Terça-feira, 15 de Fevereiro de 2011

Emprego e Desemprego na Juventude Portuguesa (1)– por Júlio Marques Mota

Carta enviada a diversos jornais  sobre o texto abaixo relativo ao desemprego na juventude  portuguesa e à  ausência de mecanismos de controle e de apoio  aos nossos jovens licenciados. Os documentos falam por si e que haja  alguém neste país  que fale por eles, pelos nossos estudantes e  a favor deles. Vale a pena  relê-los de novo agora na versão integral.

O presente trabalho aqui apresentado,  fruto de circunstâncias e de vários azares de outros muito mais novos que eu e cujas situações aqui se retratam,  foi concluído a 12 de Fevereiro. Quis o acaso também que no dia 13 o jornal Público venha com  uma grande reportagem sobre a geração  actual de licenciados. Coisas independentes, portanto. Neste meu texto de acasos e azares feito e sem nenhuma pretensão a querer ter, creio que num detalhe, pelo  menos nesse, vem dar uma outra dimensão à muito boa reportagem sobre a geração a que se refere o trabalho dos Deolinda: aqui e agora  é mesmo necessário  ir para além do espelho de Alice, não basta estar-lhe junto, atingir o seu limite, não, é necessário ir para além dele, é necessário ir para dentro da realidade que os apontamentos pelos alunos a mim deixados nos dão a entender:  quando se fala de licenciados recentes agora empregados  não se fala do ajustamento ou do desajustamento entre o que da  formação que é adquirido e o posto de trabalho que foi conseguido. E disso também é preciso saber. Se é o que pensamos, se o que os documentos nos mostram tende a ser geral,  não tenhamos então dúvidas, estamos a arrasar  uma grande parte desta geração que para nada disto está preparada. e possivelmente e por essa mesma razão a deixá-la depois irrecuperavelmente desamparada. E é também aqui que Bolonha se transforma num verdadeiro desastre.


Tomo a liberdade senhores jornalistas  de vos propor que partam o espelho de Alice e nos devolvam à luz da realidade e das  nossas consciências o que  de trágico a esse nível  se estará a passar e ao mesmo tempo também a silenciar.

De como vai o mercado de trabalho para os licenciados deste país, para os licenciados de Bolonha, pois estes casos  referem-se a três  jovens recém-licenciados, e uns embaraçados comentários que se lhes seguem.

Um documento em duas partes portanto. Na primeira parte colocamos testemunhos de vários licenciados a entrarem no mercado de trabalho, o seu primeiro contacto com o mundo dos empregadores. Uma segunda parte que consta de uns comentários desajeitados por causa da  brutalidade do que  nos testemunhos anteriores é exposto. Face a  estes depoimentos, face à violência não visível ao público  a que cada um dos nossos estudantes, indefesos, está sujeito,  nunca senti tanta dificuldade  em escrever, apenas tinha vontade de não me mexer, ficar parado, a olhar, de olhar vazio para o ecrã do computador. Leiam, vejam, indignem-se. Sublinhe-se que vários nomes de empresas, mesmo subcontratadas, são fictícios, apenas mantivemos os nomes correctos quando  se trata de empresas bem conhecidos do público.

A) Vias de desemprego, os relatos

Primeiro  Candidato a  emprego

Empresa  Ganhar Desafios pertencente ao Grupo KF

Actividade Comercial - Comercial porta a porta, door-to-door.

Venda de telefones Optimus Remuneração de base - ZERO; Apenas comissões variáveis portanto com as vendas.

Deslocações de serviço. No meu carro  pessoal  e caso  fosse com outros colegas nas suas viaturas teria de dar 5€ ao proprietário da viatura por dia.

Preparação para actividade : Depois da entrevista  tive um dia de formação no terreno, para dar a minha resposta final

Resultado desta oferta de emprego:

Não,  não aceitei, porque os métodos de venda que presenciei  não me pareceram  eticamente recomendáveis . Como ideia: grande maioria do nosso público-alvo contactado, eram pessoas acima dos 65 anos de idade. Pessoas fragilizadas, sem qualquer hipótese de defesa, com baixas reformas, a viver em aldeias bastante afastadas dos centros urbanos, às quais eram ocultadas informações importantes, ou eram fornecidas falsas informações.)

Segundo candidato a emprego, uma outra empresa,

Empresa de recrutamento  Os Talentosos, e o local  de trabalho era a  Portugal Telecom

Actividade : Comercial door-to-door, sobre  venda de  telefones, internet e televisão

Na entrevista de selecção foi-me devidamente explicado  que antes da resposta final iria ter um dia de formação no terreno.

Na hipótese de aceitar , a minha remuneração seria da seguinte forma, a partir somente do segundo mês, pois havia um mês para formação profissional:

SMN (pago pela empresa de recrutamento) + subsídio de  refeição e comissões (pagas pela PT)

Aceitei, uma vez que tudo me pareceu profissionalmente muito limpo  em que se  apresentavam  todas as condições dos serviços. E devemos sublinhar que o público-alvo contactado era bastante amplo.

