Quinta-feira, 2 de Junho de 2011

O Momento Político - por João Machado

Este é um texto sobre o processo eleitoral, o que se deseja que dele resulte para o país, e como se vê o futuro de todos.

 

Estamos a três dias das eleições legislativas. Os portugueses estão profundamente traumatizados com a situação em que o país se encontra. Vão votar sob o peso de pesados condicionalismos, nomeadamente os derivados da  situação económica e financeira, que lhes são apresentados como sendo sem saída, obrigando-os a pagar pesados encargos a entidades supranacionais, em relação às quais não dispõem de qualquer poder, nem sequer o das eleger numas quaisquer eleições.

 

Para a generalidade dos portugueses, habituados secularmente à submissão ao rei, à igreja, aos ricos e poderosos, a situação parece sem dúvida sem saída. O que há á fazer é escolher quem vai negociar com essas entidades, de preferência alguém que esteja bem visto por elas. Pode ser que assim se consiga alguma indulgência. Mais uns fundos, mais uns empréstimos. Ir ao fundo das questões nunca, porque quem está acima pode sentir-se melindrado e ameaçar com mais medidas restritivas.

 

Não estou a dramatizar ou a querer chocar quem tiver a paciência de me ler. Perdoar-me-ão, mas este é o estado de espírito de muitos portugueses. Há os que entram em fuga psicológica e não vão votar, nem querem ouvir falar das eleições. Não os condeno. Simplesmente penso que a sua atitude é de quem está farto desta tragicomédia, desistiu,  e deixa andar o destino. Entretanto, há outros, sem dúvida o maior contingente, que vai votar  para escolher o mais sedutor, o que melhor consegue assumir o ar de bem comportado, mais convincente, para levar a Merkel, o Trichet, o Sarkozy, o FMI, etc. Obviamente que não vão escolher ninguém que defenda que tem de se bater o pé a quem nos quer subjugar, ou que diga que a subida que a subida das taxas de juro não se deve assim tanto aos nossos pecados, mas muito mais à ganância de alguns senhores.

 

A verdade é que no domingo o grosso do pessoal vai votar nos bem comportados, e que Portugal vai estar cada vez mais mergulhado numa depressão profunda.

 

Pouco interessa que vá para lá o Sócrates (sem dúvida um tipo muito mau) ou o Passos Coelho (não deve ser melhor) e que o Paulo Portas esteja no governo pela certa. O problema é que os portugueses (perdoem a imagem tauromáquica) não aceitam que têm de agarrar o destino pelos cornos, e torcê-lo bem torcido. Que não é matando-se a trabalhar ou deixando-se morrer de fome que vão conseguir endireitar o país. Nem emigrando em massa (ia a dizer fugindo em massa).

 

É claro que tem de se produzir mais e melhor. Mas para se conseguir esse grande objectivo é preciso antes do mais romper com a santa aliança que controla a vida económica do país, formada pela banca, pelos grupos económicos, com relevo entre estes, durante os últimos cinquenta anos, pelos empresários ligados á construção civil e pela massa trabalhadora, com salários baixos, mas a quem foi concedido o “privilégio” (entre aspas, mas que aspas) do crédito barato e acessível. Os frutos dessa santa aliança estão à vista. Em 1969 estimava-se que em Portugal seria preciso construir  quinhentos mil fogos. Hoje em dia fala-se em centenas de milhar acabados e prontos para a venda, mas que não encontram comprador. A taxa de natalidade caiu abruptamente, e a população envelhece a olhos vistos. A emigração voltou a aumentar. Importa-se 80 % do que se consome.

 

Os grupos económicos, muito centrados na construção civil e afins, procuram agora virar-se para a saúde, a educação e a área social (veja-se o caso dos lares, residências, apoio domiciliário, e outras valências destinadas aos idosos. Claro que aos idosos que podem pagar). No que respeita à indústria e à agricultura, só se interessam pelos produtos que se destinam à exportação. Estas exportações estão sempre afectados pelo valor alto do euro, em relação ao dólar, ao iene, yuan, e outras moedas. Este valor alto dificulta as exportações, e favorece as importações, contribuindo de certo modo para desencorajar a nossa indústria. A este respeito, veja-se o caso dos produtos chineses.

 

Sobre estes assuntos o programa da troika nada diz. O que só demonstra que não vai resolver os nossos problemas. Vai contribuir para um endividamento ainda maior, e agravar a dependência ao exterior. É óbvio que não estamos em tempo de autarcia, e que a abertura ao exterior não é, em si, necessariamente, um mal.


Mas há que produzir mais e melhor, não só para exportar, mas também para fazer face, numa escala muito maior, ás nossas necessidades. O problema do crédito exigiria um grande reforço da Caixa Geral de Depósitos, que nunca poderia ser privatizada, ao contrário do que, insensatamente, preconiza Passos  Coelho (nem Ricardo Salgado apoia tal disparate).

 

Não vou propor que votem neste ou naquele partido. Mas a realidade é esta. Sair da Europa, ou mesmo só do euro, nesta altura, parece muito difícil. Mas as directrizes que visam sobretudo defender os bancos e os mercados financeiros têm de ser contrariadas.

 

Sejam pela clareza e pela frontalidade. Votem bem. Um abraço.  

publicado por Carlos Loures às 23:00

editado por João Machado às 23:19
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Terça-feira, 31 de Maio de 2011

A Fundação Mário Soares convida - ELEIÇÕES E SISTEMAS ELEITORAIS NO SÈCULO XX PORTUGUÊS

publicado por Carlos Loures às 09:00

editado por Luis Moreira em 28/05/2011 às 01:29
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Sexta-feira, 20 de Maio de 2011

Porque o sonho é possível - A Resistência ao FMI

(ilustração de José Magalhães)

 

 

 

(Pedimos desculpa pela má tradução)

 

 

Grécia, Irlanda e Portugal

Bancarrota ou democracia?

por Nick Dearden [*]

 

 

Mesa da conferência de Atenas. Não chega a ser surpresa que as centenas de pessoas reunidas na conferência de que acabo de retornar concordassem em que o pacote de "salvamento" da Grécia aprovado há 12 meses fracassou em proporcionar uma solução para o problema de dívida do país.

Organizado por um espectro da sociedade civil grega de amplitude sem precedentes, o evento internacional lançou o apelo para que a Grécia (e agora a Irlanda) abra as suas dívidas aos povos daqueles países para uma discussão pública de quão justas e legítimas realmente são elas. Veteranos do Brasil, Peru, Filipinas, Marrocos e Argentina disseram aos activistas gregos para "permanecerem firmes" e não se submeterem a 30 anos de recessão devastadora por imposição de instituições como o Fundo Monetário Internacional.

O florescente movimento europeu de oposição a reembolsos de dívida e à austeridade está a fazer ligações concretas com grupos do Sul global e apresenta uma confiança e uma racionalidade que está a um milhão de quilómetros dos governos da Grécia e da Irlanda, os quais têm seguido políticas punitivas das pessoas comuns a fim de reembolsar banqueiros imprudentes.

Simplesmente não é possível que as políticas infligidas à Grécia, Irlanda e agora Portugal reduzam o fardo da dívida daqueles países – acontecerá exactamente o oposto, como se viu desde a Zâmbia na década de 1980 até a Argentina no princípio da última década. Políticas semelhantes àquelas que estão a ser infligidas sobre a Europa viram o rácio dívida-PIB da Zâmbia duplicar na década de 80 quando a economia se contraiu. A Argentina incumpriu as suas dívidas maciças em 2011, após uma recessão de três provocada pelas políticas do FMI. Tal como à Irlanda hoje, disseram à Argentina que ela havia ido longe demais, apesar de a dívida ter sido incorrida por um desastroso conjunto de privatizações e de um atrelamento da divisa impingido ao país pelo mesmo FMI. Trata-se de uma economia que começou a recuperar-se um mês após o incumprimento.

