Há quem cite o verso - «O caminho faz-se caminhando», «se hace camino al andar», não sabendo que o autor foi um grande poeta castelhano – Antonio Machado. Trata-se de uma estrofe de «Proverbios y cantares» do livro «Campos de Castilla». Eis o poema completo:
Caminante, son tus huellas el camino y nada más; caminante, no hay camino, se hace camino al andar. Al andar se hace el camino, y al volver la vista atrás se ve la senda que nunca se ha de volver a pisar. Caminante no hay camino sino estelas en la mar.
Note-se o emprego do substantivo «mar» no feminino, sabendo-se que embora tendo os dois géneros em castelhano, é mais usual o emprego do masculino, «el mar». «La mar», feminino, é coisa de poetas e de pescadores, de homens que amam o mar como se ama uma mulher. Há um poema de Federico García Lorca, muito famoso, o «Romance sonámbulo» (do «Romancero gitano») no qual «mar» passa também ao feminino.:
Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar
y el caballo en la montaña.
Etc.
A literatura de língua castelhana é esplendorosa. E a poesia de de Antonio Machado é uma das âncoras nos prende ao castelhano e ao prazer de o escutar. O universo da literatura castelhana é inesgotável, porque se conseguíssemos referir todos os grandes escritores peninsulares que usam o idioma (e seria tarefa enciclopédica), teríamos depois de olhar a Ocidente, respirar fundo o ar do Atlântico, e recomeçar desde Juana Inés de la Cruz ( a que aconselhava: «não vos queixeis, homens tolos…») até Gabriela Mistral, Jorge Luis Borges, Ernesto Sábato, Pablo Neruda Carlos Fuentes, García Márquez, Vargas Llosa, Isabel Allende…
E um grande etecétera.
Hoje lembrei-me de Antonio Machado.
Antonio Machado nasceu em Sevilha em 1875. Foi uma das grandes figuras da chamada «Geração de 98», referindo-se este número á data de 1898, quando a Espanha foi derrotada na guerra que manteve com os Estados Unidos pela posse de Porto Rico, Cuba e Filipinas. A derrota significou uma tomada de consciência de jovens intelectuais da decadência do país e foi como que um ponto de viragem, caracterizando-se a escrita desses jovens pelo seu carácter revolucionário, em termos literários e em termos políticos. Foi rodeada de polémica, pois havia intelectuais, como Pío Baroja, que negavam lógica à designação. Esta classificação geracional refere-se a escritores que nasceram entre 1864 e 1875 – Miguel de Unamuno, Valle-Inclán, Blasco-Ibañez, Jacinto Benavente e Antonio Machado, são das principais figuras ligadas a esta geração.
Morreu em 1939, refugiado num quarto de hotel, fugindo dos assassinos da polícia política franquista, ele que era tudo menos um político. Sabendo que a morte se aproximava, escreveu num papel as suas últimas palavras - «Estos días azules y este sol de infância», sinal de que antes morrer viajou até ao passado. Um grande poeta – se hace camino al andar – que grande verdade contem este verso que se transformou em lugar-comum.