1º mês era de formação profissional

- frequentar curso de formação profissional nas instalações da PT, 8h por dia.

- caso ocorra algum imprevisto (alheio à empresa de recrutamento) que impeça a frequência (a minha) ou que implique alteração de local ou horário do curso, não me seria conferido a qualquer título o direito de indemnização

- a minha admissão ficaria dependente do meu aproveitamento até ao final do mês de formação.

-apesar de poder ficar com um contrato de trabalho a 6 meses, este seria mensalmente sujeito a reapreciação face  à quantidade  de  contratos de serviços vendidos e seria despedido   se esta ficasse abaixo dos objectivos previamente marcados. E assim se transforma um contrato de 6 meses renováveis em contrato mensal renovável.

- até ao final da formação não poderia desempenhar trabalho subordinado

- seria pago um valor inferior a 3€/hora, que apenas seria processado se obtivesse  bom aproveitamento e se permanecesse na empresa  pelo um período mínimo de um mês após a conclusão do curso.

Este mês de formação profissional, na realidade consistiu em ir para o terreno no carro da empresa vender  porta a porta, door-to-door, como  se eu já fosse um comercial normal.

 

Como não cumpri os objectivos (tinha  Y número de contratos para realizar por mês) e uma vez que não os consegui,  fui despedido   e não recebi nenhuma contrapartida financeira, nem mesmo pelos contratos que entretanto realizei.

Terceiro candidato, terceira procura de emprego, um aluno a acabar o mestrado

2ª tentativa  deste estudante de mestrado que até há um mês era meu aluno e por mim reprovado mais que uma vez, era e é meu amigo e tem sido um dos revisores e comentadores de todas as minhas cartas abertas.

Um outro estudante, três experiências, uma delas, de venda porta a porta, e as outras duas  num mercado mais clássico. Concurso para uma multinacional a que concorre um aluno com a parte lectiva de mestrado feita, aguardando apenas a defesa pública do projecto de tese.

Primeira situação Uma entrevista para emprego, tipo venda porta a porta :

Bom dia caríssimo professor.

Venho-lhe enviar as condições que me propuseram na entrevista de  emprego em (X).

As funções que tinha que desempenhar consistiam em: procurar clientes, convence-los a aceitar propostas de seguros, de vendas de imóveis, de abrir contas bancárias obscuras, resumindo, seria convencer os clientes a assinar um conjunto de serviços financeiros que deixam muito a desejar.
As condições que ofereciam eram as seguintes: teria que me deslocar na minha própria viatura, encontrar os respectivos clientes, tratar dos documentos todos e todas as burocracias a que esses serviços financeiros obrigam, teria que ser eu o responsável caso essas contas bancárias misteriosas [contas de aplicações em produtos estruturados] e serviços não decorressem da melhor forma e, no final ficaria com 15% dos lucros, tendo ainda que repartir esse 15% com a equipa (vendedores) a que iria pertencer.

O entrevistador sugeriu-me que achava por bem contratar-me como licenciado e não futuramente como mestre, pois isso implicaria mais custos, custos esses que para ele seria algo supérfluo. Seguidamente, após o entrevistador ter tentado de todas as formas que eu assinasse de imediato o contrato, comunicou-me que o ordenado base seria de ZERO, pois eu poderia constituir o meu próprio ordenado, dado, que quantos mais produtos financeiros realizasse, melhor ordenado poderia obter. Confrontei-o de seguida, com a situação em que me encontrava, ou seja, uma vez que não conheço a cidade de (X), seria complicada a tarefa de nos primeiros tempos constituir uma carteira de clientes, respondendo-me ele de imediato que caso eu não encontrasse clientes, teria que suportar todas as despesas.

Aproveito também para lhe comunicar que foi esta a minha primeira entrevista de emprego como licenciado, onde o entrevistador me comunicou que estava já constituída uma equipa com outros quatro licenciados, o que me deixou estupefacto, dado que esses outros elementos aceitaram as condições em cima descritas.

Confesso que estou muitíssimo apreensivo e assustado com esta realidade terrível com que me deparei.

Segunda situação:

Relato de uma  entrevista para  emprego na Multinacional de nome Primata Vencedor, vizinha do clube do  Dragão, no Porto, escreveu:.

“Professor

Segundo a informação prestada pela secretária responsável dos recursos humanos da empresa, receberam 1000 propostas para “uma” única vaga disponível. Dado o facto de que esta informação me foi prestada antes da prova de selecção, confesso que me senti muito intimidado, levando-me de imediato a pensar que a probabilidade de ser seleccionado seria quase nula.

Após uma selecção restamos apenas 40 elementos, que dividiram em 4 grupos de 10 para prestarem provas de selecção. Cada grupo foi encaminhado para uma sala onde se encontravam 3 directores da Multinacional Primata Vencedor e um elemento que pertencia a uma determinada empresa especializada em recrutamento, perfazendo assim o júri de selecção.