 



Então, por que é que estas políticas ainda estão a ser prosseguidas? Quase todo comentador soube desde o primeiro dia que os pacotes de "salvamento" não tornariam sustentáveis as dívidas da Grécia ou da Irlanda. Mas delegados na conferência deste fim-de-semana foram claros – que isto não é o problema em causa. O problema em causa é recuperar tanto dinheiro dos investidores quanto possível, por mais responsáveis que aqueles investidores fossem pela crise, e transferir o passivo para a sociedade.

Mesmo que a Grécia e a Irlanda precisem salvamento adicional em dinheiro ou reestruturação através de alguma espécie de títulos – as mesmas medidas impostas à América Latina na década de 1980, as quais criaram montanhas de dívidas tão grandes que aqueles países ainda estão a sofrer as consequências – os investidores privados terão de ser pagos. O argumento entre as populações da Alemanha e da Grécia torna-se quem pagará a maior parte da conta, criando um perigoso nacionalismo já muito evidente.

A PREFERÊNCIA PELO ESCURO

O Comissário Europeu para Assuntos Económicos, Olli Rehh, tem dito continuamente aos governos que estes assuntos são melhor cuidados no escuro – a discussão pública é fortemente desencorajada. Aqueles que realmente pagam o preço da austeridade discordam e activistas na Grécia e na Irlanda dizem que o primeiro passo em qualquer espécie de solução justa deve ser uma auditoria da dívida – modelada sobre aquelas executadas em países em desenvolvimento como o Equador.

Sofia Sokarafa. Uma auditoria da dívida proporcionaria aos povos da Europa conhecimento sobre o qual basear decisões verdadeiramente democráticas. Como afirmou na conferência Sofia Sakorafa – a deputada grega que se recusou a assinar os termos do salvamento e saiu do partido governamental PASOK: "a resposta à tirania, opressão, violência e abuso é conhecimento". Andy Storey do grupo irlandês Afri reflectiu isto, dizendo que a finalidade de uma auditoria é "remover a máscara do sistema financeiro que controla nossa economia".

Os resultados de uma auditoria podem ser rápidos e concretos. Maria Lúcia Fattorelli , do Brasil, é uma veterana de auditorias da dívida e em 2008 ajudou grupos equatorianos a efectuarem uma auditoria endossada pelo presidente Correa. A economista classificou Correa como "incorruptível" quando as despesas públicas ascenderam, após o êxito do incumprimento nos títulos a seguir à auditoria. Entrar em acção agora poderia significar poupar países europeus das três décadas de desenvolvimento retardo experimentadas por países latino-americanos.

Mas os activistas reunidos este fim de semana acreditam que uma auditoria da dívida pode ser o arranque de algo ainda mais fundamental – um novo modo de pesar acerca da economia. Como afirmou Sakorafa, uma auditoria é o começou de uma recuperação de valores e de visão para mostrar "para além dos jogos de especulação no mercado, que há conceitos mais valiosos; há pessoas, há história, há cultura, há decência".

Tal rejuvenescimento da visão política é vital se não se quiser que a crise provoque empobrecimento e estimule hostilidades inter-europeias. No domingo, o economista irlandês Morgan Kelly disse que o seu país estava a caminhar para a bancarrota. Uma reunião secreta de líderes europeus na sexta-feira à noite chegou à mesma conclusão acerca da Grécia – um país que nos dizem estar a perder 1000 empregos por dia e onde a taxa de suicídios duplicou. O pacote de €78 mil milhões do salvamento de Portugal, dependente de um congelamento de salários na função pública e nas pensões, redução de compensações no despedimento de trabalhadores e cortes nos subsídios de desemprego exactamente no momento em que os números do desemprego estão a atingir níveis recorde, terá um impacto semelhante. Por toda a parte emigrantes estão a sair destes países em busca de melhores perspectivas.

Nenhuma quantia de compensação reparará o dano destas políticas que arruinarão a sociedade – como os delegados presentes do mundo em desenvolvimento testemunharam. Não há razão para a Europa esperar 30 anos para aprender esta lição. Um movimento europeu e internacional deve compensar a pobreza de visão dos nossos líderes. Sinto que tal movimento pode ter nascido em Atenas.

 

 

Do mesmo autor:



Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

 

17/Mai/2011

 

 

 

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publicado por Augusta Clara às 19:00
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Quarta-feira, 23 de Março de 2011

Os rivais eternos, por Raúl Iturra

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os eternos rivais de que falo não são o gato e o cão da minha imagem. Antes fossem! Porque os eternos rivais são pessoas de dois países fronteiriços, sempre de costas viradas, o mais forte sempre a invadir o mais fraco. Como o leitor pode adivinhar, estou a falar do nosso pequeno país Portugal, e do gigante que o rodeia a Espanha. Digo pequeno, por ser a população de não mais de dez milhões de habitantes, enquanto a Espanha conta com trinta e nove milhões. As relações entre estes dois países nem sempre foram harmoniosas, apesar dos desencontros terem sido esporádicos. Claro que exagero que estes países sejam como o cão e o gato. Em tempos, Isabel de Castela, podia ter sido pretendente ao trono de Portugal por ser filha de uma Infanta Portuguesa, Isabel da casa de Avis. Isabel de Castilha, filha de Juan II de Castilla e da sua segunda mulher, Isabel de Portugal (1428-1496), nasceu em Madrigal de las Altas Torres (Ávila) a 22 de Abril, Quinta-Feira Santa, de 1451, no paço que hoje é ocupado pelo Monasterio de Nuestra Señora de Gracia. Lugar e data de nascimento, têm sido historicamente discutidos, ninguém, há época, estava consciente da importância que essa menina teria no futuro Juan II de Aragón, que tratou de negociar em segredo com Isabel a boda do seu filho Fernando. Foi bem sucedido, após grandes batalhas de Corte por causa de serem primos, mas o Vaticano dispensou este impedimento, passando assim Fernando de Aragón a ser príncipe consorte de Isabel. Ora, durante seu reinado unificou a Espanha, ganhou as guerras com os emiratos árabes que ocupavam a península e enviou-os para a sua terra, tal como aos mouros que regressaram à sua terra Natal, Marrocos. O resto da história está no meu livro Esperanza, uma história de vida, editado por Estrolabio, 2010, Lisboa, texto que pode ser acedido em:  http://estrolabio.blogs.sapo.pt/. Para acabar com a História de vida de Isabel, que recebeu do Vaticano o título da Católica pelas suas proezas de converter, sem medo do perigo, toda a península hispânica, ao catolicismo, confiandoem Cristóvão Colombo para circum-navegar os mares proibidos ou temidos, até encontrar uma terra, que denominara Índias Orientais, convicto que estava de ter descoberto uma outra passagem para a Índia, contudo, ao reparar no seu engano navegou pela costa, mais tarde mapeada e cartografada por Américo Vespucio, desta dádiva de Colombo à sua protectora Isabel. Outro motivo, ainda, para ser chamada Isabel a Católica, enobrecer o descobridor, que passou a ser duque de Carvajal, com os seus descendentes ainda vivos e endinheirados.

