Carlos Luna Note-se que o "Camões do Rossio", apesar do seu espírito folgazão e "satirizante", era "um erudito de valor, muito estudioso e conhecedor das leis". O Padre D. Manuel Caetano de Sousa, em 1720, escolheu-o para ser membro da Academia Real de História, ao lado de 49 pares. Foi encarregado de escrever as "Memórias Eclesiásticas do Bispado de Leiria". Regularmente, publicava relatórios dos seus estudos académicos, e era assíduo nas reuniões convocadas na Academia, ou noutras instituições. Deixou escritas ( e algumas ainda não publicadas várias obras de carácter jocoso, e até uma colecção de Sonetos Cómicos. Escreveu também composições muito "sérias", como "Epicédios na Morte da Serníssima Senhora D. Francisca, Infanta de
Portugal", "Glória de Erice: Epitalâmio ao casamento dos Ex.mos Snrs. D. Francisco Xavier de Meneses e D. Maria José da Graça e Noronha", "Óperas de Metastásio (tradução)", "Catálogo dos Bispos de Leiria",
"Contas dos Estudos Académicos do Paço", e "Silva e Romance ao ser reeleita Abadessa de Santa Clara de Lisboa a Madre D.
Margarida Bautista". Num estilo completamente diferente, a que adiante se fará ampla referência, terá escrito "A Martinhada". Caetano José tinha mesmo alguma qualidade. Afinal, ele nem sequer escreveu principalmente poemas satíricos, como veremos nos dois sonetos seguintes.
O primeiro destinava-se a uma Dama da Corte, e procurava convencê-la a viver a vida, e a não continuar doentiamente a chorar em frente a uma pintura que representava a sua mãe falecida.
Senhora, esse retrato, esse portentotanta saudosa dor nunca alivia,que a memória da amada companhianão melhora, duplica o sentimento.
Lembrado, o bem perdido é mal violento,e ofende essa pintura a fantasia.Não pode ser remédio, é tiraniafazer parcial do dano o entendimento.
Fugi dessa belíssima aparênciaque o pranto justamente vos persuadeque as lágrimas fez crédito de ausência.
E o vosso amor, das cores na verdade,há-de achar, para abono da impaciência,a formosura unida co`a saudade.
O outro punha Afonso de Albuquerque, numa atitude generosa. O polémico guerreiro teria deixado rderem-se num naufrágio muitas riquezas para salvar uma menina indiana de ser tragada pelas águas. É supostamente Albuquerque que fala, dirigindo-se ao mar.
Não assustes, oh bárbaro elemento,a inocente, que tenho ao peito unida,que a glória desta acção compadecidarespeita até das ondas o violento.
Tu logras o furor, eu logro o intentode ficarmos com sorte repartida.Asilo nobre de uma tenra vidasepulcro avaro de ouro macilento.
Se tenho a varonil integridade,que consegues no horror dessa inclemênciaou que importa a infeliz calamidade ?
Quando fica no exemplo da violênciadesprezado o interesse da piedadee vencida a desgraça da inocência.
(Continua)