A juventude está no centro da crise actual, é a sua principal vítima e é também ela o principal agente dos ventos de mudança em curso. Foi assim na Tunísia, foi assim no Egipto, será possivelmente assim na China, de que falaremos amanhã num outro artigo, enquanto que por cá continua a assistir-se à política da mentira sobre a juventude, enganando-a com diplomas sem valor e para empregos que também não existem. É bom que os responsáveis deixem de fazer o que têm feito, que é comportarem-se como os avestruzes e passo a citar um excerto do texto que se segue: “No caso egípcio, onde a miséria pesa muito fortemente, mas onde os pobres e os excluídos de todas as espécies se juntaram aos licenciados com diploma de curso superior, aos assalariados frustrados, às vítimas das injustiças e da corrupção, parece hoje que a liberdade tenha sido mais importante”. O texto é claro.
Júlio Marques Mota
Objecto de necessidade absoluta para uma pequena minoria de Franceses, mesmo em período de crise, o pão continua no entanto a estar-lhes ligado ou mesmo a fazer parte das suas preocupações . O preço do trigo duplicou desde há um ano, os moleiros, muito perturbados, ultrapassam as suas tendências liberais apelando para a regulação do mercado desta sua matéria‑prima (queixa da qual o presidente Sarkozy se fez eco no momento da sua conferência de imprensa de há alguns dias), e os padeiros começam a fazer repercutir o aumento do preço das farinhas sobre as carcaças, ainda que a farinha represente apenas 15 % do preço do pão.
O público nunca não aceitou a ideia que o pão pudesse aumentar de forma independente das condições económicas, da mesma maneira que os padeiros, submetidos a uma penalisante fixação dos preços impostos pelas autoridades públicas até ao final de 1986, não podem nunca aceitar a ideia que os preços possam descer. Herdeiro do príncipe paternalista, a sua legitimidade depende em grande parte da sua capacidade em garantir o acesso a um pão de qualidade aceitável, o Estado ainda hoje fica altamente incomodado com a subida do preço do pão. O Estado fica obcecado com a “ mística” do pão, no entender dos padeiros que a sentem como uma visão demagógica e anacrónica num mundo onde o pão já muito pouco pesa no cabaz de consumo familiar.
Os desafios desta “ mística” são explosivos de modo diferente no Egipto, onde esta está a desabrochar plenamente nestes dias. Como na Tunísia, onde, nas manifestações da revolução dita do jasmim, se brandiam pães - sempre um sinal de severa crítica social - no Egipto, o pão está muito presente no reportório da acção colectiva. No país dos faraós, isto não é um facto novo. Em 1977, já, de maneira espectacular, e ainda em 2008, os motins sobre o pão abalaram o regime.
Socorridos por importantes subvenções americanas, o raïs mandou cozer e distribuir o pão por um exército já bastante vizinho das preocupações e sentimentos populares. No entanto, não há só uma das centenas de motins da fome ocorridos um pouco por todo o mundo que não se transformassem em contestação política duradoura. Na hora actual, o pão reaparece no Egipto, com uma reivindicação pelo menos tão aguda e urgente como a liberdade. Le Monde do 28 de Janeiro informava que os manifestantes no Cairo gritavam “O Pão! A Liberdade”. Três dias depois, o mesmo jornal conta que, à noite, na praça Tahrir, dita da Libertação, epicentro da revolta egípcia, improvisava-se um jogo de futebol: “Duas equipas foram criadas: a “do Pão” e a “da Liberdade”. No Domingo, foi a equipa “do Pão” que ganhou. »
O historiador das revoluções e do pão que eu sou pode só pode ficar fascinado pela irrupção deste par pão-liberdade, conhecido na retórica da luta popular em França desde a Revolução de 1789-1795 até à Frente Popular, seguidamente à Libertação. “O pobre gosta mais do pão do que a liberdade”, constatava Rousseau. Tropismo compreendido bem pelos Romanos e mesmo pelos Bourbons, teorizado de maneira mais moderna por Montesquieu e sobretudo (não sem amargura) por Tocqueville, no que veio a dar o Estado-providência, a reivindicação do direito à existência frequentemente primou sobre outras no combate das pessoas do povo.