 

Até este ponto, não parece haver uma rivalidade eterna entre as duas monarquias, pelo contrário, havia parentesco de consanguinidade entre os habitantes dos dois reinos. No caso de Isabel, e apesar dos esforços do seu irmão, Enrique IV, para a casar com Afonso V de Portugal, o que não veio a ocorrer porque Isabel o achou demasiado velho. Contudo, Enrique IV, que pelo Tratado de los Toros de Guisando teria de aprovar o matrimónio de Isabel, continuava, mesmo após a rejeição de sua irmã por Afonso V, a querer a aproximação ao reino de Portugal, pela via do matrimónio, restando-lhe a sua filha Juana que veio a casar com Juan II de Portugal, filho de Afonso V de Portugal. Assim, Isabel, como membro da família real, iria para o reino vizinho e, à morte do seu esposo, o trono de Portugal e de Castela passaria para D. João II de Portugal e sua esposa, Juanala Beltraneja. Qual, porém, a rivalidade? A rivalidade era casar a Isabel com o Rei de Portugal, ou a filha, Juana a Beltraneja, com o Infante herdeiro do trono português.

 

 

 

publicado por João Machado às 14:00
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Quinta-feira, 10 de Fevereiro de 2011

ANDAM FANTASMAS NA BRUMA PORTUGUESA - por José Magalhães

É um Portugal nebuloso o que temos hoje em dia, cheio de secretas esperanças e de cada vez menos valores. Com a revolução, já lá vão uma quantidade de anos, chegou a democracia nas palavras que depressa desapareceu nos actos (se alguma vez chegou a existir neles), chegou alguma modernidade e um moderado desenvolvimento, subiu temporariamente o nível de vida de uns quantos, com todos a passaram a considerar-se aristocratas e, fruto de inúmeros erros, os critérios das escolhas das chefias baseados na competência foram desaparecendo como que por encanto, substituídos pelo laxismo, facilitismo, pelo grupo político predominante e pelo favorecimento económico.

 

Desde o tempo do poeta Pessoa que os fantasmas povoam o nosso imaginário, se bem que mesmo antes do primeiro quarto do século passado, seja certo que também eles por cá tenham andado.

Nessa altura quase só se falava do saudoso Rei, Sebastião fedelho imberbe e esperança de um povo, falecido ou não às mãos calejadas dos mouros infiéis, ou do outro, Rei assassinado às mãos dos da nova situação.

Se nessas alturas vivíamos sebastianicamente no desejo intenso do seu regresso, numa nevoenta manhã e expoente máximo que viria a ser na vida Portuguesa, hoje em dia em nada é diferente, excepto nos objectos da esperança.

Hoje suspira-se pelo regresso de  Salazar ou de Sá Carneiro, pelos ideais do 25 de Abril ou pela democracia, pelas ajudas europeias ou pela moeda chinesa, pelas novas oportunidades ou pelo rendimento mínimo, por não pagar impostos ou por comprar bom e barato mesmo que roubado, pelo petróleo que não temos ou pelas energias alternativas, pelo FMI ou por novo e competente governo, mas sempre na secreta esperança de poder viver em grande e trabalhar moderadamente.

Nos dias de hoje sentimo-nos roubados, injustiçados e mal geridos, mas vivemos a expensas do Estado e da sua caridade, dizemos como sempre se disse, mal de tudo e de todos, temos fome de democracia e sede de justiça (desde que se não aplique a nós) e, mais uma vez estamos sem estaleca para nos rebelarmos, deixando tudo para que os outros façam por nós o que deve ser feito, mesmo sabendo que nunca o farão.

 

Para só falar de uma das bases da vida de um povo, a par da saúde e do trabalho, a reforma das reformas das reformas do ensino que se têm vindo a efectuar nos últimos trinta anos, feitas em especial para os primeiros ciclos de aprendizagem (primário e secundário), colocaram o nível da educação em Portugal numa plataforma muito baixa. A falta de autoridade dos professores e a falta de qualidade de muitos deles (como em todas as profissões), em conjunto com o aumento exagerado do protagonismo dos encarregados de educação, que entretanto se esqueceram que o trabalho de educar começa em casa, e com a arrogância e rebeldia não controladas dos alunos, e ainda com a política instalada do ‘politicamente correcto’ e com a caça aos votos, também ajudam a este estado de coisas.

A nossa falta de capacidade para nos bastarmos a nós próprios, vivendo anos a fio acima das nossas possibilidades, conjuntamente com o cada vez maior grupo de cidadãos egoístas e convencidos da sua superioridade (que copiam de alguma forma o que de mau existe por essa Europa fora e têm poiso perene nas cadeiras do poder), uma elite oca fútil e caduca que não aceita os de classe economicamente mais desfavorecida como seus pares ou até, tão pouco como seres humanos, revelando-se no fim pouco menos que miseráveis e donos de uma mentalidade senhorial e colonial, começam a ser olhados de maneira pouco simpática pelos detentores dos votos a dar, e fazem já parte do anedotário universal.

É uma realidade nebulosa a que se vive em Portugal, com o comum dos cidadãos continuadamente à espera daquele salvador que há-de vir numa manhã de nevoeiro, mas que enquanto tal desiderato não acontece vai vivendo sonolentamente na dependência de subsídios de toda e qualquer espécie fornecidos pelo Estado convencido do direito que lhe assiste em viver assim.

Triste Portugal, por onde e para onde estas gentes mandantes te estão a levar, cantando e rindo.

publicado por Carlos Loures às 19:00

editado por Luis Moreira às 17:43
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Quinta-feira, 3 de Fevereiro de 2011

ANTÓNIO BOTTO NO BRASIL – 17– por António Sales


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Da esquerda para a direita Abel Manta, Aquilino Ribeiro, Gualdino Gomes e Júlio da Costa Pinto à porta da Havaneza de Lisboa em 1938.

 

 

 

 

Percurso Esgotado

(continuação)

 

Durante longos doze dias a presença constante de amigos nunca deixou só D. Carminda, dia e noite a seu lado falando-lhe baixinho na esperança de o despertar do estado de coma. Botto sofre, luta contra a morte lá no fundo do seu alheamento, mas Caronte e a sua barca esperam-no na Baía de Guanabara. Há uma luz cristalina que lhe abre um caminho infinito por um túnel de cânticos. É a luz de Lisboa a abençoá-lo com as pequenas casas de Alfama a descreverem um desenho suave sobre o rio. Há varinas na rua gritando o peixe, ardinas correndo a vender jornais, amoladores de facas e navalhas anunciando-se ao som estridente da flauta. Olha o Fernando no Martinho da Arcada, o Pacheko a pintar cenários para revistas, a Amália a cantar no Luso, a Beatriz Costa a fazer uma rábula no Variedades! À porta da Bertrand está o Aquilino Ribeiro e o seu grupo e o Gualdino Gomes, esse crítico arrasador, continua a frequentar o Café Chiado onde se encontram agora os neo-realistas. Nas avenidas passam Buicks, Chevrolets, Studbakers. Vem ali o Villaret a declamar a Julieta do Beco das Cruzes e o Filipe Pinto a cantar um fado meu. Raul Leal diz-me que me esperas e tu, António Ferro, também. Já vou, já vou aí!

