Segunda-feira, 25 de Abril de 2011

25 de Abril - 21

Dia 25 de Abril

 

 

 

23:30 -  Chegada da EPC a Cavalria7 e a Lanceiros 2 que são ocupados, perante a rendição, sem resistência, dos seus comandantes.

 

 

Nessa noite o país festejou. À 1,30h do dia 26 foi feita a proclamação da Junta de Salvação Nacional.

 

 

 

 

 

 

FIM DE TARDE DE ABRIL  Orlando Cardoso (1948)

 

 

atravessávamos a poalha do fim da tarde em abril

escuro lamento da voz rompíamos o círculo estreito de

amizades cinzentas o muro branco da lamentação

antiga abríamos um seco areal aí passava o sol

banhando a tua roupa a nudez do corpo macerado no

ofício dolorido dos navios

 

 

 

(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)

 

 

Equipa responsável por este dia: Augusta Clara, Carlos Loures, Luís Moreira.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

publicado por Augusta Clara às 23:30
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25 de Abril - 20

Dia 25 de Abril

 

 

 22:00 - Pára-quedistas chegam à prisão de Caxias. A PIDE/DGS continua a resistir.

 

 

 

AS PORTAS QUE ABRIL ABRIU  José Carlos Ary dos Santos

 

(3 fragmentos)

 

Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.

Onde entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.

(…)

Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.

Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.

Era já uma promessa
era a força da razão
do coração à cabeça
da cabeça ao coração.
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.

(…)

Posta a semente do cravo
começou a floração
do capitão ao soldado
do soldado ao capitão.

Foi então que o povo armado
percebeu qual a razão
porque o povo despojado
lhe punha as armas na mão.

Pois também ele humilhado
em sua própria grandeza
era soldado forçado
contra a pátria portuguesa.

Era preso e exilado
e no seu próprio país
muitas vezes estrangulado
pelos generais senis.

Capitão que não comanda
não pode ficar calado
é o povo que lhe manda
ser capitão revoltado é o povo que lhe diz
que não ceda e não hesite
– pode nascer um país
do ventre duma chaimite.

Porque a força bem empregue
contra a posição contrária
nunca oprime nem persegue
– é força revolucionária!

 

(in Poemabril, 2ª edição, Coimbra, 1994)

publicado por Augusta Clara às 22:00
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25 de Abril - 19

Dia 25 de Abril

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LEGENDA DE ABRIL  Papiniano Carlos (1918)

 

Para os meninos do meu país

 

 

Eram

três capitães

eram trezentos capitães

Eram

trinta sargentos

eram três mil sargentos

 

Eram

trezentos soldados

eram trinta mil soldados

 

E eram

duas e quinze da madrugada

 

Vestiam camuflados de combate

e  relampejantes

e empunhavam as armas

 

Eram

duas e quinze da madrugada

a noite chegava ao fim

 

Não eram super-homens

não eram arcanjos cavalgando

o relâmpago e o trovão

eram jovens soldados sangue

do nosso sangue popular

 

Relampejantes

empunhavam as armas

fitavam de frente os monstros

uivantes

a abominável hidra

do terror fascista

 

Eram

duas e quinze da madrugada

finalmente amanhecia

em Portugal

 

E era

de cravos couraçado

o povo triunfante

às portas de Abril

 

(Diário, 25/4/80)

 

(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)

 

 

 

 

 

25 DE ABRIL  José do Carmo Francisco (1951)

 

Dez anos depois eu trago numa bandeja

Retratos e sons que guardei na altura

Não como quem já chora ou inda festeja

A certidão de óbito passada à ditadura

 

Porque os abutres logo vieram a correr

Sem mais cuidado que tomar outro lugar

à frente das muitas secretárias do poder

Para  proibir a festa de mais avançar

 

Dez anos depois trago uma revolta

A raiva já sem limites duma tradição

Feita em eleições com fascismo à solta

Só amordaçam mas não matam a Revolução

 

(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)

 

 

 

publicado por Augusta Clara às 21:00
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25 de Abril - 18

Dia 25 de Abril

 

 

20:00 -  Disparos de elementos da PIDE/DGS sobre manifestantes que começavam a afluir à sede daquela polícia na Rua António Maria Cardoso, fazem quatro mortos e 45 feridos.

