Sexta-feira, 14 de Janeiro de 2011

Futebol, cultura e democracia

 


 

 

 

 

 

Carlos Loures

Estas três palavras andam por vezes tão separadas que mais parecem pertencer a três diferentes idiomas. Quando ouvimos as claques insultar os adversários em linguagem rasteira ou quando tomamos conhecimento de actos de corrupção ou de deturpação da verdade desportiva, é difícil associar ao futebol os conceitos de cultura e de democracia. No entanto, ao longo da minha vida profissional, grande parte dela passada no mundo da edição, por diversas vezes me cruzei com o futebol. Vou referir dois desses fortuitos encontros. 


Anos atrás, traduzi um livro de Ernesto Sábato, o grande escritor argentino, um dos indigitados crónicos para o Prémio Nobel da Literatura. Foi o romance «Sobre héroes y tumbas» que na edição portuguesa, com o acordo do autor, ficou «Heróis e Túmulos». Não foi trabalho fácil, pois tendo estudado o castelhano europeu, deparei com um texto cheio de argot porteño que só vim a decifrar com a ajuda de Sábato. - tendo-lhe confiado os problemas, mandou-me um glossário com termos que os dicionários de que dispunha  não registavam. 

Contudo, o que me surpreendeu num intelectual de tamanha dimensão foi o rigor com que as suas personagens discorriam sobre futebol, descrevendo jogadas de confrontos históricos entre o Boca e o River Plate, evocando grandes jogadores... Vim depois a saber que Sábato, hoje quase centenário, pois nasceu em Junho de 1911, é um fervoroso adepto do Boca Juniors, o clube do mítico Diego Maradona. Hei-de voltar a falar de Ernesto Sábato e oxalá que seja a propósito da atribuição do Nobel – poucos escritores houve e há que tanto justifiquem esse galardão. 


Num almoço que, há muitos anos tive com o grande musicólogo João de Freitas Branco e com o maestro Ivo Cruz no restaurante Belcanto, no Largo de São Carlos, Freitas Branco contou-me um episódio muito curioso ocorrido durante a vinda a Lisboa do grande violinista ucraniano David Oistrakh, que na altura era considerado o maior executante do mundo, sobretudo de compositores do repertório russo contemporâneo. 


Logo após a chegada e a recepção protocolar, Oistrakh chamou Freitas Branco de parte e pediu-lhe para lhe arranjar maneira de ir ver o Eusébio jogar. Embora surpreendido pelo inusitado pedido, o maestro contactou o presidente do Benfica e logo foi disponibilizado um camarote para Oistrakh e Freitas Branco. Diz-se que, no final do concerto, o grande violinista não agradeceu pela segunda vez os aplausos do público do São Carlos, para poder chegar rapidamente ao estádio. No final do jogo, em que Eusébio marcou um golo magnífico, David Oistrakh foi ao balneário cumprimentar o jogador.

Sobre o concerto em São Carlos, o grande escritor José Gomes Ferreira escreveu um interessante poema, que vem publicado no 2º volume de Poeta Militante (Não, não deixes secar/este fio de água de violino/que nas manhãs de ouro/completa as nossas sombras com flores -/ enquanto os pássaros de sementes nos olhos/procuram na espiral dos voos/outro cárcere de recomeço.). A leitura deste belo poema de Gomes Ferreira, leva-nos até a Fernando Namora e a Manuel Alegre. O primeiro, no seu poema «Marketing», alude aos 5-3 do Eusébio à Coreia. Manuel Alegre, sobre o «Pantera Negra» diz:

Havia nele a máxima tensão
Como um clássico ordenava a própria força
Sabia a contenção e era explosão
Não era só instinto era ciência
Magia e teoria já só prática
Havia nele a arte e a inteligência
Do puro e sua matemática
Buscava o golo mais que golo – só palavra
Abstracção ponto no espaço teorema
Despido do supérfluo rematava
E então não era golo – era poema.