 

Talvez nunca se tenha sentido tão tranquilo, tão seguro de si, tão suavemente humano como neste dia 16 de Março de 1959. Não há dúvidas nem certezas, tampouco vaidades e egoísmos. Está tudo finalmente concluído e cumprido. Um silêncio de luzes mortas ilumina-lhe a estrada para além. Carminda toma-lhe as mãos e sobre elas repousa as lágrimas de uma vida. Enche-se o quarto da generosidade daquela mulher, do seu amor indimensionável. Há pessoas assim capazes de sacrifícios pelos outros. Nos limites de uma consciência para além do coma mortal reconhece na rapidez de um segundo que não tem mais o direito de a sacrificar à sua fama nem ao exibicionismo do seu talento. Fugazes sombras convidam-no como musas inspiradoras a conhecer outro território sublime. Quebra a ténue lâmina de fogo que o separa desse destino infinito e, soerguendo-se do leito, deixa-se ficar humildemente debruçado nos braços da morte a repousar da tragédia.

 

 

Após autópsia o corpo do poeta é transferido, pelas 11 horas da manhã do dia 17, para as instalações da Beneficência Portuguesa onde permanece em câmara ardente. Ali comparecem um representante do Presidente da República do Brasil e outro da embaixada de Portugal além de outras instituições. Às 17 horas desse mesmo dia, depois do «esquife [ter sido] retirado da Beneficência Portuguesa pelos representantes diplomáticos de Portugal, Associações Portuguesa e amigos» o funeral segue para o cemitério de S. João Batista com a urna envolta numa bandeira de Portugal, conforme pedido de D. Carminda. Astério de Campos faz o elogio fúnebre do poeta diante do túmulo, a sepultura nº 771. José Maria Rodrigues, que escreveu a este propósito uma reportagem emocionante, acentua que o funeral foi «vazio de gente». Em contrapartida O Globo informa que ao funeral «compareceu grande número de intelectuais, poetas, jornalistas, representantes do Sindicato dos Jornalistas, presidente da Associação Brasileira de Imprensa e populares». Celebrado, popularizado, vendido, traduzido, reconhecido no Brasil como só dois ou três escritores portugueses vivos o seriam naquele tempo; morria pobre, esquecido da pátria, desprezado pelos editores, esta figura dramática que fora essencialmente um provocador, agora morto, enterrado, sossegado e em paz.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pura ilusão! Passado muito pouco tempo já se especulava sobre as posições da embaixada de Portugal em ter criado dificuldades para a transladação do corpo para Portugal, conforme a vontade de D. Carminda, tornando o acto inviável. Afirmava-se também que a embaixada não teria dado a merecida atenção à morte do poeta, notícias que obrigaram a embaixada a publicar nos jornais um esclarecimento sobre a forma como actuou não faltando com a sua presença e colaboração no acto fúnebre e pagando todas as despesas com o funeral. Na verdade, o cônsul português no Rio de Janeiro terá explicado à viúva que a transladação dependeria do consentimento das autoridades de Lisboa (jornal A Voz de Portugal) o que demoraria imenso tempo. Por cá, isto é, em Lisboa, dizia-se que as autoridades, ou melhor a autoridade Salazar é que não concedera licença para tal.

 

A tua saga, António, estava ainda longe de terminar mesmo depois de morto. Mas isso que importava se o melhor elogio à tua pessoa, se assim o quisermos entender, seria publicado no mês de Abril, no nº. 22 da revista Leitura–a revista dos melhores escritores, na secção “Os dias, os factos, os homens”: «pediu [António Botto], antes de morrer, para ser enterrado em Portugal. Dificuldades de ordem burocrática negaram ao poeta o seu último desejo. (…) Assim, como Portugal não reclamou o seu Poeta, nós o guardaremos até o dia em que poetas portugueses mortos em exílio voltem a ter lugar no coração da pátria.», o que só viria a acontecer seis anos depois.

 

Apesar de tudo o Brasil foi teu amigo.

 

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História Breve de Uma Boneca de Trapos

 

 

Era uma vez uma boneca

Com meio metro de altura.

 

Insinuante, bonita,

Mas. Pobremente vestida.

 

Um ar triste – uma amargura

Diluída no olhar …

 

- Grandes olhos de safira,

E um sorriso combalido

 

Como flor que vai murchar.

 

 

Quase a meio da vitrine

Lá daquela capelista

Essa boneca de trapos

A ninguém dava na vista!

 

Ninguém via o seu sorriso!

 

Ninguém sequer perguntava:

 

Quanto vale a «marafona»?

Quanto querem pla «Princesa»? …

 

Passaram anos – Com eles,

Foi a minha mocidade

E cresce a minha tristeza.

 

Quem é que dá pla Boneca

Que os meus olhos descobriram

 

Lá naquela capelista

Quase à esquina do jardim? …

 

- Quem dá por ela? Ninguém.

 

E quantas almas assim!

 

(In “Canções – Intervalo” – pag. 179 – ed. Círculo de Leitores – Lx. 1978)

publicado por João Machado às 23:55
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Domingo, 30 de Janeiro de 2011

ANTÓNIO BOTTO NO BRASIL – 13– por António Sales

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os Últimos Anos de Infortúnio

(continuação)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Brasil que lhe ofereceu glórias não lhe poupou desgraças. Humanamente o poeta esquece as primeiras e enreda-se na malha das segundas. Na sua psique fragilizada acumulam-se recalcamentos que alivia em apontamentos escritos sobre o país escolhido para emigrar. No diário, entre 13 de Outubro e 23 de Novembro de 1958, talvez num dos mais tristes momentos da sua vida, António Botto não poupa comentários críticos e depreciativos em impressões avulsas, na maioria telegráficas, indicando pessoas, marcas, coisas, observações da vida corrente, estabelecendo o contraponto entre a nação rica e «a miséria [que] é o pão de cada dia». A sua realidade conjugada com um envolvimento social difícil deprime a ponto de proclamar a revolta interior de forma algo violenta: «Levanta-te Rei D. João VI, e vem presenciar este novo campo de concentração para os que trabalham. Os outros, os magnates, esses arrastam correntes de ouro pelas ruas da capital desprezada, cheia de lixo e covas onde se podem enterrar os pobres» (BNL- espólio de AB – cota E 12/63).

 

 

Botto foi sempre um homem sensível à miséria social, provavelmente pela vincada memória das suas origens sobre as quais podia mentir mas não se podia furtar. Em muitos dos seus poemas e outros textos encontramos solidariedade com a dor e infelicidade alheias. Creio que foi sincero no desgosto perante o drama dos outros onde integrava também o seu. A realidade dos que labutavam no charco da ignorância e da pobreza entristecia-o, pelo que não deixou de se emocionar com o destino daqueles que viviam no limbo do sacrifício. Daqui deriva, certamente, a imagem de um Brasil «árido [onde], a hostilidade é o brazão sem nobreza deste país condenado pela política» (BNL-espólio de AB-cota E 12/163). Não obstante ser política qualquer crítica social (mesmo a sua), o lusitano poeta declarava-se «visceralmente anti-política», pois dizia: «…De resto não sou um político: sou um poeta» (Revista da Semana), o que não o impediu de escrever, provavelmente em 1954, durante o levantamento popular na Hungria, o Poema aos Estados Unidos da América sem Política Nenhuma (inédito dactilografado no espólio), de gosto duvidoso mas suficiente para concluir que o seu autor era manifestamente anti-estalinista e anti-comunista. E não serão por acaso políticas as duas cartas escritas a Salazar? Remetida a primeira, ainda em 1958, da Almirante Alexandrino, felicitas o ditador pelo aniversário que ocorrerá em 27 de Abril, informando-o que o teu maior desejo seria estar em Lisboa nessa data para poderes «apertar a sua mão comovido e feliz».Um caso de idolatria, para não dizer bajulação, a repetir-se na segunda, datada de 2 de Fevereiro de 1959, em que manifestas a tua veneração de sempre para com o ditador, «Agora que esse caso deploravelmente lamentável do sr. General Humberto Delgado deixou de andar nas notícias de jornais, todos os dias, como oposição que foi (…)». Para quem era «visceralmente anti-política» tornava-se evidente que a política não te era de todo indiferente, ou pelo menos um certo tipo de personalidades políticas, como se deduz pela desconfortável leitura das duas cartas carregadas de elogios. Estes serão, contudo, pecados menores ditados pelo exagero que punhas nas palavras e atitudes como se representasses em palco a figura de António Botto por ti próprio. Este exercício de um salazarismo servil, jamais manifestado enquanto viveste em Portugal, só encontra explicação no desejo secreto que acalentavas de regressar à pátria. Salazar nunca te respondeu. Salazar não gostava de ti.