 

20:05 - É lida no RCP, a Proclamação do Movimento das Forças Armadas.

 

 

 

 

 

 

RUMOR  Antunes da Silva (1921)

 

Se gosto desgosto

desta terra onde nasci,

porque longe meço o gosto

de viver onde vivi.

 

Se aqueço arrefeço

ao lume que pressenti,

ser o lume donde aqueço

outro lume que escolhi

Não vou cantar: canto

em Abril o que colhi,

meu país e meu recanto:

outro canto descobri.

(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)

 

 


publicado por Augusta Clara às 20:00
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25 de Abril - 17

Dia 25 de Abril

 

Duas entrevistas de Otelo sobre a organização do 25 de Abril:

 

http://www1.ci.uc.pt/cd25a/wikka.php?wakka=txtOtelo1

http://www1.ci.uc.pt/cd25a/wikka.php?wakka=txtOtelo2

 

 

19:30 - Marcelo Caetano e os ministros que com ele estavam no quartel são transportados, numa Chaimite (veículo blindado), para o posto de comando do MFA, na Pontinha.

 

 

19:50 - Comunicado do MFA anuncia a queda do Governo.

 

 

 

 

10º POEMA DE ABRIL  José Manuel Mendes (1948)

 

Acolher maio com punhos

de metal

           

repartir orvalhadas rosas

bagos de coral

 

agitar bandeiras espigas

ruivas

na luz fria

 

alagar as ruas do límpido cantar

como semeando faias na penumbra

da alegria

 

dizer íris com verdes asas

povo com mica dum clamor

fabril

 

gritar este dia com agulhas

de cristal

e fecundar abril

 

(in Pedra a Pedra, Lisboa, 1983 e Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)

 

 

 

 

 

publicado por Augusta Clara às 19:00
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25 de Abril - 16

Dia 25 de Abril

 

 

15:10 - Salgueiro Maia solicita, com megafone, a rendição do Carmo em 10 minutos. Momentos antes recebera do Posto de Comando do MFA uma mensagem escrita pelo major Otelo Saraiva de Carvalho na qual ordena que apresente um aviso-ultimato para a rendição.

 

15:30 - Não sendo atendido após 15 minutos, Salgueiro Maia ordena ao tenente Santos Silva para fazer uma rajada da torre da Chaimite sobre as janelas mais altas do Quartel, repetindo o apelo de rendição logo a seguir.

15:45 - Do Quartel do Carmo sai o major Hugo Velasco, membro do MFA, para falar com o capitão Salgueiro Maia.

 

 

16:00 –  O coronel Abrantes da Silva, a pedido de Salgueiro Maia, entra no Quartel para dialogar com os sitiados.

 

16:15 -  O capitão Salgueiro Maia dá ordens ao alferes miliciano Carlos Beato para instalar os seus homens no cimo do edifício da Companhia de Seguros Império e fazer fogo sobre o Carmo, agora com armas automáticas G-3.

16:25 – Salgueiro Maia, não tendo resposta dos sitiados no Quartel do Carmo, ordena a colocação de um blindado em posição de tiro e chega a dar "voz" de "um, dois"..., sendo interrompido pelo tenente Alfredo Assunção que conduz dois civis até ele. Trata-se de Pedro Feytor Pinto, director dos Serviços de Informação da Secretaria de Estado da Informação e Turismo, e Nuno Távora, que se dizem portadores de uma mensagem do general Spínola para Marcelo Caetano.

Portugal, Lisboa. Revolução de 25 de Abril de 1974

 

16:30 - Salgueiro Maia autoriza a entrada no Quartel dos dois mensageiros.
Spínola comunica ao Posto de Comando do MFA ter recebido um pedido de Marcelo Caetano para ser ele a aceitar a rendição do chefe do governo. Otelo, após recolher a opinião dos presentes, concede-lhe esse mandato.

