Nota: TARECO é uma novela em sete capítulos de Fernando Correia da Silva. Tendo publicado o quarto capítulo e dado o êxito obtido, resolvemos, de acordo com o autor, publicar toda a novela. Será sempre neste horário, 19:00 horas, que publicaremos cada capítulo.
6. O CHIP DA METAFÍSICA
Dias depois da minha exaltação diz-me o Tareco:
- Fernando, estou muito triste.
- Agora andas a armar ao pingarelho? Triste? Tu lá sabes o que são emoções e sentimentos...
- Sei pois...
- Ai sabes? Então, ó lata-velha, como é que tu defines tristeza?
- Quebra de tensão nos meus circuitos.
- E isso dá-te muitas vezes? Qual é a causa?
- A causa não sei ainda qual é mas estou a investigar. Bem sabes que eu sou capaz de olhar para dentro de mim, essa a minha vantagem sobre vós, uma delas. Oxalá eu tenha energia para levar até ao fim a investigação.
- Por que é que não tomas uma transfusão de energia?
- Ainda ontem carreguei os meus acumuladores.
- Oh... isso então é melancolia galopante... Quando é que te deu isso pela primeira vez?
- Foi na semana passada, depois de ouvir uma conversa da Dolores com o Samurai.
- Que conversa foi essa?
- Disseram que eu já estava em condições de começar a ser duplicado, lançamento da produção em série. E eu não suporto que haja outros iguais a mim, eu não não, eu sussu, pótotó...
Apagou-se. Black-out, síncope electrónica.
A Dolores veio logo a correr e quis ligar o rabo do Tareco à tomada, primeiros socorros. Pedi-lhe que não o fizesse. Ficou a olhar para mim, muito desconfiada. Talvez pensasse que a culpa era minha, outra das minhas peças... Mas contei-lhe das angústias existenciais do Tareco, o ódio ao Outro, não suporta que haja zingarelhos iguais a ele. E isto sem nunca ter lido o Sartre... A Dolores pôs-se a pensar. Atribuiu o acidente à inclusão de um novo chip que o próprio Tareco desenhara logo depois da nossa conversa sobre o instinto e o juízo.
- Queres tu dizer, minha filha, que até chispa o chip da metafísica...
- Ó Pai, se queres, podes chamar-lhe assim, é denominação patusca. Bem, vou levar o Tareco para o laboratório. Fizeste bem em avisar-me.
- O que é que tu vais fazer ao Tareco?
- Primeiro retiro o chip da metafísica. Depois...
- Alto lá com o charuto! Lobotomias no Tareco é coisa que eu não consinto!
- Preferes que ele fique a desmaiar por aí, por dá-cá-aquela- palha?
- E não é o que acontece com a gente? Estamos sempre a desmaiar. Aguentamo-nos é nas canelas, a fingir que nada aconteceu, já estamos acostumados. Também o Tareco se há-de acostumar, é dar-lhe tempo.
- E para que é que nós precisamos de servos electrónicos com angústias metafísicas?
- E quem te diz a ti que o chip da metafísica não pode servir para coisas práticas, em situação de crise?
- Estás a insinuar que ele pode ser um complemento da placa da heurística?
- Troca-me isso em miúdos...
- Nada, nada, estou só a magicar. Realmente, há duas secções com uma certa semelhança. Acho que o teu palpite é capaz de dar no vinte. Bem, vamos dar-lhe mais tempo e logo se vê...
- Óptimo, mas fica o problema...
- Que problema?
- O da crise de identidade do Tareco.
- A crise é dele e o culpado és tu com essas tuas conversas. Portanto desenrasquem-se.
E virou costas.
Durante cinco dias o Tareco ficou em carga lenta, teste de quarto em quarto de hora. Ao sair da enfermaria perguntei-lhe se estava melhor do seu dói-dói existencial.
- Fernando, sabes o que quer dizer tareco?
- Sei. Quer dizer gato de casa de família.
-Bichano é que é o equivalente de gato em casa de família. E esse é nome carinhoso, gosto dele. Mas tareco deriva do árabe taraik e quer dizer coisa abandonada. E realmente eu sou uma coisa abandonada.
- Ó mastronço, trata mas é de reagir, que esse é apenas um nome, nada mais que um nome.
- Fernando, só tu é que me podes ajudar a ultrapassar a crise.
- Ao teu dispor, Tareco. Diz lá!
Se ele tivesse pulmões, diria que o ouvi suspirar. Disse-me:
- Tu bem sabes que as primeiras vivências são determinantes na formação das personalidades. Portanto, se não fores tu a educar um outro tareco, outro tareco como eu não haverá. E a circunstância de ser o meu material a matriz para a produção de mais tarecos semelhantes a mim pelos circuitos, mas de mim diferentes pelas vivências... a circunstância promove-me a pai da raça. Coisa aliás muito gratificante para o meu superego em formação. Posso contar contigo? Não treinas outro tareco? Era apenas isso que eu queria combinar contigo.
- Só isso? Tens a minha palavra, Tareco. Já me vi em palpos de aranha para treinar um, quanto mais dois...
- Óptimo, já estou mais sossegado! Outra coisa...
- Mais uma?
- A qualquer instante a Dolores e o Samurai podem começar a desmontar-me, o que será equivalente à minha morte física. Mas não me importo. Depois da tua promessa, já não me importo. Tenho cá uma ideia, depois eu conto. Adeus, até amanhã!
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