma novela em sete capítulos de Fernando Correia da Silva. Tendo publicado o quarto capítulo e dado o êxito obtido, resolvemos, de acordo com o autor, publicar toda a novela. Será sempre neste horário, 19:00 horas, que publicaremos cada capítulo.

 

 

 

 

 

6. O CHIP DA METAFÍSICA

 

 

 

Dias depois da minha exaltação diz-me o Tareco:

 

            - Fernando, estou muito triste.

           - Agora andas a armar ao pingarelho? Triste? Tu lá sabes o que são emoções e sentimentos...

         - Sei pois...

         - Ai sabes? Então, ó lata-velha, como é que tu defines tristeza?

         - Quebra de tensão nos meus circuitos.

         - E isso dá-te muitas vezes? Qual é a causa?

            - A causa não sei ainda qual é mas estou a investigar. Bem sabes que eu sou capaz de olhar para dentro de mim, essa a minha vantagem sobre vós, uma delas. Oxalá eu tenha energia para levar até ao fim a investigação.

         - Por que é que não tomas uma transfusão de energia?

         - Ainda ontem carreguei os meus acumuladores.

         - Oh... isso então é melancolia galopante... Quando é que te deu isso pela primeira vez?

         - Foi na semana passada, depois de ouvir uma conversa da Dolores com o Samurai.

         - Que conversa foi essa?

         - Disseram que eu já estava em condições de começar a ser duplicado, lançamento da produção em série. E eu não suporto que haja outros iguais a mim, eu não não, eu sussu, pótotó...

 

            Apagou-se. Black-out, síncope electrónica.

 

         A Dolores veio logo a correr e quis ligar o rabo do Tareco à tomada, primeiros socorros. Pedi-lhe que não o fizesse. Ficou a olhar para mim, muito desconfiada. Talvez pensasse que a culpa era minha, outra das minhas peças... Mas contei-lhe das angústias existenciais do Tareco, o ódio ao Outro, não suporta que haja zingarelhos iguais a ele. E isto sem nunca ter lido o Sartre... A Dolores pôs-se a pensar. Atribuiu o acidente à inclusão de um novo chip que o próprio Tareco desenhara logo depois da nossa conversa sobre o instinto e o juízo.

 

         - Queres tu dizer, minha filha, que até chispa o chip da metafísica...

         - Ó Pai, se queres, podes chamar-lhe assim, é denominação patusca. Bem, vou levar o Tareco para o laboratório. Fizeste bem em avisar-me.

         - O que é que tu vais fazer ao Tareco?

         - Primeiro retiro o chip da metafísica. Depois...

         - Alto lá com o charuto! Lobotomias no Tareco é coisa que eu não consinto!

         - Preferes que ele fique a desmaiar por aí, por dá-cá-aquela- palha?

            - E não é o que acontece com a gente? Estamos sempre a desmaiar. Aguentamo-nos é nas canelas, a fingir que nada aconteceu, já estamos acostumados. Também o Tareco se há-de acostumar, é dar-lhe tempo.

            - E para que é que nós precisamos de servos electrónicos com angústias metafísicas?

         - E quem te diz a ti que o chip da metafísica não pode servir para coisas práticas, em situação de crise?

         - Estás a insinuar que ele pode ser um complemento da placa da heurística?

         - Troca-me isso em miúdos...

         - Nada, nada, estou só a magicar. Realmente, há duas secções com uma certa semelhança. Acho que o teu palpite é capaz de dar no vinte. Bem, vamos dar-lhe mais tempo e logo se vê...

         - Óptimo, mas fica o problema...

         - Que problema?

         - O da crise de identidade do Tareco.

         - A crise é dele e o culpado és tu com essas tuas conversas. Portanto desenrasquem-se.

 

         E virou costas.

 

            Durante cinco dias o Tareco ficou em carga lenta, teste de quarto em quarto de hora. Ao sair da enfermaria perguntei-lhe se estava melhor do seu dói-dói existencial.

         - Fernando, sabes o que quer dizer tareco?

         - Sei. Quer dizer gato de casa de família.

         -Bichano é que é o equivalente de gato em casa de família. E esse é nome carinhoso, gosto dele. Mas tareco deriva do árabe taraik e quer dizer coisa abandonada. E realmente eu sou uma coisa abandonada.

          - Ó mastronço, trata mas é de reagir, que esse é apenas um nome, nada mais que um nome.

            - Fernando, só tu é que me podes ajudar a ultrapassar a crise.

         - Ao teu dispor, Tareco. Diz lá!

 

       Se ele tivesse pulmões, diria que o ouvi suspirar. Disse-me:

 

         - Tu bem sabes que as primeiras vivências são determinantes na formação das personalidades. Portanto, se não fores tu a educar um outro tareco, outro tareco como eu não haverá. E a circunstância de ser o meu material a matriz para a produção de mais tarecos semelhantes a mim pelos circuitos, mas de mim diferentes pelas vivências... a circunstância promove-me a pai da raça. Coisa aliás muito gratificante para o meu superego em formação. Posso contar contigo? Não treinas outro tareco? Era apenas isso que eu queria combinar contigo.

         - Só isso? Tens a minha palavra, Tareco. Já me vi em palpos de aranha para treinar um, quanto mais dois...

         - Óptimo, já estou mais sossegado! Outra coisa...

         - Mais uma?      

            - A qualquer instante a Dolores e o Samurai podem começar a desmontar-me, o que será equivalente à minha morte física. Mas não me importo. Depois da tua promessa, já não me importo. Tenho cá uma ideia, depois eu conto. Adeus, até amanhã!

publicado por Carlos Loures às 19:00
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