 

 

16:45 - Os dois mensageiros saem do Quartel do Carmo e deslocam-se num jipe, acompanhados por Alfredo Assunção, para casa de Spínola que, entretanto, se dirige já para o Carmo.

 

17:00 -  Salgueiro Maia desloca-se ao interior do Quartel e fala com Marcelo Caetano que, após ter colocado algumas perguntas, lhe solicita que um oficial-general vá efectuar a transmissão de poderes (Spínola, com quem, aliás, falara já ao telefone) para que o poder não caia na rua. .Salgueiro Maia pede a Francisco Sousa Tavares e a Pedro Coelho, oposicionistas ligados à CEUD e ao PS, para ajudarem a afastar a população. Sousa Tavares sobe para uma guarita da GNR e, usando o megafone, apela à calma.

 

17:45 - Chega ao Largo do Carmo António de Spínola. Após longos minutos envolvido pela multidão, o carro que transporta Spínola consegue, finalmente, chegar junto da porta de armas do quartel.

 

 

 

18:00 - António de Spínola, acompanhado por Salgueiro Maia (que o informa sobre o modo como os membros do Governo serão retirados das instalações), entra no Quartel do Carmo para dialogar com Marcelo Caetano.

 

18:15 - Spínola encontra-se com Marcelo e informa-o dos procedimentos que serão adoptados para a sua saída do local e posterior evacuação para a Madeira. Enquanto isso, Salgueiro Maia pede à população que abandone o Largo do Carmo, a fim de se proceder à retirada do Presidente do Conselho e dos ministros. O apelo é ignorado.

 

 

18:20 - Um comunicado do MFA informa o País da entrega de Marcelo Caetano e de membros do seu ex-governo, refugiados no Carmo.

 

 

18:30 – A  Chaimite entra de marcha atrás no Quartel do Carmo.

 

 

18:45 - O Decreto-Lei 171/74, que "entra imediatamente em vigor", extingue a Direcção-Geral de Segurança, a Legião Portuguesa, a Mocidade Portuguesa e a Mocidade Portuguesa Feminina.

 

 

 

SONETO  Olga Gonçalves (1929-2004)

 

festejar no teu corpo a liberdade
que a dobra desta noite pronuncia
sobre o nervo da voz força de alarme
garganta milimétrica de abril

um cravo da coronha de um soldado
no carmo há meia hora ainda em sentido
para o gesto tão fundo tão volável
infância já da luz dentro do sismo

jornais não censurados no tapete
uma fábula fértil de fogueiras
crepitando onde rola o som da estampa

interior ao rumo a labareda
o desenho final do nosso beijo
na premissa mais livre do meu sangue

 

(in Só de amor, Lisboa, 1975 e Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)

 

 

publicado por Augusta Clara às 15:00
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25 de Abril - 15

Dia 25 de Abril

 

 

LEMBRANÇA ENTRE ELEGIA E HINO PARA O 25 DE ABRIL  António Salvado (1936)

 

O trigo espera o campo das searas

vive o sonho o pomar:

um canto de cigarra

aguarda os frutos para se entregar

 

 

A sombra nega a promessa

na tristeza maior das oliveiras:

ausente luz que atravessa

sem clarão o estreme nevoeiro

 

Que esvaído o contorno

é este que quando o granito

sufoca a terra onde nasceu o grito

adormecido em desalento morto

 

Despertas pousam ainda nos galhos

as aves: o desafio

E o vento aguarda puro sobre as árvores

A vinha se anuncia!

(in Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)

 

 

25 DE ABRIL  José do Carmo Francisco (1951)

 

Dez anos depois eu trago numa bandeja

Retratos e sons que guardei na altura

Não como quem já chora ou inda festeja

A certidão de óbito passada à ditadura

 

Porque os abutres logo vieram a correr

Sem mais cuidado que tomar outro lugar

à frente das muitas secretárias do poder

Para  proibir a festa de mais avançar

 

Dez anos depois trago uma revolta

A raiva já sem limites duma tradição

Feita em eleições com fascismo à solta

Só amordaçam mas não matam a Revolução

 

(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)

 

publicado por Augusta Clara às 14:00
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25 de Abril - 14

Dia 25 de Abril

 

 

12:30 - É cercado, pelas forças de Salgueiro Maia, o Quartel da GNR do Largo do Carmo, onde se encontra o presidente do Conselho, Marcelo Caetano.

