(Continuação)
3) A desregulação e a maquilhagem das contas
Wall Street ajudou a disfarçar o défice que alimenta a crise na Europa
Por LOUISE STORY, LANDON THOMAS Jr. e NELSON D. SCHWARTZ
As tácticas de Wall Street são da mesma natureza das que geraram a crise do “subprime” na América, que levaram ao aprofundamento da crise financeira que abala a Grécia, pondo em causa o euro, ao ajudar os governos europeus a esconder os seus crescentes défices.
No momento em que as preocupações sobre a Grécia ressoam nos mercados mundiais, há registos e entrevistas que mostram que, com a ajuda de Wall Street, a Grécia se dedicou, ao longo de uma década, a tornear os limites europeus do défice. Um esquema criado pelo banco Goldman Sachs ajudou a esconder da supervisão orçamental de Bruxelas milhares de milhões de euros do défice.
Mesmo quando a crise se aproximava já do ponto crítico, os bancos ainda procuravam ajudar a Grécia a protelar o dia final do acerto de contas. Em Novembro - três meses antes de Atenas se ter tornado no epicentro do nervosismo financeiro global - uma equipa do banco Goldman Sachs chegou àquela velha cidade com uma proposta anunciada como muito moderna para governos em grandes dificuldades de pagar as suas dívidas, tal como relatado por duas das pessoas que participaram na reunião.
A equipa do banco, liderada pelo próprio Presidente do Goldman Sachs, Gary D. Cohn, apresentaram um esquema financeiro que permitiria remeter para um futuro longínquo o défice do sistema de saúde da Grécia, um esquema muito parecido com o que consistiu em levar os proprietários de casas a fazer uma segunda hipoteca para pagar dívidas correntes feitas com os cartões de crédito.
Este esquema já tinha funcionado antes. Em 2001, logo após a Grécia ter entrado para a União Monetária Europeia, o banco Goldman Sachs ajudou o governo grego a obter discretamente empréstimos de milhares de milhões de dólares, disseram pessoas ligadas a esta transacção. Este negócio, sem visibilidade pública porque foi tratado como transacção de divisas e não como empréstimo, ajudou a Grécia a cumprir as regras europeias relativas ao défice, ao mesmo tempo que continuava a gastar para além das suas posses.
Atenas não deu sequência a esta última proposta do banco Goldman Sachs, mas agora, vendo-se a Grécia a sufocar sob o peso da dívida e dado que os seus vizinhos mais ricos manifestam vontade em socorrê-la, as operações financeiras feitas na última década estão a levantar algumas questões sobre o papel que Wall Street desempenhou neste mais recente drama financeiro mundial.
Tal como na crise americana do “subprime” e da implosão da AIG (American International Group), os derivados financeiros desempenharam o seu papel no avolumar dos défices na Grécia. Instrumentos financeiros desenvolvidos pelo banco Goldman Sachs, pelo JPMorgan Chase e por uma série de outros bancos permitiram aos governantes disfarçarem empréstimos adicionais na Grécia, Itália e, possivelmente, noutros países.
Em dezenas de grandes operações financeiras montadas em vários países do continente europeu, os bancos adiantaram dinheiro em contrapartida de pagamentos futuros dos governos, permitindo deixar fora do balanço estes compromissos financeiros.
Os críticos dizem que tais operações, por não serem registadas como empréstimos, enganam os investidores e os reguladores quanto ao volume das responsabilidades financeiras assumidas por um país.
Algumas destas operações financeiras eram designadas com nomes de figuras da mitologia grega. Uma delas, por exemplo, foi designada Aeolos, o deus dos ventos.
A crise na Grécia coloca o maior desafio alguma vez feito à própria moeda comum europeia, o Euro, e ao objectivo de unidade económica do Continente. O país é demasiado grande para poder falir, como se diz nos meios financeiros. A Grécia deve a nível internacional 300 milhares de milhões de dólares, sendo os principais bancos os grandes credores desta dívida. Um eventual incumprimento da dívida teria efeitos de repercussão em todo o mundo.
Um porta-voz do Ministério das Finanças grego declarou que o governo tinha tido contactos com muitos desses bancos nos últimos meses, mas não se tinha comprometido com nenhuma das suas propostas. Todos os financiamentos da dívida “são conduzidos num esforço de transparência,” declarou. Os bancos Goldman Sachs e JPMorgan recusaram comentar.
Embora a acção manobradora de Wall Street na Europa tenha despertado pouco interesse na América, foi objecto de fortes críticas na Grécia e em jornais como o Der Spiegel na Alemanha.
“Os políticos querem é chutar a bola para a frente e, se um banqueiro lhes mostrar uma maneira de transferirem um problema do presente para o futuro, embarcam nisso,” diz Gikas A. Hardouvelis, economista, ex-funcionário governamental que colaborou recentemente na redacção de um relatório sobre as políticas e práticas contabilísticas na Grécia.
Wall Street não criou o problema do défice na Europa. Mas, os banqueiros permitiram que a Grécia e outros países pudessem obter empréstimos e gastar para além dos seus meios através de operações financeiras perfeitamente legais. Há poucas regras que regulem como é que os países podem obter os empréstimos de que precisam para financiar as suas despesas, tal como as despesas militares ou da saúde. O mercado da dívida soberana - o termo de Wall Street para os empréstimos feitos aos governos - é tão desregulado como vasto.
“Se um governo quer fazer batota, pode fazer batota,” diz Garry Schinasi, um veterano do serviço do Fundo Monetário Internacional de supervisão dos mercados de capitais que monitoriza a vulnerabilidade dos mercados de capitais internacionais.
Os bancos exploravam avidamente o que era, para eles, uma simbiose altamente lucrativa com governos gastadores.
