Passavam o dia a fazer e a desfazer as curtas trancinhas que lhes enchiam a cabeça toda e eu não entendia nada do que elas diziam. Pareciam de outro país e não me ligavam nenhuma.
Com o meu espanto de miúda, não percebia quem elas eram, tão diferentes de toda a gente que conhecia. Nunca tinha visto ninguém com aquele aspecto. Não era por serem pretas – e elas eram mesmo muito pretas – porque eu já estava farta de ver pessoas com a cor da pele diferente da minha. Mas aquelas tinham uma roupa diferente e, sobretudo, achava estranhíssimo haver quem passasse os dias a pentear-se e a despentear-se. E os meus olhos abertos, ficavam parados nelas, assim como sempre ficam os olhos das crianças quando se deparam com acções estranhas que não percebem.
Disseram-me que eram da Guiné.
Ainda não havia guerra mas aquele hospital chamava-se “do Ultramar” e era para lá que vinha tratar-se toda a gente dessas zonas do mundo que eu não fazia a menor ideia que eram colónias. Sabia lá eu, com aquela idade, o que eram colónias!
E, devido a essa estranheza, pouca gente falava comigo. As enfermeiras tinham mais que fazer. Só me restava o João, o miúdo de Angola que queria os meus bolos.
Quem me ia visitar, enchia-me de bolos, mas eu não gostava de bolos. Queria era os livros de histórias que se esqueciam de levar. E aí ficava eu enjoada só de olhar para aquelas desprezíveis coisas que desejava que tivessem levado de volta. Quem as comia era o João. Mas, primeiro, tinha que ir à rua ver se a minha mãe já lá vinha. E ela, às vezes, não vinha porque as minhas irmãs ainda eram mais pequenas do que eu e tinha que tratar delas.
O João comia os bolos na mesma. E eu, para me vingar, cantava em altos berros “A Rosinha dos Limões”, enquanto as mulheres da Guiné faziam e desfaziam as trancinhas e falavam continuamente naquela incompreensível língua.
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