Sexta-feira, 23 de Julho de 2010

António Aleixo

Fernando Correia da Silva

QUANDO TUDO ACONTECEU...

António Aleixo nasce em 18 de Fevereiro de 1899 em Vila Real de Santo António e falece em 16 de Novembro de 1949 em Loulé.

Foi guardador de cabras, cantor popular de feira em feira, soldado, polícia, tecelão, servente de pedreiro em França, “poeta cauteleiro”.

Apesar de semi-analfabeto deixa a seguinte obra escrita que o Dr. Joaquim Magalhães teve o cuidado de passar a limpo: «Este livro que vos deixo», «O Auto do Curandeiro», «O Auto da Vida e da Morte», o incompleto «O Auto do Ti Jaquim» e «Inéditos».

Em homenagem ao Poeta e à sua obra, no parque da cidade de Loulé foi levantado um monumento frente ao “Café Calcinha”, local outrora frequentado pelo Poeta.

O antigo Liceu de Portimão passou a chamar-se Escola Secundária Poeta António Aleixo.

Há alguns anos também passou a existir uma «Fundação António Aleixo» com sede em Loulé e que já usufrui do Estatuto de Utilidade Pública, o que lhe permite atribuir bolsas de estudo aos mais carenciados.

Um outro poeta algarvio, não do litoral mas da meia-encosta - S. Bartolomeu de Messines - nascido em 1830 e falecido em 1896, de seu nome João de Deus Ramos, escrevera “A VIDA”, elegia que talvez seja a sua obra-prima. Transcrevem-se alguns trechos dessa elegia:

A vida é o dia de hoje,
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa;
A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai;
A vida dura um momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!

A vida é flor na corrente,
A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente,
Voa mais leve que a ave;
Nuvem que o vento nos ares,
Onda que o vento nos mares,
Uma após outra lançou.
A vida - pena caída
Da asa de ave ferida -
De vale em vale impelida
A vida o vento a levou!
(...)

Repetições, elipses, mudança brusca do sentido gramatical de uma palavra, exclamações, improvisações à viola sobre o cancioneiro popular e estudantil (de Coimbra), poesia simples e expressevidade rítmica. Com este material tão pobre, ou nada se faz, ou então é-se arrastado e navega-se pela torrente do cancioneiro popular. Por intuição, João de Deus aproxima-se de Camões, de Petrarca e Dante, vai mesmo beber os versículos da Bíblia. Mas isso porque é um homem letrado. Pergunto: e quem não bebeu das letras impressas, quem não passou horas numa biblioteca a folhear livros? Simplicidade verbal... Seja! Mas estará este remansoso ribeirinho ao alcance de quem nele queira simplesmente navegar?

No Algarve, na primeira metade do século XX, irrompe uma poderosa corrente do cancioneiro popular português, a qual recebe o nome do poeta semi-analfabeto que lhe abre as comportas: António Aleixo. Quem apontou essa corrente foram o artista plástico Tóssan e o professor de liceu Joaquim Magalhães. Aleixo diverte-se com a ocorrência:

Não há nenhum milionário
que seja feliz como eu:
tenho como secretário
um professor do liceu.

Não pára de rir das circunstâncias em que vive e até da sua própria aparência. E quanto mais ri mais certeira vai sendo a pontaria de Aleixo:

Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, sem parecer o que são,
são aquilo que eu pareço.

Brinca até com a sua profissão de “cauteleiro”:

De vender a sorte grande,
confesso, não tenho pena;
que a roda ande ou desande
eu tenho sempre a pequena.

Ribanceira abaixo, aí vem a corrente de Aleixo, cachão contra as injustiças (lembremo-nos que estamos em plena ditadura salazarista, em que impera a Censura):

És feliz,vives na alta
e eu de ratos como a cobra.
Porquê? Porque tens de sobra
o pão que a tantos faz falta.

Insiste:

Quem nada tem, nada come;
e ao pé de quem tem comer,
se disser que tem fome,
comete um crime, sem querer.

Esta quadra abrange certamente a dor que o poeta sente por não poder atender às necessidades de uma filha sua que está a morrer, tuberculosa. O poeta conclui:

Eu não tenho vistas largas
nem grande sabedoria,
mas dão-me as horas amargas
Lições de Filosofia.

Tentam aliciá-lo a aceitar mansamente o sofrimento. O poeta comenta:

P'ra a mentira ser segura
e atingir profundidade,
tem de trazer à mistura
qualquer coisa de verdade.

Mas logo reage:

Que importa perder a vida
em luta contra a traição,
se a razão, mesmo vencida
não deixa de ser Razão.

Reforça:

Embora os meus olhos sejam
os mais pequenos do Mundo,
o que importa é que eles vejam
o que os homens são no fundo.

Ri:

Uma mosca sem valor
poisa c’o a mesma alegria
na careca de um doutor
como em qualquer porcaria.

Aleixo dá uma guinada, faz o balanço da sua vida:

Fui polícia, fui soldado,
estive fora da nação;
vendo jogo, guardo gado,
só me falta ser ladrão.

Volta a apontar o dedo às injustiças:

Co'o mundo pouco te importas
porque julgas ver direito.
Como há-de ver coisas tortas
quem só vê o seu proveito?

À guerra não ligues meia,
porque alguns grandes da terra,
vendo a guerra em terra alheia,
não querem que acabe a guerra.

Vós que lá do vosso império
prometeis um mundo novo,
calai-vos, que pode o povo
q'rer um mundo novo a sério.

Aleixo compreende até o motivo que lhe permite ver sempre ao longe:

Não é só na grande terra
que os poetas cantam bem:
os rouxinóis são da serra
e cantam como ninguém

Ser artista é ser alguém!
Que bonito é ser artista...
Ver as coisas mais além
do que alcança a nossa vista!

Torrente algarvia! Melhor dizendo: lusitana! Nada consegue detê-la. Começou a fluir em cachão quando a língua portuguesa, de norte para sul, brotou na ponta ocidental da Península Ibérica.
_____________________


Ouçamos, completando este magnífico texto de Fernando Correia da Silva, Mário Viegas e Manuela de Freitas dizendo quadras de António Aleixo:

publicado por Carlos Loures às 01:00
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