Segunda-feira, 14 de Fevereiro de 2011

Gira, gira - o incontornável fatalismo do tango

 

 

 

 

 

 

Carlos Loures

Aqui há tempos,  contei como, ao traduzir um livro do grande escritor argentino Ernesto Sábato, («Heróis e Túmulos») me vi em palpos de aranha. Estudara língua e literatura castelhana, mas a cada passo surgiam vocábulos que desconhecia e que os dicionários, incluindo o da Real Academia, não registavam. Escrevi então ao Sábato dando-lhe conta da minha dificuldade e ele, muito amavelmente, enviou-me um extenso glossário com termos argentinos e, inclusivamente com modismos «porteños», ou seja, bueno-airenses.

Nesta série de textos que tenho vindo a dedicar ao fado e ao tango – na demanda de paralelismos entre estes dois géneros de canção urbana – vou hoje abrir um parêntesis para vos falar de uma composição de Carlos Gardel em que, para além do fatalismo que irmana o tango com o fado – surge um desses particularismos do castelhano que se fala na Argentina - a começar pelo título, Yira, Yira (pronunciado de forma semelhante á do português) – em castelhano dir-se-ia «Gira, gira», pronunciando-se como fonema fricativo velar surdo – velar, por ser articulado junto do véu palatino (os portugueses quando querem falar portunhol, resolvem o problema, transformando o «g» ou o «j» em «r» – exemplo – rúlio iglésias).

Na letra do tango cantado pelo Gardel, existem casos de argot porteño semelhantes aos que me saíram ao caminho quando traduzia Sábato. Mas neste caso, se não perceberem todas as palavras, perceberão o sentido que é profundamente singelo e tristemente verdadeiro – quando se cai em desgraça não se pode contar com ninguém. Cair na miséria é considerado um crime. Bater às portas pedindo ajuda, trabalho, calor humano, é inútil. Até amigos, a quem se deu a mão e se ajudou quando precisaram, se afastam incomodados. Um necessitado é uma pessoa incómoda. – um desgraçado é como um leproso. Os amigos, afinal, são só para (as boas) ocasiões. Ora leiam e depois ouçam. A música e a letra são de Enrique Santos Discépolo (1901-1951). Há uma interpretação razoável do Julio Iglesias, mas não há nada como ouvi-la na voz de Carlos Gardel.

Cuando la suerte qu’es grela
fayando y fayando
te largue parao…
Cuando estés bien en la vía,
sin rumbo, desesperao…
Cuando no tengas ni fe,
ni yerba de ayer
secándose al sol…
Cuando rajés los tamangos
buscando este mango
que te haga morfar…
La indiferencia del mundo
que es sordo y es mudo
recién sentirás.
Verás que todo es mentira
verás que nada es amor
que al mundo nada le importa
Yira… Yira…
Aunque te quiebre la vida,
aunque te muerda un dolor,
no esperes nunca una ayuda,
ni una mano, ni un favor.
Cuando estén secas las pilas
de todos los timbres
que vos apretás,
buscando un pecho fraterno
para morir abrazao…
Cuando te dejen tirao,
después de cinchar,
lo mismo que a mí…
Cuando manyés que a tu lado
se prueban la ropa
que vas a dejar…
te acordarás de este otario
que un día, cansado,
se puso a ladrar.
Verás que todo es mentira
verás que nada es amor
que al mundo nada le importa
Yira… Yira…

 



Há alturas em que me sinto (creio que acontece com todos), como disse Discepolín, na pele do otário que um dia, cansado, se pôs a ladrar. Alturas em que me apetece mesmo uivar.

publicado por João Machado às 16:00
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