No caso egípcio, onde a miséria pesa muito fortemente, mas onde os pobres e os excluídos de todas as espécies se juntaram aos licenciados com diploma de curso superior, aos assalariados frustrados, às vítimas das injustiças e da corrupção, parece hoje que a liberdade tenha sido mais importante. “ Não se vai mendigar a sua liberdade aos outros, escrevia Ignazio Silone, A liberdade, é necessário agarrá-la. » O pão, é necessário, é a sobrevivência; exigí-lo, é também protestar contra as desigualdades gritantes, contra o desemprego em massa,contra a dignidade ridicularizada de cada cidadão no seu dia a dia . Mas o pão não é suficiente sozinho, porque uma vez que passe a ser abundante e barato, corre o risco de esconder o essencial, perpetuar as estruturas da injustiça e da dependência. Daí a sua ligação a partir de então indivisível com a liberdade: a denúncia da opressão, da tirania, da ditadura sobre os velhos em nome de toda uma juventude que exige o pão mas com a condição de não ser o regresso ao método antigo dos jogos do circo.
É um pouco a liberdade dos slogans (não nas exegeses detalhadas dos juristas) de 1789 que pareciam anunciar a regeneração de toda a nação: nada de direitos puramente formais mas sim a prática real da liberdade de expressão e da representação tanto social como política. É a liberdade como pré-condição e garantia de uma eventual igualdade de oportunidades (e não somente de uma igualdade face à lei).
Sem conquistar esta liberdade fundamentadora, a matriz, o pão nunca será o pão dos próprios egípcios ; e o pão dos outros continua a ser amargo. Mas, em segundo lugar, esperam que a equipa da liberdade não esmague a equipa do pão no terreno da acção social e económica. Porque se a associação das duas é exaltante na aurora do iniciar de uma nova época, recordemos que, a prazo, a relação entre liberdade e o pão torna-se bem mais problemática.
O paradoxo é que muita liberdade, na sua eclosão prometeica , na sua ambição totalizante , priva o cidadão lambda da sua ração de pão e, a prazo, priva-o da sua própria liberdade. Esta foi a dura aprendizagem da liberalização económica da França das Luzes (1763-1776), seguidamente da França revolucionária e, por último, da França cronicamente puxada entre a liberdade e o pão (ou seja a igualdade). Se a liberdade não for enquadrada e regulada, a liberdade económica pode minar as bases (e as promessas) da liberdade política.
Um mercado dito livre e por conseguinte necessariamente darwiniano , corre o risco de fazer lamentar o pão ao raïs. Se o paradigma do pão da igualdade dá origem a demasiados constrangimentos e se asfixia demasiado as iniciativas individuais, o liberalismo imoderado gera, sob novas denominações, o mesmo tipo de desigualdades e de dominação contra as quais tanto se gritou no antigo regime. Um bom sinal (se é que não significa simplesmente “tira daí para eu me aí ficar”): já os intelectuais e uma parte das classes médias egípcias parecem ter sentido o perigo atirando-se contra os adeptos da doutrina ultraliberal, frequentemente associada à Gamal Mubarak, delfim em queda. “ O que nasce tort, tarde ou nunca se endireita”
Steven Laureence Kapalan, De 1789 à l’intifada egyptienne, le pain reste le symbole de la contestation sociale, Le Monde, 8 Fevereiro de 2011.
O
. Ligações
. A Mesa pola Normalización Lingüística
. Biblioteca do IES Xoán Montes
. encyclo
. cnrtl dictionnaires modernes
. Le Monde
. sullarte
. Jornal de Letras, Artes e Ideias
. Ricardo Carvalho Calero - Página web comemorações do centenário
. Portal de cultura contemporânea africana
. rae
. treccani
. unesco
. Resistir
. BLOGUES
. Aventar
. DÁ FALA
. hoje há conquilhas, amanhã não sabemos
. ProfBlog
. Sararau