Sexta-feira, 4 de Fevereiro de 2011

Um livro que eu li. Um desafio à leitura.

 

 

 

 

 

 

 

 

João Machado

 

Somerset Maugham e Maquiavel – alguns comentários à roda de um livro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Julgo que nos anos quarenta, William Somerset Maugham (1874-1965) escreveu um romance com Maquiavel (1469-1527) como personagem central, inspirado na peça que este escreveu, La Mandragola. Partindo do enredo da peça, Somerset Maugham por seu turno tece um enredo, em que Maquiavel tem um papel central, o do pretendente a sedutor, mas dá à história um tom humorístico, pondo o cínico e experimentado florentino a ser ultrapassado na recta final de um modo divertidíssimo, por outro candidato, muito mais jovem. Este romance que, vocês têm de ler se ainda não o fizeram, foi traduzido para português por Erico Veríssimo, em 1948. Em Portugal saiu na colecção Miniatura, em data que não consigo precisar. Também não consegui descobrir o título em inglês (terá sido Then and Now? Este romance foi publicado em 1946, e nunca o encontrei).

 

Somerset Maugham foi um autor extremamente prolífico, que escreveu peças de teatro, romances (os mais famosos foram Of Human Bondage e The Razor’s Edge), e contos. Nesta última modalidade foi um mestre, e deixou centenas deles, alguns deles muito famosos como The Lunch. Teve colaborações em jornais, revistas, etc. Foi sem dúvida um escritor de grande talento, que dominava as melhores técnicas da sua arte. Muito observador e perspicaz, chegou trabalhar com os Serviços Secretos do seu país, tendo escrito Ashenden, com base nesta experiência. Como curiosidade, já li uma referência sobre a influência que este trabalho terá tido sobre Ian Fleming, o criador de James Bond. Mas alguns opinam que Somerset Maugham, culto e talentoso como era, no seu trabalho não foi um escritor original, inspirando-se por vezes na obra de outros autores, como Dickens e Wilde.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

De qualquer modo, este romance, Maquiavel e a Dama, é extremamente agradável e lê-se com grande facilidade. Um aspecto de grande interesse é a reconstituição do ambiente e da vida da época que o autor nos oferece, acompanhada de elementos históricos importantíssimos, nos quais o enredo se encaixa facilmente. Consegue-se ter uma imagem de Maquiavel muito verosímil, dando-lhe uma faceta humana, sem de modo nenhum o querer transformar num bom rapaz (que ele realmente nunca deve ter sido). A propósito, recordo-lhes que La Mandragola é tida como uma das melhores comédias escritas no século XVI, e que o ensaísta inglês Macaulay (1827) chegou a opinar que Maquiavel, se se tivesse dedicado ao teatro, poderia ter sido um dos maiores dramaturgos de todos os tempos. Terá exagerado, na medida em que Maquiavel fez outras incursões no teatro, que não foram tão felizes. Mas ele dedicou-se foi à política. Ainda, a propósito, para os que gostam, descubram o que o historiador inglês Lorde Acton (1834-1902) escreveu sobre Maquiavel, na introdução a uma edição de Il Principe, de 1891, da Clarendon Press, Oxford.

 

É preciso lembrar que Maquiavel foi o primeiro pensador que analisou a política e os fenómenos sociais, sem se apoiar na ética ou na jurisprudência. Foi contra os princípios aristotélicos dominantes na altura em que viveu, segundo os quais a política era uma mera extensão da ética. Acho que o Somerset Maugham, de um modo afável e divertido, nos dá neste romance uma ideia muito razoável do homem e da época.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

publicado por João Machado às 16:00
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3 comentários:
De Luis Moreira a 4 de Fevereiro de 2011
Tenho na minha mão o livro, "Maquiavel em 90 minutos" de Paul Strathern. Niccoló Maquiavel (Machiavelli) nascido em Florença a 3 de Maio de 1469. Exercer a política sem estados de alma, racionalmente, manter-se no poder friamente...é o que se vê mais por aí, seguidores tem!
De João Machado a 4 de Fevereiro de 2011
Luís, hás-de de me emprestar esse livro. Mas sabes, por um lado, o Maquiavel não era um santo. Mas por outro, o que contribuiu muito para a má fama dele foi o ser contra o poder temporal do papa, nomeadamente contra a existência dos estados pontifícios. A Igreja nunca lhe perdoou essa. O Maquiavel, se tinha preferências quanto à forma de governo, era pela república. Serviu tanto a república, quando foi implantada em Florença, como os Médicis. Os tempos eram terríveis, e Maquiavel parece que não achava a ética a sua prioridade. Mas aquilo que ele defendia era a unificação da Itália. Na época, emergiam as nações-estado. E ele preconizava a unificação da Itália, que só se verificou no século XIX. Defendia a criação de um exército permanente, para combater a dependência dos mercenários. Embora nunca tenha conseguido encontrar quem pusesse esta ideia em prática, historicamente a análise das ideias que desenvolveu são do maior interesse.
De Luis Moreira a 5 de Fevereiro de 2011
Pois são, João. E eu empresto-te o livro na próxima 5 fª.Abraço

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