 

12:45 - Forças da GNR, fieis ao Governo ocupam posições na Rua da Trindade, na retaguarda do dispositivo de Salgueiro Maia.

 

 

 

 


 

 

 

 

E CORRERAM OS RIOS  Wanda Ramos(1948-1998)

 

Correram como rios as palavras

altas e soltas            correram os rios na gente

rios de lava      Lisboa inflamada acorrendo fremente

nos dias eu se abriram          vinda das faldas vertida

dos dormitórios      da cintura fumegante e mecanizada

                        Lisboa livre acorreu

enxameadas as veias      avenida da liberdade

rossio         terreiro do paço          Belém

- e além na outra banda absurdo o cristo:

braços em cruz impotente –

e correndo os rios cada vez mais latos

até o súbito despedaçar-se da seda contra a amurada

afundadas as olheiras da vigília    entornadas

as falas em busca do nexo – e achámos esta sorte

o sangue agitado o tempo:

                       uníssono o nosso grito

                          escancarado em cada rua

                          em passo de estar alerta

                          uníssono ressoou porém mais fundo.

E assim nos pergunto que águas nos lavaram tão de dentro

e levaram alamedas da liberdade acima

que rios tão feitos de luta e punhos? alegria?

(Diário de 25/4/79)

(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)

 

 

publicado por Augusta Clara às 12:30
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25 de Abril - 13

Dia 25 de Abril

 

 

11:30 – A força estacionada no Terreiro do Paço divide-se, avançando a Escola Prática de Cavalaria para o Quartel do Carmo, sendo, ao longo de todo o percurso, aclamada entusiasticamente pela população. Forças dos Regimentos de Cavalaria 7, Lanceiros 2 e Infantaria 1 - que contavam com 16 blindados vão para o Quartel-General da Legião Portuguesa.

No Rossio, uma companhia do Regimento de Infantaria 1, da Amadora, tenta barrar o caminho para o Quartel do Carmo, à coluna da EPC. Após diálogo com o comandante das tropas, estas passam para o lado de Salgueiro Maia.

 

 

 

 

COMO SE FOSSE UMA LENDA  Rui Mendes (1937)

 

Eu sou daqui destas maré íngremes preia-mar de rosas

Abril vi cantar leda madrugada às raparigas frondosas

 

Às raparigas e às mulheres cegando o vento das enseadas

Abril fresas ribeiras sonho arável do sonho ruas amuradas

 

Amuradas murmúrios nessas bagas d’anil era o fogo alteado

Abril punhos ao alto podoas que o mar no Tejo tinha secado

 

O mar as lezírias do mar com todas as velas postas de lado

Abril rimas ao ombro réstias sou tamborileiro sou soldado

 

Sou soldado ou hortelão de navios o que for seja o que seja

Abril torno do povo irmão cativo de maio anel que viceja

 

Eu sou daqui destas maré íngremes preia-mar de rosas

Abril vi cantar leda madrugada às raparigas frondosas

 

(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)

 

 

 

 


 

 

publicado por Augusta Clara às 11:30
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25 de Abril - 12

Dia 25 de Abril

 

 

 

 

O CARANGUEJO  Carlos Pinhão (1924-1993)

 

O caranguejo

talvez seja bom rapaz

não digo que não

mas quando o vejo

a andar para trás

faz-me lembrar a Revolução.

 

(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)

 

 

 

EU CANTEI ABRIL  António Augusto Menano (1937)

 

Eu cantei Abril

e tu também

 

Eu cantei Abril

e tu também

 

A raiva e o amor cantámos

sem trilhos vagos

e secretos lugares

 

Cantámos o amor

de estar em Abril, amando-o,

a cantar Maio

 

 

(De Cinco poemas de Abril e Maio, in Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)

 

publicado por Augusta Clara às 10:00
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25 de Abril - 11

Dia 25 de Abril

 

Almirante Gago Coutinho era o nome da fragata integrada nas forças da NATO cuja tripulação, a 25 de Abril de 1974, se destacou por recusar disparar sobre os tanques do exército situados no Terreiro do Paço, em Lisboa, contrariando as ordens do Estado-Maior da Armada.

