Sexta-feira, 10 de Dezembro de 2010
Augusta Clara de Matos
Um dia percebi que as palavras me andavam a trair. E não só as alheias. As minhas amigas e fieis palavras, as minhas próprias palavras tinham-me traído. E calei-me. E juntei-me ao silêncio.Mas, também, ele me traiu e não resolvi o problema. Fiquei atenta e ouvi o silêncio falar muito mais do que as palavras. É tão eloquente! E quando elas, as palavras, o querem disfarçar, ele faz-lhes um manguito: “Cumpram a vossa missão que eu cumpro a minha”.As palavras não são capazes de falar pelo silêncio, nem o silêncio por elas. Não há escapatória, tudo passa por um ou por outras. Foi só escutar o silêncio porque a elas, as palavras, já não as consigo ouvir. Têm um buraco no meio, estão ocas. Perderam a essência, o coração. Já não têm força nem cor. São pálidas sombras do que foram, as palavras. As minhas palavras.
Onde me vou esconder para lhes escapar? Debaixo da vírgula, na caverna dos dois pontos, encolhida numa cova do til? Talvez debaixo da tecla do delete, com algodão nos ouvidos.
Quinta-feira, 16 de Setembro de 2010
Augusta ClaraE os sonhos que nós sonhamos quando já não estamos a dormir?! Naquela fronteira em que tudo é, ainda, possível.
Insistimos, insistimos e eles continuam. Como os meninos que queriam que os deixassem continuar a acreditar no Pai Natal. Já nem sabemos se temos os olhos fechados ou abertos. Têm um narrador e tudo se desenrola a contento. E, quando não, a história começa a encravar. Repete uma frase, repete, repete, como um velho disco riscado. Damos-lhe um empurrão, ao narrador ou à história? Retoma-se o fio…na parte em que se era feliz. Tudo se recompõe e a felicidade é tão fácil!
E o narrador sabe tudo, de nós, dos outros e do que lhes vai na mente, do nosso destino, do que estava para ser mau mas vai ser bom, de todos os enredos que fazem a delícia de uma boa história. Pode endireitar tudo este narrador dos nos sonhos semi-acordados. É o amola tesouras da nossa alma. Raia o sol e ele toca aquela gaita como as canas dos índios e chama-nos para o sonho a construir. O tempo é muito pouco, temos que o aproveitar bem.
Até que a névoa se rasga. Todas as manhãs. Que crueldade!
E era tudo possível. Mas já não é outra vez.
Que mecanismo me faz isto? Que maquiavélico mestre desenrola a cena toda, me torna feliz, enrola o tapete, cerra o pano, fecha as luzes, acende o dia? Leva-me os actores?
Para que quero eu o dia?
Se eu fosse poeta, era muito fácil contar-te este sonho porque a poesia é o sonho escrito. Tudo faz sentido. E tu mo explicarias.
Um dia vou sonhar que o sonho é verdadeiro e vou acordar de repente. Apanho-o pelos calcanhares. E, então, talvez, tu fiques mesmo comigo.
Terça-feira, 7 de Setembro de 2010
Ethel FeldmanSe ele disser que me ama, faço um poema, porque sempre acreditei nele. Quando disser que acabou, como tudo acaba um dia, não vou acredita. Ele mente quando respira.
Se me abraçar e der um beijo na boca, vou estar certa de tudo que sente e não sente.
Vou confundir o presente com o passado, e chorando direi: - Nunca me amaste!
Se ele insistir que no passado o sentimento era outro. Indignada gritarei: - Mentiroso!
Quando partir estarei fechada no quarto acariciando a dor.
À noite, abraçarei o vazio, com um nó na garganta, soletrarei: - ele sempre me amou! Perdida no tempo, entre o que é e o que foi, entre o que quero e perdi, passeio entre bosques, vejo fadas e anões. Pergunto pela raposa. Ninguém me responde.
Quando ele voltar e disser envergonhado que o nosso amor é eterno, vou acreditar.
- Luis, olha o jantar que esfria...
- Só janto quando acabar o futebol....
- Mas...
- Deixa-me em paz! Nem aqui descanso... GOOOOOOOOOOOOL