(Continiuação)
Funcionamento dos mercados financeiros
As trocas comerciais organizaram-se progressivamente em redor de praças centralizadas onde se processavam cada vez mais transacções. Assim, as primeiras bolsas de comércio apareceram na Europa no século XIII. Nestes mercados de operações à vista, que existem ainda hoje, o comprador e o vendedor definem juntos a qualidade do produto bem como o seu preço. A partir da Idade média, apareceram os contratos ditos forwards (contratos a prazo, contratos acordados num momento para realização futura), contratos que definem uma data de entrega do produto físico num período futuro de data fixada e a preço previamente acordado.
Tendo em conta o risco inerente à este tipo de contrato, passou a ser possível trocá-lo ou transmiti-los a uma terceira contraparte. Muito rapidamente, alguns destes contratos padronizaram-se, dando assim origem à criação de mercados financeiros de produtos derivados [1](ou seja de mercado ditos de “papel” pois neles vende-se o que se não tem e compra-se o que não se quer). Os produtos ditos derivados de matérias primas são ditos “derivados” no sentido onde o seu valor depende do valor de um “ subjacente”, neste caso das quantidades físicas de matérias primas, que não são elas que estão fisicamente a ser negociadas .
Os principais instrumentos derivados são:
• os forwards: contratos feitos sobre uma quantidade dada a determinado preço previamente estabelecido e para ser entregue em data futura, contrato concluído entre duas partes fora da bolsa ;
• os futuros: contratos forwards padronizados vendidos nos mercados organizados, ou bolsas;
• as opções: contratos dando o direito mas não a obrigação de vender ou comprar um activo a um preço fixado de antemão durante um tempo dado;
• os swaps: troca de dois fluxos financeiros.
Estes mercados servem principalmente de instrumentos de cobertura. Um agente avesso ao risco preferirá pagar um premio a um outro agente, menos avesso ao risco, em troca de um contrato que lhe garanta uma quantidade fixa a um preço previamente estabelecido . Este último endossa então o risco ligado à variação dos preços ou aos erros de antecipação das cotações : há transferência de risco. A CFTC (Commodity Futures Trading Comissão) distingue três categorias de operadores: os operadores comerciais (produtores, transformadores, comerciantes), os não-comerciais tradicionais (corretores, traders, hedge funds), e os agentes que se protegem com swaps, isto é, que negoceiam os produtos derivados como finalidades de cobertura).
A subida rápida e em força dos agentes financeiros desde o início dos anos 2000 efectuou-se devido à desregulamentação dos produtos derivados aprovada nos Estados Unidos em 2000 que ficou conhecida como a lei Commodities Futures Modernization Act: esta lei isenta o essencial das transacções realizadas em mercados descentralizados, mercados de produtos derivados OTC, da vigilância das duas grandes instâncias americanas de regulação a CFTC (Commodity Futures Trading Commission) e a SEC (Security and Exchange Commission). E esta lei estende a aplicabilidade legal a toda e qualquer transacção de produtos de derivados, mesmo no caso de a cobertura contra o risco não pode ser provada, pondo assim termo a mais de cem anos de jurisprudência neste domínio[2]. . A maior parte destes intervenientes financeiros efectuam as suas transacções no mercado privado , descentralizado, (ou OTC), sobre o qual é difícil avaliar o montante das transacções (ver o enquadrado “Mercado organizado e mercado descentralizado”). Se estes contratos que consideram as matérias primas como novos activos constituem investimentos marginais para os financeiros, úteis para diversificar os seus riscos, representam somas consideráveis à escala dos mercados agrícolas e petrolíferos. Assim, de acordo com o Banco de Pagamentos Internacionais, o valor de referência (notional value) dos produtos derivados nos mercados descentralizados, ou fora das bolsas, de matérias primas (com excepção do ouro e dos metais preciosos) teria passado de 5.850 mil milhões de dólares em Junho em 2006 a 12.390 mil milhões em Junho de 2008.