 

O caso da tua exoneração compulsiva da função pública foi disso significativo embora o inquérito oficial tenha englobado sete funcionários, entre os quais três senhoras. Na altura (1942) eras 1º escriturário de 2ª classe do Arquivo Geral do Registo Criminal e Policial e foste acusado de “Não manter na repartição a devida compostura e aprumo, dirigindo galanteios e frases de sentido equívoco a um seu colega, denunciando tendências condenadas pela moral social; Fazer versos e recitá-los durante as horas regulamentares do funcionamento da repartição (…)”. Publicado o resultado do processo no Diário do Governo Botto vem para a rua e passou a vangloriar-se publicamente de ser o primeiro pederasta português com direito a reconhecimento oficial, chegando a mandar imprimir cartões de visita com tal classificação. A sobranceria sarcástica do autor de Ciúme acerca da deliberação que o atinge esconde um presumível ressentimento sobre a decisão pública, a qual terá efeito devastador na sua vida. A nova ordem jesuítica do salazarismo nunca lhe perdoou a personalidade arrevesada e provocatória atacada por muitos mas também defendida como forma de salvar o poeta e a sua obra da onde de hipocrisia moralista.

 

Na prática colegas de letras afastaram-se, ou cortaram relações, com António Botto devido ao seu homossexualismo e feitio maledicente origem de sérios dissabores de que o período do Brasil não foi excepção. Queixava-se, por isso, de ser esquecido pelos amigos, não ser acarinhado como sentia merecer, do infortúnio que o atingia ao ponto de considerar que «a perseguição [entrara consigo] no barco». A estiagem da sua carreira literária e a arquitectura de fantasias roubam-lhe lucidez pois classifica-se figura ilustre à qual a Colónia Portuguesa não presta homenagem, antes lhe torpedeia os lugares que tem nos jornais Mundo Português, Voz de Portugal e Globo. Na realidade todos são culpados das suas desgraças e ele o único inocente, como podemos ler em registo inédito: «Acabo este livro de impressões sobre o Brasil, pedindo uma indemnização ao Império da Banana porque vim iludido com as falsas reportagens de tanto cretino comprado para as fazer. Indemnização pela neurastenia., pela perda da saúde, pelos aborrecimentos, pela perda da vontade pela vida, e pela soma de infâmias que pretenderam com a semente da inveja manchar o meu nome limpo de artista, de Homem e de Poeta» (sic) (BNL-espólio da AB- cota E12/174).

 

Estes desabafos fortemente ditados pela amargura de situações desesperadas não correspondem literalmente à verdade. António Botto sentia prazer em lamentar-se pelas desatenções de que era vítima esquecendo-se que imensas vezes as motivava. Não obstante, são incontroversas as provas de constante e verdadeira amizade de muitos portugueses e brasileiros ali radicados. Rodearam-no de atenções, proporcionaram-lhe oportunidades, ajudaram-no moral e materialmente impedindo a sua queda total. Mesmo nos piores momentos, apesar de Botto nada de relevante ter acrescentado à sua obra publicada em Portugal, desfrutou de condigna posição entre a intelectualidade brasileira e destaque na imprensa como se verifica no noticiário do seu internamento na Beneficência Portuguesa e depois nas circunstâncias da sua morte.

 

(continua)

 

Em cima: Retrato de António Botto por Almada Negreiros

 

Damos hoje início a uma pequena antologia de poemas de António Botto:

 

Canção Mutilada

 

A tarde cai amaciando a terra,

E enchendo-a de miragens tentadoras

Enquanto o sol,

 

Nos últimos alentos,

Se prende aos galhos de um arbusto

Que, ressequido, à beira de uma ermida,

Parece o próprio símbolo da vida.

 

De enxada ao ombro, alguns trabalhadores,

Pisam o pó e as pedras dos caminhos

- Como bandeiras humanas

Movidas pelo infortúnio,

Sem alegria, sórdidos, curvados,

Mas enormes no seu frémito de luta!

 

Ah!, nem a Morte quer os homens

Quando eles são desgraçados!

 

As estrelas lá, no alto,

Riscam cintilantes brilhos.

 

E em bandos –

Os maltrapilhos,

Silenciosos e ateus,

Zombam do Amor

E até de Deus!

 

A miséria

Quando atola

O homem nos seus negros labirintos,

Dá-lhe, também, a loucura

Dos mais trágicos instintos …

 

Agora, neste momento,

A noite –

É uma imensa realidade …

 

E eu julgo ver a Justiça

Afundar-se na penumbra

Da sua inútil verdade.

 

NOTA - Este poema de A. Botto é datado de 1936 e vem incluído no livro “Imagens do Alentejo”, da colecção “Amanhã”, que era dirigida por Henrique Zarco e o livro de sua autoria. A obra foi editada em 1936 e Botto foi convidado a fazer o poema.

publicado por João Machado às 23:55
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Segunda-feira, 10 de Janeiro de 2011

Plano Alemão : garda-chuva de salvação para Portugal

Rolf Damher

 

Salvação uma ova. Com este tipo de medidas, embora necessárias de imediato, apenas compra-se tempo. A salvação só garante uma mudança fundamental e simultânea de estratégia da parte da União Europeia que provoque uma espécie de uma onda de tsunami de efeitos benéficos para o mundo (New Deal). Se não agirmos, o tsunami será despoletado por forças superiores e teremos que sofrer os seus efeitos – o desmoronamento do nobre ideal europeu, da União Europeia e do Euro.

 

Rolf Damher

 

 

SPIEGEL ONLINE, 08.01.2011

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Plano alemão: Portugueses em crise devem refugiar-se debaixo do "guarda-chuva de salvação"

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Portugal opõe-se à ruina financeira. Todavia, pelos vistos os governos em Berlim e Paris contam, segundo informações do SPIEGEL, com o colapso iminente desse estado em crise. Por isso querem obrigar o país a refugiar-se debaixo do "guarda-chuva de salvação" do euro - equipando-o, se necessário, com meios ilimitados.

 

O artigo original em alemão:

http://www.spiegel.de/wirtschaft/soziales/0,1518,738457,00.html

 

PS: as últimas notícias dão como inevitável a entrada do FMI em Portugal. Face às movimentações desesperadas do governo a tentar evitar o inevitável, como procurar vender dívida soberana a nações cada vez menos estimáveis e, depois da Suiça, anunciar que não aceita o papel financeiro representativo português, como garantia nos empréstimos entre nações, vêm agora a Alemanha e a França a dar o golpe de misericórdia, anunciando que a situação gravíssima portuguesa pode infectar a Espanha.