Futebol, democracia e cultura – palavras de idiomas diferentes e de distintos mundos conceptuais? Não necessariamente. Figuras míticas como Pinga, Pepe, Peyroteo, Eusébio fazem parte da face luminosa do futebol. Bem sei que há a face oculta, aquela a que a resplandecente luz solar da verdade nunca chega – claques, subornos, tráficos diversos… Hoje quis falar da sua face positiva, luminosamente inspiradora.

Aquela em que o futebol nos reconcilia com a beleza da vida, dela fazendo parte. O futebol não tem de estar sempre nos antípodas da cultura e da democracia. 

Nota: Publiquei este texto no "Todos Somos Portugal", um blogue do nosso colaborador Carlos Godinho. É um blogue ligado às coisas do futebol em particular, nomeadamente da actividade das selecções, e do desporto em geral. Por serem estes dias dominados pelo futebol, pareceu-me oportuno publicá.lo aqui .

publicado por João Machado às 16:20
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Quarta-feira, 12 de Janeiro de 2011

E A DOENÇA FILHO? O NOVO FASCISMO QUE NOS PUNE COM TERRAMOTOS - 3- por Raúl Iturra -3

(Conclusão)

O novo Presidente do Chile, essa doença…

Permita-me, filho, que diga que a nossa doença advém daí. Do desapreço que recebemos, dos desapreços que sentimos. Quando o fascismo torna a ser dono de um país destruído. Quando a terra tremeu as 11.25 da manhã de hoje, ao ser transferida a banda presidencial da socialista Michele Bachelet ao novo Presidente: o que faltava por cair no Chile, derrubou-se nesse minuto. Da concorrência, à qual esse sentimento do lobby que ganha, nos obriga sentir. Do correr entre milhares, para sempre chegar primeiro. Sem reparar que há os que não querem correr. Ou, não podem. De que há os que querem calma e paz e silêncio, e nós ouvimos barulho. Esse que não é das Canções sem palavras de Schubert, que me acompanham enquanto faço este texto para ti.


A doença social acaba na individual, acaba no acamar para descansar do olhar crítico dos que possuem o que nós já tivemos e que o tempo nos fez deixar. Acaba por nos acamar quando há um patrono que manda trabalho sem nos consultar, com horas a mais, sem segurança social que nos garanta esse dia de repouso, esse dia de contar as horas para poder dançar sem mais fazer que rir. Esse dia, que é o tempo de estar com aqueles que fizemos. E ter essa companhia para passar os dias. Uma doença, que nasce de se habituar a andar em silêncio, a seguir o tanto falar que a ocorrência concorrencial da vida nos impingiu na alma, no pensamento, na ideia, na cultura de crime e castigo que tivemos de viver. A doença aparece no olho, no estômago, no pé, mas é a alma que aí a quis colocar, que a quis pôr. Ao longo da vida, corremos mil provas para a ganhar. E, provas corridas e ganhas ou perdidas, o que queremos é que a vida seja a lealdade carinhosa dos que acompanhamos e quisemos nós próprios, acompanhar. Desses que não guardam silêncio e podem falar de si perante os seres amados, os seres em quem nós confidenciamos, os seres que constroem o elo da nossa vida de prazer.
A vida, que Freud nos diz, tentamos fazer e não conseguimos, porque, como lhe diz Malinowski, em 1926, através de Jones, esse discípulo de Freud com quem o nosso pai da Antropologia discute, a vida está definida antes de nós nascermos e à mesma ficamos colados. Colados para sermos premiados se andamos pela via do meio, punidos se andamos pela via contrária. Via pela qual, tantos gostam de andar.


publicado por Carlos Loures às 15:00

editado por Luis Moreira às 01:57
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Quinta-feira, 23 de Dezembro de 2010

Folclore da região de Coimbra

No texto anterior, disse a Carla  Romualdo que Coimbra não é só fado. Pois claro que não - além da música mais recente que se pode escutar na cidade, há o folclore da região. E o que se entende por folclore e por música folclórica?

No dizer de Fernando Lopes Graça, os grupos folclóricos em que o salazarismo pretendeu encerrar, aprisionar a música popular, constituíam «mera contrafacção». E Lopes Graça que com o etnomusicólogo Michel Giacometti levou a cabo uma das mais exaustivas recolhas da música verdadeiramente popular, sabia do que falava.