A participação crescente dos agentes financeiros nos mercados de produtos derivados de matérias primas inscreve-se no contexto de um fenómeno “de financeirização” destes mercados: produtos derivados sobre matérias primas tornam-se uma classe de activos da mesma forma que as acções e as obrigações, podendo ser explorados no âmbito de uma estratégia de diversificação da sua carteira pelos investidores. Assim como o mostra o gráfico 3, estes agentes “que trocam fluxos” assumiram um lugar considerável na paisagem financeira, em comparação com outros tipos de operadores. A correlação negativa dos rendimentos das acções e dos investimentos sobre as matérias primas, testada sobre um longo período[3]conduz, no quadro de uma estratégia de segurança, a combinar os dois tipos de activos numa mesma carteira.
Estas possibilidades de diversificação do risco têm sido exploradas cada vez mais desde 2000, nomeadamente com a criação de fundos indexados padronizados, como o fundo UBS do Dow - Jones e o GSCI de Goldman Sachs. Estes fundos utilizam contratos futuros de diferentes matérias-primas (ou commodities), cuja parte é fixa em percentagem [4]. Assim, no fundo da Standard and Poor - Goldman Sachs Commodity Índice (S&P GSCI), os produtos agrícolas representam 12% do valor do índice contra 71 % em energia
• Tendo em conta o risco de incumprimento existente sobre um contrato a prazo (risco de contraparte ), os mercados ditos “organizados” construíram-se pois em volta de câmaras de compensação, organismos que se assumem como garantes da execução dos contratos : assim o Nymex (Nova Iorque Mercantile Exchange) para os produtos derivados do petróleo e o CME (Chicago Mercantile Exchange) para os cereais. Sobre estes mercados, os contratos são padronizados, os preços são transparentes e os actores que nesses mercados querem participar estão na obrigação de se registarem junto da câmara de compensação que assegura a mediação entre comprador e vendedor e que vela pela solvabilidade das contrapartes através dos mecanismos das chamadas ditas de margem (espécie de depósito de garantia ou de pagamento obrigatório por todos os operadores do mercado para cobrir a sua posição aberta).
• Inversamente, os mercados ditos “bilaterais e fora de bolsa, mercados OTC” asseguram a confidencialidade das transacções, dado que os actores não são forçados a registarem-se nem a registarem as operações feitas. Se os custos de transacção aí são menos elevados (não há depósito de garantia ou de chamadas de margem), o risco de contrapartida não está coberto (não há câmara de compensação). No mercado dos produtos agrícolas, a maior parte dos contratos OTC tomam a forma de contratos padronizados, vendidos pelos bancos.
Estes últimos vendem então contratos OTC, e muito frequentemente cobertos por uma combinação de contratos adquiridos no mercado organizado. Mas existe igualmente um grande número de contratos feitos por medida (não padronizados) que incidem sobre quantidades ou qualidades de produtos variáveis com locais de entrega distintos, bem frequentemente para responder às necessidades precisas de empresários ou de cooperativas (no caso dos mercados agrícolas).
[1] Jouyet J.P., de Boissieu C. et Guillon S. (2010), Prévenir et gérer l’instabilité des marchés agricoles, Rapport d’étape.
[2] Stout L.A. (2009), Regulate OTC Derivatives by Deregulating Them, Banking and Finance. De facto, o direito anglo-saxónico era dominado pela jurisprudência que pretendia que as partes do contrato de produtos derivados , para ser aplicável face ao juiz, deviam provar que pelo menos uma delas devia estar na posse do subjacente e de ter pois interesse em se proteger do risco, cobrindo-se portanto..
[3] Gorton G. et Rouwenhorst K.G. (2006), “Facts and Fantaisies about Commodity Futures”, Financial Analysts Journal, vol. 62, n° 2, p. 47-68.
[4] Kerckhoffs et al. (2010), Financing Food: Financialization and Financial Actors in Agriculture Commodity Markets, SOMO paper.
(Continua)
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