 

E, claro, deduz-se que depois  da Espanha virá inclusivé a toxidade do próprio euro, porque os países que não contam já estão todos no leito da morte, mas a Espanha já é um caso sério devido à sua dimensão e poderio económico e após ela seria, literalmente, o desastre há dois anos anunciado.

publicado por Luis Moreira às 22:00
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Sábado, 8 de Janeiro de 2011

Carta aberta a Durão Barroso - 6 - por Júlio Marques Mota

(Continuação)

 

Da Estratégia de Lisboa a uma outra política, a uma outra Europa, à Europa do futuro

 

Senhor Presidente, com a Estratégia de Lisboa em 2000 à União atribuiu-se um novo objectivo estratégico para a década seguinte: “Tornar [-se] no espaço económico mais dinâmico e competitivo do mundo baseado no conhecimento e capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos, e com maior coesão social”. A partir deste objectivo sobre o qual tantos louvores se escreveram, pensámos, a partir daí, que o modelo europeu ia assentar na deslocalização da produção de bens salariais e de tecnologia pouco evoluída para África, para o sueste asiático e em particular para a China. Paralelamente, faria investimentos maciços na educação, na investigação, na formação, assistir-se-ia a um forte aumento do seu “capital imaterial”, o nível de desenvolvimento científico e profissional, assistir-se-ia a um aumento crescente de produções de alto valor acrescentado e teríamos desencadeado o mecanismo da troca desigual, possível sobretudo nas economias globalizadas, entre países de baixos e altos salários para os mesmos níveis de qualificação e com os capitais produtivos completamente móveis à escala internacional. A União Europeia iria, pensávamos, assegurar a obtenção do pleno emprego, com altos salários médios por hora de trabalho e a taxa de lucro igual à do resto do mundo, como resultado da concorrência dos capitais à escala mundial, iria assegurar os mecanismos de riqueza adicional a que se chama de troca desigual. A União Europeia iria crescer fortemente, assente quer nas políticas de pleno emprego quer no resultado do excedente comercial obtido também com o mecanismo da troca desigual: venda de produtos caros, resultantes dos altos salários, compra de produtos baratos devido aos baixos salários dos países produtores destes bens. Por esta via, instalar-se-ia um novo imperialismo, imperialismo não financeiro, imperialismo comercial e tanto mais assim quanto não há no quadro internacional os mecanismos desejáveis de compensação, mas se a saída fosse essa, a Europa seria também outra e generosa poderia compensar estes mecanismos via a ajuda externa. Enganámo-nos redondamente.

 

publicado por Carlos Loures às 21:00

editado por Luis Moreira às 14:55
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Domingo, 2 de Janeiro de 2011

Coisas que nunca deverão mudar em Portugal

Artigo do Embaixador da GB ao deixar Portugal: Expresso 18 Dez 2010

Coisas que nunca deverão mudar em Portugal

Portugueses: 2010 tem sido um ano difícil para muitos; incerteza, mudanças, ansiedade sobre o futuro. O espírito do momento e de pessimismo, não de alegria. Mas o ânimo certo para entrar na época natalícia deve ser diferente. Por isso permitam-me, em vésperas da minha partida pela segunda vez deste pequeno jardim, eleger dez coisas que espero bem que nunca mudem em Portugal.
1. A ligação intergeracional. Portugal é um país em que os jovens e os velhos conversam - normalmente dentro do contexto familiar. O estatuto de avô é altíssimo na sociedade portuguesa - e ainda bem. Os portugueses respeitam a primeira e a terceira idade, para o benefício de todos.

2. O lugar central da comida na vida diária. O almoço conta - não uma sandes comida com pressa e mal digerida, mas uma sopa, um prato quente etc, tudo comido à mesa e em companhia. Também aqui se reforça uma ligação com a família.

3. A variedade da paisagem. Não conheço outro pais onde seja possível ver tanta coisa num dia só, desde a imponência do rio Douro até à beleza das planícies do Alentejo, passando pelos planaltos e pela serra da Beira Interior.

4. A tolerância. Nunca vivi num país que aceita tão bem os estrangeiros. Não é por acaso que Portugal é considerado um dos países mais abertos aos emigrantes pelo estudo internacional MIPEX.

5. O café e os cafés. Os lugares são simples, acolhedores e agradáveis; a bebida é um pequeno prazer diário, especialmente quando acompanhado por um pastel de nata quente.

6. A inocência. É difícil descrever esta ideia em poucas palavras sem parecer paternalista; mas vi no meu primeiro fim de semana em Portugal, numa festa popular em Vila Real, adolescentes a dançar danças tradicionais com uma alegria e abertura que têm, na sua raiz, uma certa inocência.

7. Um profundo espírito de independência. Olhando para o mapa ibérico parece estranho que Portugal continue a ser um país independente. Mas é e não é por acaso. No fundo de cada português há um espírito profundamente autónomo e independentista.

8. As mulheres. O Adido de Defesa na Embaixada há quinze anos deu-me um conselho precioso: "Jovem, se quiser uma coisa para ser mesmo bem feita neste país, dê a tarefa a uma mulher". Concordei tanto que me casei com uma portuguesa.

9. A curiosidade sobre, e o conhecimento, do mundo. A influência de "lá" é evidente cá, na comida, nas artes, nos nomes. Portugal é um pais ligado, e que quer continuar ligado, aos outros continentes do mundo.

10. Que o dinheiro não é a coisa mais importante no mundo. As coisas boas de Portugal não são caras. Antes pelo contrário: não há nada melhor do que sair da praia ao fim da tarde e comer um peixe grelhado, acompanhado por um simples copo de vinho.

Então, terminaremos a contemplação do país não com miséria, mas com brindes e abraços.

Feliz Natal.
publicado por Luis Moreira às 13:00
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Sexta-feira, 24 de Dezembro de 2010

...





FARPA

Luís Moreira




Eça de Queirós, em 1872, escreveu nas Farpas:



"Nós estamos num estado comparável sómente à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesma trapalhada económica, mesmo abaixamento de caracteres, mesma decadência de espírito. Nos livros estrangeiros, nas revistas quando se fala num país caótico e que pela sua decadência progressiva, poderá ...vir a ser riscado do mapa da Europa, citam-se a par , a Grécia e Portugal".

Parece que era bruxo!
publicado por João Machado às 16:00
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Domingo, 12 de Dezembro de 2010

Em Olivença - Antiguidades de Portugal - Que mais fazer?




A propósito da realização deste mercado semanal, perguntámos ao nosso amigo e colaborador António Marques se, na sua opinião, os oliventinos apenas podem esperar de Portugal antiguidades e recordações. Respondeu assim:
 Uma ou duas notas sobre o que que se passa emn Olivença. Ou «no pasa nada»?

Há por lá gente (portuguesa? talvez; mas perdida, abandonada por Portugal e pela opinião pública portuguesa, que nada vislumbra e nada procura, tudo esqueceu), há por lá gente que não deixa de mirar o pôr-do-sol, de buscar o Mar Ocidental, de fitar o horizonte português...

E vão organizando feiras, seja de «velharias portuguesas», seja ou de «artesanato e antiguidades».

Que, quem caminha por estas vias tão modestas e cautelosas, senão equívocas, em defesa da cultura portuguesa (ou da lembrança dela) em Olivença, saberá que o caminho é estreito e, na perspectiva de auto-regeneração cultural, talvez intransitável, porventura já irrecuperável...

De maneira que, não havendo de Portugal e suas autoridades qualquer iniciativa para reconstruir a memória e a comunhão, não havendo dos portugueses deste lado do Guadiana qualquer sinal, qualquer aceno, aos de Olivença só lhes resta assumirem eles a tarefa de tentarem restaurar esse caminho antigo, tateando, procurando, evitando obstáculos, em pequenos passos.