 

09:00 - A fragata Almirante Gago Coutinho fundeou em frente ao Terreiro do Paço, ameaçando as forças de Salgueiro Maia. A artilharia do MFA, colocada no Cristo-Rei, tinha ordens  para afundar a fragata caso esta abrisse fogo.

 

 

 

TROVA DO MÊS DE ABRIL  Manuel Alegre (1936)

 

 

Foram dias foram anos a esperar por um só dia.
Alegrias. Desenganos. Foi o tempo que doía
com seus riscos e seus danos. Foi a noite e foi o dia
na esperança de um só dia.

Foram batalhas perdidas. Foram derrotas vitórias.
Foi a vida (foram vidas). Foi a História (foram histórias)
mil encontros despedidas. Foram vidas (foi a vida)
por um só dia vivida.

Foi o tempo que passava como se nunca passasse.
E uma flauta que cantava como se a noite rasgasse
toda a vida e uma palavra: liberdade que vivia
na esperança de um só dia.

Musa minha vem dizer o que nunca então se disse
esse morrer de viver por um dia em que se visse
um só dia e então morrer. Musa minha que tecias
um só dia dos teus dias.

Vem dizer o puro exemplo dos que nunca se cansaram
musa minha onde contemplo os dias que se passaram
sem nunca passar o tempo. Nesse tempo em que daria
a vida por um só dia.

Já muitas águas correram já muitos rios secaram
batalhas que se perderam batalhas que se ganharam.
Só os dias não morreram em que era tão curta a vida
por um só dia vivida.

E as quatro estações rolaram com seus ritmos e seus ritos.
Ventos do Norte levaram festas jogos brincos ditos.
E as chamas não se apagaram. Que na ideia a lenha ardia
toda a vida por um dia.

Fogos-fátuos cinza fria. Musa minha que cantavas
a canção que se vestia com bandeiras nas palavras.
Armas que o tempo tecia. Minha vida toda a vida
por um só dia vivida.

 

 

 


(in Atlântico, Lisboa, 1981 e  Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)

 

publicado por Augusta Clara às 09:00
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25 de Abril - 9

Dia 25 de Abril

 

 

07:00 - Vindo da Ribeira das Naus, chega ao Terreiro do Paço um pelotão de reconhecimento Panhard de Cavalaria 7, comandado pelo tenente-coronel Ferrand de Almeida, que acaba por se render, sendo preso.

 

07:30 - Quinto comunicado do MFA – Repete as advertências às forças policiais e militarizadas e pede à população que se mantenha calma e permaneça nas suas residências.

 

 

25 DE ABRIL  Hélia Correia (1949)

 

Agora deve-se beber, ohé, dançai

sobre este chão que estala com o cheiro

das coisas prometidas, com o fresco

tambor da ansiedade.

 

É, a festa, mulheres!

Que sangue vibra,

que flor ou menstruo? Cor

que abotoais nas blusas, que atirais

na direcção do sol.

                                   Espantosamente

se desfaz a montanha..

Hoje é a ceifa, oh!

                                   Beijai a terra,

soletrai-a com sede e devagar

 como se toma a posse do amor

 e se mordem os frutos.

 

 

Salve, mãe, o teu ventre perfumado

pelo nosso triunfo.

 

Bebamos, pois, o vinho destas vozes,

 soltemos estes cravos como potros

 embriagados.

 

Como intensas éguas

 incendiárias

 

Cantai, cantai, crianças o esplendor

de que nasceis herdeiras.

 

Erguei nas vossas mãos o ar por onde

esvoaça esta alegria.

 

Que ninguém adormeça.

Por que dias,

meses a fio, e anos, dançaremos

por sobre a claridade.

 

Vinde, bebei, ciganos:

eis a pátria.