Embora a Grécia não tenha posto em marcha a proposta do banco Goldman Sachs, de Novembro 2009, já tinha pago ao banco cerca de 300 milhões de dólares pelos serviços de montagem da operação financeira de 2001, de acordo com diversas pessoas da banca conhecedoras do negócio.
Tais derivados, que não são claramente documentados ou facilmente desvelados, aumentam a incerteza quanto à profundidade dos problemas da Grécia e quanto a que outros países poderiam ter usado este tipo de contabilidade fora do balanço.
A maré de medo está agora a estender-se a outros países com dificuldades económicas na periferia de Europa, tornando o crédito mais caro para países como a Itália, Espanha e Portugal.
Para conseguir todos os benefícios de unir a Europa através de uma moeda única, o nascimento do euro veio com um pecado original: países como a Itália e a Grécia entraram na união monetária com défices mais elevados do que era permitido pelo Tratado que criou esta moeda. Em vez de aumentarem impostos ou reduzirem despesas, estes governos, pelo contrário, reduziram artificialmente os seus défices com produtos derivados.
Os produtos derivados não têm que ser considerados sinistros. A operação financeira de 2001 envolveu um tipo de derivado chamado “swap”. Um tal instrumento, também designado por “swap” de taxas de juro pode ajudar empresas e países a gerirem as flutuações dos custos das suas dívidas, através da substituição de pagamentos a taxa de juro fixa por pagamentos a taxa variável, ou vice-versa. Um outro tipo de operação financeira, o “swap” de divisas, pode minimizar o impacto da volatilidade das taxas de câmbio.
Mas, com a ajuda do banco JPMorgan, a Itália pôde fazer mais do que isto. Apesar dos défices persistentemente elevados, um produto derivado ajudou a Itália, em 1996, a apresentar um orçamento em ordem, por meio de uma operação de “swap” de divisas com o banco JPMorgan, a uma taxa de câmbio magnânima, o que deu efectivamente em pôr mais dinheiro à disposição do governo. Em troca, a Itália comprometeu-se a pagamentos futuros que, nessa medida, não ficaram registados como responsabilidades naquele orçamento.
“Os derivados são um instrumento muito útil,” diz Gustavo Piga, um professor de economia que elaborou um relatório para o Council of Foreign Relations sobre aquela operação financeira italiana. “Só se tornam perniciosos se forem usados para mascararem artificialmente as contas. ”
Na Grécia, o malabarismo financeiro foi ainda um pouco mais longe. Numa espécie de venda em saldos à escala nacional, as autoridades gregas, no fundo, hipotecaram os aeroportos e as auto-estradas do país para arranjarem o dinheiro de que muito precisavam.
A “Aeolos”, uma entidade legal criada em 2001, ajudou a Grécia a reduzir a sua dívida nas contas desse mesmo ano. Como base do negócio a Grécia recebia de imediato dinheiro vivo e, em contrapartida, dava como garantia de pagamento as receitas futuras dos aeroportos do país. Uma transacção similar, em 2000, designada por “Ariadne”, engoliu o rendimento do governo provindo da lotaria nacional. A Grécia, contudo, classificou estas transacções como vendas, não como empréstimos, apesar das dúvidas de muitos críticos.
Este tipo de acordos tem levantado grande controvérsia nos círculos governamentais há muitos anos. Já em 2000, os Ministros das Finanças europeus tinham debatido acaloradamente se os produtos derivados usados na “contabilidade criativa” deviam ser explicitados.
A resposta foi não. Mas, em 2002, foi requerida a explicitação das contas relativamente a muitas entidades como a “Aeolos” e a “Ariadne” que não apareciam na contabilidade pública, pressionando os governos a reconsiderar estas operações como empréstimos e não como vendas.
Mesmo assim, tão recentemente como em 2008, o Eurostat, a entidade estatística da União Europeia, relatava que “em algumas instâncias, as operações de titularização analisadas parecem supostamente ter sido concebidas para conseguir obter um dado resultado contabilístico, independentemente do mérito económico da operação. ”
Embora tais estratagemas contabilísticos possam ser benéficos a curto prazo, podem revelar-se desastrosos no longo prazo.
George Alogoskoufis, que foi Ministro das Finanças da Grécia após a mudança de governo depois do negócio com Goldman Sachs criticou esta operação no Parlamento, em 2005. A operação, apontou Alogoskoufis, comprometia o governo a grandes pagamentos ao banco Goldman Sachs, até 2019.
George Alogoskoufis, que saiu do cargo há um ano, declarou na última semana, numa mensagem por e-mail, que o banco Goldman Sachs concordou mais tarde em reconfigurar o acordo “para restaurar a sua imagem junto da república. ” Declarou também que a nova configuração era melhor para a Grécia do que a anterior.
Em 2005, o banco Goldman Sachs vendeu o “swap” de taxas de juro ao National Bank of Grece, o maior banco do país, segundo disseram duas pessoas informadas da operação.
Em 2008, o banco Goldman Sachs ajudou este banco a colocar o “swap” numa entidade legal chamada “Titlos”. Mas, segundo a Dealogic, uma empresa de estudos financeiros, o banco reteve as obrigações emitidas pela “Titlos” para as utilizar como colateral para obter empréstimos adicionais junto do Banco Central Europeu.
Edward Manchester, Vice-Presidente da agência de rating Moody’s, afirmou que o negócio, no final, levaria a Grécia a perder dinheiro por causa dos compromissos de pagamentos a longo prazo.
Referindo-se à operação de “swap” da “Titlos” com o governo da Grécia, disse: “Este “swap” será sempre não rentável para o governo grego. ”
(Continua)
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