Consegui-lo-ão? E deste lado, da nossa parte, que fazemos? Que podemos fazer?
publicado por Carlos Loures às 10:00
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Sábado, 4 de Dezembro de 2010

Sobre as Causas do Atraso Nacional

Luís Moreira



Um companheiro do Estrolabio, o Professor Fernando Pereira Marques, lançou ontem, dia 3, um livro com este título. Como viemos durante os últimos dias a anunciar, o lançamento realizou-se na Fundação Mário Soares, com intervenções dos Professores Eduardo Lourenço e Paulo Ferreira da Cunha e sob a presidência da mesa do Dr. Mário Soares, que abriu a sessão.

Foi um bonito lançamento,  com uma sala ampla cheia de gente conhecida, ligada à cultura e à política. Os apresentadores da obra discorreram sobre o tema central da obra - as razões que explicam o atraso português, com grande sabedoria, recuando vários séculos para mostrar que as gentes que descobriram novos mundos pagaram " a colonização de outros povos" e continuam a pagar.

Habituados à escravidão e serventia de outros, desde muito cedo o português se habituou a não trabalhar, sempre importou quase tudo do que come. Não é de hoje nem de ontem,o trabalho braçal é visto como indigno, falhou a constituição de uma "burguesia" industrial, que resultou das artes e ofícios que, por sua vez, tinham sido trocadas pela navegação e pela colonização de outros povos.

Grandes figuras da cultura portuguesa (como Antero nas célebres «Conferências do Casino»), se debruçaram sobre este problema e detectaram os mesmos índicios que ainda hoje persistem. A procura de um emprego no Estado, a aversão à iniciativa individual, a ideia de que se mantem o nível de vida sem resultados visíveis do trabalho...

Vamos ler o livro e escrever uns quantos textos sobre este assunto.
publicado por Luis Moreira às 13:30
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Sexta-feira, 27 de Agosto de 2010

As citações de Saramago - 4


Luis Moreira


Depois dos livros as citações para melhor compreensão do homem e do escritor.

Abandono de Portugal

Pago todos os impostos em Portugal e é lá que voto.Se não vivo em Portugal é porque fui maltratado, publicamente ofendido pelo governo de Cavaco Silva, de que era secretário de Estado Santana Lopes e subsecretário Sousa Lara. E no governo, a que pertencia Durão Barroso não se levantou uma única voz dizento "isto é um disparate, isto não se faz"

Balanço

A única coisa que ainda quero ter é vida.Vida para viver, vida para viver com quem vivo, se possível trabalhando. Se eu faço um balanço, operação bastante inútil, enfim, pois balanço feito pelo próprio é sempre suspeito...Se eu olhar para trás, independentemente dos triunfos, das glórias, aquilo de que eu gosto mais é de encontrar um sujeito consciente, coerente. Coerente. Nunca cedi às tentações do poder, nunca me pus à venda.

Espanha

Viajar por Espanha é surpreendente porque se está, permanentemente, a passar de um mundo a outro e isso, sim, é fascinante. Estão hoje, em virtude dessa diversidade, perfeitamente justificadas as autonomias, com aquela enorme diferença de caracteres. E isto não é um lugar comum: as pessoas são realmente diferentes, um andaluz é completamente diferente de um galego, um galego de um catalão, um castelhano de outro qualquer.

Ibéria

Em primeiro lugar sou português.depois sou ibérico.Eu digo isso há muitos anos.Não é por estar casado com uma espanhola que estou a dizer isso. E, depois, se me apetecer, serei europeu.Portanto acontece que eu continuo a ser português. Não posso ser outra coisa senão português. Não posso escrever em outra língua senão portuguesa. Mas digamos que o meu sentido de pertencer a algo se ampliou.Passou a ser a Península ibérica. Eu sou tão estimado em Espanha como sou estimado em Portugal.
publicado por Luis Moreira às 19:30
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Segunda-feira, 16 de Agosto de 2010

A Catalunha e Portugal - Bon colp de falç - 1

Encerrando esta primeira série de textos sobre a Catalunha, apresentamos um trabalho de Carlos Loures e Josep A. Vidal, sobre os incidentes que, em 1640, em Portugal e na Catalunha, puseram em causa a hegemonia castelhana na Península e que tiveram resultados diferentes num e noutro país. Este texto foi publicado, em Dezembro de 2009, no blogue Aventar,



(Texto de Carlos Loures e Josep Anton Vidal)


Há quase 370 anos, em 1 de Dezembro de 1640, Portugal recuperava a sua independência perdida 60 anos antes. Todos sabemos, até aos mínimos pormenores, como foi esse dia «em que valentes guerreiros / nos deram livre a Nação». Interessante que os catalães têm a ideia de que lhes devemos a libertação do jugo estrangeiro. E afirmam que foi o facto de os castelhanos terem de deslocar tropas para a frente catalã que nos permitiu, apanhando os ocupantes fragilizados, restaurar a independência. Independência que, formalmente, sempre conservámos, embora com um rei estrangeiro no trono.
 Em parte, isto é verdade. Mas só em parte. Tal como só em parte é verdade que tenham sido os conjurados, os «valentes guerreiros que nos deram livre a Nação», como se canta no tal hino escrito para uma peça teatral em 1861, por Eugénio Ricardo Monteiro de Almeida (1820-1869) numa visão romântica de uma realidade bem mais dura. A letra parece ter sido escrita por plumitivos ao serviço do regime salazarista. Regime que aliás aproveitou o hino e o tornou coisa sua, com honras especiais na organização para fascista da «Mocidade Portuguesa». Hoje, o hino é trauteado, como vamos ouvir no vídeo abaixo, pelas populações raianas. A música ficou, mas a letra foi esquecida, como merecia coisa tão rebuscada e falsa. Tipicamente romântico e falseador da realidade é também o quadro de Veloso Salgado (1864-1945) que vemos acima. Sabemos ser impossível expurgar a História de todos os mitos. Mas podemos, pelo menos, tentar libertá-la de alguns deles.




A verdade completa é um pouco diferente da versão catalã e dos mitos românticos que se forjaram em Portugal no século XIX. Em síntese, a verdade é que durante 28 anos aguentámos uma guerra que mobilizou desde rapazes de 16 anos a velhos à beira da cova, deixando os campos abandonados, trabalhados por mulheres e crianças, e que nos obrigou a fundir os sinos das igrejas para fabricar canhões, a desviar para o esforço de guerra os parcos recursos de uma economia débil. Construíram-se ao longo da fronteira sólidas fortalezas que ainda hoje estão em bom estado de conservação. Contrataram-se técnicos militares estrangeiros para reorganizar um exército desmantelado ou articulado de acordo com os interesses do invasor – oficiais, engenheiros… Tivemos alguma ajuda francesa,  algum apoio inglês, mas a pior parte foi feita por nós. A vitória em batalhas como as de Montijo (1644), Linhas de Elvas (1659), Ameixial (1663) e Montes Claros (1665), foi um factor decisivo.

Ganhámos a guerra. Ao fim de quase três décadas e de milhares de mortos, das cidades e vilas raianas devastadas pelas frequentes incursões inimigas, ganhámos e a nossa independência foi reconhecida. Porém, hoje queria ocupar-me da parte em que os catalães têm razão. De como a «Revolta dos Ceifeiros» e a guerra que se lhe seguiu nos ajudou. Porque quando aqui dizemos que na Catalunha se ignora tudo o que a Portugal diz respeito, manda a verdade que se diga que, para a maioria dos portugueses, a Catalunha é uma província de Espanha. Ponto final. Vou, pois, em breves palavras, contar a quem não sabe, a história dessa sangrenta revolta, coisa que os meninos na Catalunha conhecem bem, mas de que a maioria dos portugueses nem sequer ouviu falar. Para pilotar a nossa máquina do tempo pela história da Catalunha adentro, pedi ajuda ao meu amigo Josep Anton Vidal. Este texto é da autoria de ambos. Vamos ver como as coisas ocorreram na Catalunha.