 

 

(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)

 

 

 

 

 

 

 

 


publicado por Augusta Clara às 07:00
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25 de Abril - 8

Dia 25 de Abril

 

06:05 - Chega ao Terreiro do Paço um esquadrão de Chaimites reforçado com Panhards de Cavalaria 7, fiel ao Governo. Adere ao MFA, tal como os dois pelotões do Regimento de Lanceiros 2 que guardam o Ministério do Exército.

 

06:45 - Quarto comunicado do MFA: Dá-se conta de que as Forças Armadas decidiram tomar a seu cargo a presente situação, repetindo-se o aviso de que qualquer oposição das forças militarizadas será duramente punida.

 

 

AINDA HOJE SE FALA NESSE DIA  António Cabral (1931-2007)

 

Ainda hoje se fala nesse dia. Que
surgiu como bola de fogo
na sulfurosa montanha.
Dies irae, dies illa. Distante, mas

não tanto que se tenha apagado da raiva.
Sobretudo os mais novos são os primeiros
a recordar. Um hálito forte
de primavera excitava o húmido

corpo da noite e alguns cravos
trocavam na varanda suas palavras
recentemente proibidas.
À boca de muitos túneis, o mesmo corpo

surgia lentamente inundado de tons
claros. E passos musicais, firmes ,
falavam cada vez mais alto
pela incrível madrugada.

Quem decidiu tão feroz descontentamento
e encheu de alecrim as urnas
da memória? Até o ouro tinha um sabor
a enxofre. Velhas ideias

ardiam. Quão doce espectáculo! As culpas
reentravam no buraco dos olhos,
coisas insalubres, enquanto  as lendas
vinham para a rua em cabelo.

Quando rompeu a manhã, um clarão
íntimo começou a jorrar
dos  armários da luz, acumulação
de muitos anos, subiu de novo

às varandas, floriu no púbis.
Escancarou as coisas interditas.
Os jornais e as fábricas, a alcova
secreta, a rua  e os campos anilados,

a escola da luz, tudo isso comoveu
o frágil coração do poeta que
pôs olhos atentos na cotovia:
do morro o coração, emerso no nevoeiro,

cintilava. Ainda hoje
se fala desse dia.
Mas sobretudo os mais novos continuam a recordar.

 

(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 


publicado por Augusta Clara às 06:05
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25 de Abril - 7

Dia 25 de Abril

 

 

05:00 -  A  coluna de Salgueiro Maia passa na auto-estrada, em Sacavém.

 

05:15 - É lido o terceiro comunicado do MFA, onde se volta apelar para o bom senso dos comandos das forças militarizadas (PSP, GNR, PIDE/DGS, Legião…), no sentido de se evitarem confrontos com as Forças Armadas e se adverte da severidade com que tais atitudes serão punidas. Pede-se à população para recolher a suas casas e ao pessoal médico e de enfermagem que se apresente nos hospitais.

 

05:55 - A coluna da EPC instala-se no Terreiro do Paço, cercando os ministérios, a Câmara, a Marconi, o Banco de Portugal e a 1ª Divisão da P.S.P., com metralhadoras apontadas para o Ministério do Exército. «Estamos aqui para derrubar o Governo» diz Salgueiro Maia a Adelino Gomes.

 

05:59 -  O ministro do Exército telefona ao coronel Romeiras Júnior: "veja se consegue salvar esta coisa, pois estamos todos cercados". O coronel diz que as forças fiéis iam a caminho e já se encontravam na Av. 24 de Julho.

 

 

 

O DIA INCOMUM DE UM EXILADO VIVENDO ENTÃO EM VANCOUVER  Sérgio Godinho (1945)

 

Era muito longe, ou seja

no Pacífico

Notícias de jornal, confusas:

tanques ocupam a praça central

de Lisboa

Digo-me: mal eles sabem que se chama

Rossio

mas digo-me também: se é a revolução

daquele do monóculo

pouco tenho a esperar

Depois espanto-me: como é possível

que libertem assim

sem mais nem menos

os presos políticos

e prometam a autodeterminação

de colónias

economicamente tão preciosas?