A definição de música genuinamente  folclórica era, para o maestro, “ a música que está sujeita ao processo de transmissão oral. É produto de evolução e acha-se dependente de circunstâncias de continuidade, variação e selecção”. Para Fernando Lopes Graça a música de raízes verdadeiramente populares não era compatível com a a visão o regime ao criar os ranchos,“criações artificiosas, produtos daquela já anunciada folclorite aguda(...) Os ranchos folclóricos são folclore organizado, e já se deixa ver que folclore organizado é folclore deturpado – deturpação em que há um misto de ingenuidade, de cálculo, de parvoinha competição regionalista ou bairrista”. Como disse em A Canção Popular Portuguesa -
"O verdadeiro sentido do Folclore consiste no que ele tem de verdadeiro e no que pode contribuir para o conhecimento etnográfico de um povo e não no que ele tem de adulterado, servindo funções propagandísticas O folclore é, no fundo, um capítulo de etnografia e, implicitamente da antropologia – portanto um modo de conhecimento do homem nas suas manifestações artísticas, literárias e culturais tradicionais”.

No entanto, vinda a Revolução de Abril, alguns «ranchos» sobreviveram. Sinal de que alguma coisa significam para os que neles exercem a sua actividade e para os que acorrem a ver as suas exibições. E para quem os subsidia. Coimbra tem os seus grupos folclóricos e intérpretes que se dedicam á divulgação da música popular. É o caso de Isabel Silvestre, criadora do Grupo Cantares e Trajes de Manhouce, que, com preocupação etnográfica, tem participado em diversos trabalhos em distintos pontos do País e que  podemos ouvir em Vira de Coimbra.




O Grupo Etnográfico da Região de Coimbra parece ter conservado todas as características que o Estado Novo insuflava nos ranchos, Nem a designação de "Grupo Etnográfico" o liberta da pesada herança dos "ranchos".



E lá longe, do outro lado do Atlântico Sul, o Rancho Folclórico Tricanas de Coimbra - Santos,São Paulo segue a mesma linha dos ranchos constituídos durante o Estado Novo e subsidiados pela Junta central das Casas do Povo - interpretar o folclore como visão estática e museográfica dos costumes e tradições dos povos e não na dimensão antropológica, dinâmica em que a vida dos povos decorre.

 ...
publicado por Carlos Loures às 16:00
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Coimbra , cidade real

José Hermano Saraiva






Mudou de mãos várias vezes e só em 10… foi definitivamente incorporada no domínio cristão, sob o governo prudente do moçárabe Sesnando.


O fundador da monarquia habitou muitas vezes a alcáçova da cidade e quis ter sua última morada na Igreja do Mosteiro de Santa Cruz, cuja fundação promoveu em 1132. E fizeram-lhe essa vontade. A modesta sepultura foi transformada, no século XVI, por este esplendoroso monumento. Os documentos, e quando eles faltam a tradição dá como nascidos em Coimbra, o filho de D. Afonso Henriques, Sancho I; o neto, Afonso II; o bisneto, Sancho II; o outro bisneto que destronou o irmão, Afonso III; o trineto, D. Dinis; o tetraneto, Afonso IV; o tetraneto, Pedro o Cru, e o filho deste D. Fernando, todos nasceram em Coimbra. O irmão bastardo de D. Fernando, Mestre de Avis, não se sabe onde nasceu, mas é certo que quando a revolução lhe entregou o trono, escolheu para lugar de eleição a cidade de Coimbra. E desse modo nasceu aqui a segunda dinastia real portuguesa.

Não pode falar-se em capital, porque nos séculos medievais a corte era ambulante. Mas existia uma cidade cabeça do reino de Portugal. E essa cidade era Coimbra.


(in Histórias de Cidades)


Ouçamos uma composição de um ilustre filho de Coimbra, um dos grande poetas medievais portugueses  - Dinis, assim se chamava.


-Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo?
Ai Deus, e u é?


Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado?
Ai Deus, e u é?


Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pos comigo?
Ai Deus, e u é?


Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi há jurado?
Ai Deus, e u é?