As tarefas que o júri nos propôs foram as que seguem:

Foi-nos solicitado que apresentássemos a nossa formação, em que instituição foi adquirida essa formação e quais as razões que nos levou a candidatar à vaga existente. Seguidamente foi entregue um documento a cada elemento do grupo, contendo informação referente a uma determinada empresa que enfrentava uma situação delicada a nível de produção. Tratava-se de um texto de 6-7 páginas caracterizando a situação de dada empresa em dificuldade, em que nela constavam pequenas operações algébricas a efectuar, com números fraccionários.  O júri indicou-nos para que nos colocássemos no papel da direcção da empresa e que em conjunto encontrássemos uma solução para resolver tal situação. O tempo disponibilizado para chegar a uma possível solução repartia-se da seguinte forma: concederam-nos 20 minutos para ler e analisar os documentos, restando-nos 15 minutos para discutirmos  em conjunto e chegarmos  assim a uma conclusão.

O júri deixou bem claro no inicio da entrevista, que não poderíamos sublinhar, anotar, riscar, ou seja, não danificar de forma alguma o documento de 7 paginas que nos facultaram, deixando-o intacto, pois teria que servir para o grupo que se seguia, e de igual modo aconselharam vivamente a deixar-mos a caneta de que fizemos uso no mesmo local aonde a encontramos. Disponibilizaram-nos “apenas” uma folha de rascunho em papel reciclado, para anotar-mos e efectuar-mos todas as operações necessárias à resolução do problema com que fomos confrontados.

De frisar que desde o inicio até ao fim desta reunião, vigorou um ambiente de frieza, uma distancia brutal quer a nível de partilha de ideias de intimidades ou de qualquer outro tipo de afinidade ou sentimento, entre os elementos que constituíam o júri de selecção e os respectivos candidatos. De acrescentar ainda, que não nos foi prestado nem facultado nenhum tipo de informação relativamente ao cargo que futuramente poderemos vir a ocupar. (…)

Professor, no entanto vou tentar ler com todo o cuidado os textos que me enviou, embora, amanhã e no domingo vá trabalhar na construção civil, para que me seja possível ir para Coimbra na segunda-feira e continuar a procurar emprego”.

Terceira situação:

Ao rever todo este texto, este candidato a um emprego digno escreve-me ontem, 12 de Fevereiro,  o seguinte :

“Boa noite caríssimo professor.

Venho-lhe enviar as condições que me propuseram na entrevista de emprego no Porto, na imobiliária REMAX, dita “a melhor empresa para trabalhar em Portugal”, de acordo com a prestigiada revista Exame.

As funções e condições de emprego eram em muito semelhantes às que me propuseram na entrevista de Aveiro, causando-me uma enorme sensação de Déjà vu.

A primeira questão levantada pelo Sr. Director foi a que se segue: “tem apoio financeiro por parte de alguém”. No entanto, recomendou-me vivamente que eu convencesse os meus pais a investirem neste projecto, uma vez que segundo o Sr. Director, eu iria criar a minha própria empresa dentro da empresa Remax. Deixou bem claro que teria de assumir todos os riscos e custos, e que achava por bem esmiuçar a área do porto com o intuito de encontrar construtores desesperados financeiramente, de pessoas com uma idade avançada e leigos nestas questões, pois seria mais simples captar bons contratos, para que assim pudesse dar o maior lucro possível à empresa Remax. Esses contratos teriam inicialmente que passar pelo Sr. Director, para que este recolhesse as respectivas comissões. Já no final da entrevista o Sr. Director transmitiu-me que teria de pagar à empresa Remax, cerca de € 200 por mês, justificando este valor como sendo uma jóia, por estar a trabalhar e pertencer a esta prestigiada empresa. Futuramente, esse valor poder-me-ia ser devolvido, mas só na hipótese de eu alcançar vendas superiores a € 30 000,00

De salientar que o ordenado base oferecido seria mais uma vez ZERO, algo que infelizmente já não me causa pasmo, pois este facto é comum a várias entrevistas em que já estive presente.

No entanto já estive a ler o texto que me enviou, e permita-me que lhe diga que é impressionante a capacidade de previsão do Professor, uma vez que o Professor prevê na perfeição, tudo o que se passa de âmbito económico e social nesta realidade cinzenta que se atravessa. Penso que esta entrevista na Remax poderá entrar na carta aberta, uma vez que está completamente relacionada com o assunto abordado. Mas é apenas uma sugestão, pois se o Professor vir que não faz sentido, compreendo perfeitamente.

Assim que me seja possível, vou ler cuidadosamente o outro texto que me enviou referente ao tema: “Sobre o pão, sobre a liberdade”. “

 

 

publicado por Carlos Loures às 18:00

editado por Luis Moreira às 18:05
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