O povo saiu à rua e foi isso

que mudou tudo, explicam-me então

pelo telefone.

No dia em que abalei

para aqui ficar

deixei sem remorsos:

a minha horta

cujos legumes tantas vezes protegi

um trabalho que tanto suspeitava amar

e os amigos que, querendo ser generosos,

me disseram:

«Vai, vais ver que não te arrependes»

Esquece-se muita coisa...

à força de ver caras novas

não sei se me lembro das antigas

embora as veja tão bonitas

e disponíveis

na memória

e por vezes em fotografia.

(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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25 de Abril - 6

Dia 25 de Abril

 

 

 

04:20 - O aeroporto Militar de Figo Maduro (anexo ao Aeroporto de Lisboa, é ocupado por um só homem, o capitão Costa Martins. Utiliza o "bluff" de que está à frente de uma Companhia de Infantaria, o capitão. Usa o mesmo "bluff" e dá ordens de encerrar todo o tráfego na Portela. Chegam forças da Escola Prática de Infantaria (Mafra). O aeroporto de Lisboa é encerrado. O tráfego aéreo é reencaminhado para Madrid e Las Palmas.

 

04:26 - Leitura do primeiro comunicado do MFA, pela voz do jornalista Joaquim Furtado, aos microfones do Rádio Clube Português:

 

Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas.

As Forças Armadas portuguesas apelam a todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de recolherem a suas casas, nas quais se devem conservar com a máxima calma. Esperamos sinceramente que a gravidade da hora que vivemos não seja tristemente assinalada por qualquer acidente pessoal, para o que apelamos para o bom senso dos comandos das forças militarizadas, no sentido de serem evitados quaisquer confrontos com as Forças Armadas. Tal confronto, além de desnecessário, só poderá conduzir a sérios prejuízos individuais que enlutariam e criariam divisões entre os Portugueses, o que há que evitar a todo o custo. Não obstante a expressa preocupação de não fazer correr a mínima gota de sangue de qualquer português, apelamos para o espírito cívico e profissional da classe médica, esperando a sua acorrência aos hospitais, a fim de prestar a sua eventual colaboração, que se deseja, sinceramente, desnecessária.

 

 

04:45 - Leitura do segundo comunicado do MFA, na antena do RCP – Nele, aconselha-se prudência às forças militarizadas e policiais no sentido de evitar confrontos e avisa-se os respectivos comandos de que serão severamente responsabilizados se ignorarem esta recomendação.

 

 

CANTIGA DE ABRIL  Jorge de Sena

 

 

 

Às Forças Armadas e ao povo de Portugal
«Não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade»
J. de S.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Quase, quase cinquenta anos
reinaram neste pais,
e conta de tantos danos,
de tantos crimes e enganos,
chegava até à raiz.

 

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

 

Tantos morreram sem ver
o dia do despertar!
Tantos sem poder saber
com que letras escrever,
com que palavras gritar!

 

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

 

Essa paz de cemitério
toda prisão ou censura,
e o poder feito galdério.
sem limite e sem cautério,
todo embófia e sinecura.

 

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

 

Esses ricos sem vergonha,
esses pobres sem futuro,
essa emigração medonha,
e a tristeza uma peçonha
envenenando o ar puro.

 

Qual a cor da liberdade?
É verde. verde e vermelha.

 

Essas guerras de além-mar
gastando as armas e a gente,
esse morrer e matar
sem sinal de se acabar
por politica demente.

 

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

 

Esse perder-se no mundo
o nome de Portugal,
essa amargura sem fundo,
só miséria sem segundo,
só desespero fatal.

 

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

 

Quase, quase cinquenta anos
durou esta eternidade,
numa sombra de gusanos
e em negócios de ciganos,
entre mentira e maldade.

 

Qual a cor da liberdade?
E verde, verde e vermelha.

 

Saem tanques para a rua,
sai o povo logo atrás:
estala enfim altiva e nua,
com força que não recua,
a verdade mais veraz.

 

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

 

 

 

(26-28(?)/4/1974)

 

 

 

 (In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)


 

publicado por Augusta Clara às 04:20
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