Em 1635, a França encetava a uma nova fase da guerra contra os reinos da Casa de Áustria, os Habsburgos, que dominavam grande parte da Europa, para além das colónias da América, de África e da Ásia. O sol nunca se punha na vasta parte do mundo dominada por Castela e essa grandeza sufocava a pretensão francesa de hegemonizar a Europa militar e economicamente. Era a chamada Guerra dos Trinta Anos que começara em 1618. No entanto, apesar da paz de Vestefália assinada em 1648, a guerra prosseguiria entre os dois estados até 1659, quando se assinou o tratado dos Pirenéus. Este prolongamento por mais doze anos da guerra dos Trinta Anos teve como cenário e motivo a Catalunha.
Por outro lado, esta guerra com a França veio evidenciar as fragilidades do gigante castelhano, minado pelo próprio gigantismo das suas estruturas e sobretudo pela corrupção que o afluxo de ouro e prata, proveniente da América, criando fortunas rápidas e fáceis e a quebra no valor dos metais preciosos, geraram uma crise profunda que o conde-duque de Olivares, chefe do governo, procurava enfrentar impondo medidas drásticas nos reinos submetidos. O astuto governante pusera em marcha uma política destinada a recuperar o esplendor da monarquia, ameaçado pela decadência, reforçando o poder do soberano nos reinos peninsulares e na Europa.

A carga fiscal aumentara em Castela e a sua política belicista, que o levou a envolver-se numa guerra pela hegemonia europeia, exigia uma repartição dessa carga fiscal e do esforço militar por todos os reinos da Península. Porém, a legalidade de cada reino constituía um obstáculo a essa política. Porque, quer Portugal, quer a Catalunha, Aragão ou Valência não tinham perdido formalmente a independência. O que acontecia era que o rei era o mesmo – o de Castela e imperador das Alemanhas. Em Portugal, desde Filipe I (II de Castela) havia o compromisso de respeitar os «foros e privilégios» do Reino.

Na Catalunha e outros reinos, acontecia o mesmo. Daí a urgência de unificar as leis e alinhar os direitos desses reinos pelos de Castela. No fundo o que Olivares pretendia era acabar com a independência teórica dos reinos que compunham o Império da Casa de Áustria, centralizar de uma vez por todas as decisões em Madrid. Já em 1625, em carta ao rei, o conde-duque dissera que o monarca não deveria contentar-se em ser rei de Portugal, Aragão e Valência, conde de Barcelona; deveria esforçar-se por «levar a esses reinos as maneiras, as leis e os costumes de Castela». Numa palavra, deveria aniquilar a independência formal, centralizar, castelhanizar. A Flandres aceitou essas medidas que impunham o recrutamento forçado de soldados para a guerra com a França. A Catalunha e Portugal recusaram liminarmente o agravamento dos impostos e o recrutamento adicional, plano de reestruturação militar a que Olivares chamou a «União de Armas».

Em suma, de um ponto de vista formal, não se tratava de recuperar a independência, pois quer Portugal, quer a Catalunha nunca a tinham perdido até então. Filipe I, fora dentro da linha sucessória, o herdeiro legítimo do trono de Portugal. O mesmo acontecera na Catalunha, onde os Áustria cingiam legitimamente a coroa condal. Olivares, porém queria alterar as regras do jogo e foi neste clima, em que as diversas legalidades colidiam com os interesses de Madrid e a sua supressão parecia inevitável, que os conflitos eclodiram.
Nas Cortes Catalãs de 1626, que o rei abandonou antes do encerramento e sem ter obtido qualquer acordo, as instituições recusaram as obrigações impostas pela União de Armas, neg
ando-se igualmente a aceitar exigências que colidiam com a legalidade catalã (Els Usatges). Voltou a fracassar a ofensiva de Olivares quando as Cortes foram reatadas em 1632. Nesta altura, Olivares recorreu a uma artimanha: tentou usar a legalidade catalã para a aniquilar: mercê do usatge “Princeps Namque”, era concedido ao conde de Barcelona (soberano do país), o direito de chamar às fileiras os súbditos em defesa do território. Porém as instituições catalãs mantinham a argumentação de que sendo essa potestade exclusivamente destinada à defesa do Principado da Catalunha, não era legítimo usar as forças assim constituídas para atacar outros territórios. Portanto, constituído um exército com recurso a essa lei, não podiam as tropas ser empregues noutro fim que não a defesa, nem podiam sair do território.

Este argumento levou Olivares a deitar mão a um estratagema militar para forçar o recrutamento dos catalães, desencadeando operações militares contra os franceses junto das fronteiras da Catalunha. Assim, em 1637,desencadeou a campanha de Leucata, no Languedoc francês. A campanha redundou num desastre para as tropas de Filipe IV (III da Catalunha e de Portugal). Embora as unidades catalãs se tenham recusado a abandonar o território, o grosso do exército de Olivares ocupara a Catalunha e, acabada a desastrosa campanha, permaneceu no país. A permanência do exército, obrigava ao «aboletamento», ou seja, a população civil era obrigada a acolher os soldados, proporcionando-lhes alojamento – sal, vinagre, fogo, cama, mesa e roupa lavada. Aqui acabava a obrigação legal – as demais despesas tinham de ser pagas pelos soldados. Porém, na prática, as coisas eram mais complicadas, pois não se estipulava durante quanto tempo tinham os civis de garantir o aboletamento, nem o número de militares que tinham de ser acolhidos em cada casa. Dado este vazio legal, os soldados impunham a lei com a arbitrariedade que se pode imaginar.

Os camponeses eram obrigados a cuidar e a alimentar as montadas e, inclusivamente, tinham de pôr à disposição do exército os seus próprios animais de montada e de tiro. Destas obrigações estavam dispensados os nobres, os clérigos e os cidadãos. Pelo que o peso recaía por inteiro sobre a população rural, fustigada pela precariedade das colheitas. O aboletamento vigorava desde 1626, mas a partir da campanha de Leucata a situação foi tornando-se cada vez mais insustentável.

Em Janeiro de 1640, Olivares quis agravar as obrigações do aboletamento, de modo que a população civil (e rural), assumisse também a manutenção da tropa, ou seja, os custos da sua alimentação e pagasse, sem direito a qualquer reembolso ou compensação, as despesas dos soldados. Esta situação de violência e abuso crescentes sobre a população, particularmente da rural, criou um clima de tensão que atingiu o clímax na Primavera de 1640 e levou à mobilização dos camponeses que se organizaram de acordo com as formas tradicionais de defesa (escaramuças, ataques de surpresa…) e constituíram um exército de populares que conseguiu expulsar as tropas de alguns territórios, empurrando-as para o Rossilhão. O levantamento atingiu Barcelona em Maio de 1640. Na capital, libertaram algumas autoridades, mandadas encarcerar pelo vice-rei, por terem encorajado à resistência contra o aboletamento. Foi neste contexto que eclodiu a sublevação do Corpus de Sang.

(Continua)
publicado por Carlos Loures às 09:00
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sugestão: revista arqa #84/85

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