 -Vós me perguntades polo voss' amigo,
e eu bem vos digo que é sã e vivo.
- Ai Deus, e u é?


-Vós me perguntades polo voss' amado,
e eu bem vos digo que é viv' e são.
-Ai Deus, e u é?


-E eu bem vos digo que é sã e vivo,
e seerá vosc’ ant' o prazo saido.
-Ai Deus, e u é?


-E eu bem vos digo que é viv' e são,
E será vosc'ant' o prazo passado.
-Ai Deus , e u é!


D. DINIS > (1261- 1325)






Cappella Bracarensis - "Ai flores do verde pino" - D.Dinis/M.Carneiro












publicado por Carlos Loures às 12:00
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Terça-feira, 23 de Novembro de 2010

Do Romantismo ao fascismo, e deste ao neo-liberalismo, passando pelo negócio das camisas (I)

Carlos Loures
Giuseppe Garibaldi, óleo sobre tela,
Girolamo Induno, 1870, Museo del Risorgimento







Ainda um dia havemos de falar aqui de Giuseppe Garibaldi, um homem que teve um papel decisivo na unificação da Península italiana, dividida em diversos estados. Foi considerado um dos pais da pátria italiana, juntamente com Giuseppe Mazzini e com o Conde de Cavour. Outra designação que lhe é atribuída é a de "herói dos dois mundos”, pois além da sua intervenção em Itália foi um mítico combatente na América do Sul. Na chamada Guerra Grande do Uruguai, em 1842, foi nomeado capitão da armada uruguaia que se batia contra as forças do governador de Buenos Aires, Juan Manuel de Rosas.
Em 1843, durante a defesa de Montevideu, criou a Legião Italiana que se distinguiam pelas suas berrantes "camisas vermelhas". A Legião teve um papel decisivo impedindo a tomada de Montevideu pelas tropas do presidente uruguaio Manuel Uribe. Garibaldi combatera já no Brasil ao lado dos farroupilhas na Guerra dos Farrapos. Em 1846, Garibaldi obteve rotundas vitórias nas batalhas de Cerro e de San Antonio. Mas, por que usavam os seus voluntários camisas vermelhas?

Segundo me lembro de ouvir contar, a história das camisas vermelhas teve origem no facto fortuito de o líder italiano, querendo uniformizar os seus homens, se cruzar acidentalmente no rio La Plata com um negociante de roupas que levava túnicas vermelhas para satisfazer uma encomenda de um matadouro de Buenos Aires (vermelhas para não se notar as manchas de sangue das reses abatidas), comprou todo o lote e equipou com ele os seus mil soldados voluntários. Desse acontecimento puramente casual, terá nascido a vaga das camisas que os partidos de extrema direita (e não só) usaram no século XX. Os primeiros a inspirar-se nos camisas vermelhas foram os fascistas em Itália – os camisas negras, do partido organizado por Benito Mussolini.


Muitos outros se seguiram pelo mundo fora: na Alemanha nazi, as camisas pretas foram destinadas às SS (Schutzstaffel), a guarda pessoal de Hitler. As SA (Sturmabteilung), usavam camisas castanhas. Os fascistas britânicos da União Britânica de Fascistas, liderada por Oswald Mosley, optaram também pelo negro. Nos Estados Unidos, o führer local, William Dudley Pelley escolheu as Shirts Silver (camisas prateadas) para a sua Legião de Prata da América. O azul foi a cor preferida por numerosas partidos e formações paramilitares de extrema direita – a Falange Española, de José Antonio Primo de Rivera, pelos Blueshirts irlandeses, de Eoin O'Duffy para o seu Army Comrades Association, pelos Blueshirts da organização canadiana Canadian National Socialist Unity Party, pelos franceses do Solidarité Française e pelo Parti Franciste, bem como pelos chineses da Sociedade das Camisas Azuis. No México o movimento fascista local usou camisas douradas. O Movimento Integralista Brasileiro, de Plínio Salgado, usava camisas verdes. Em Portugal, como sabemos, a cor das organizações «patrióticas» foi o verde, usado pela Legião Portuguesa e pela Mocidade Portuguesa. Rolão Preto, no seu movimento «nacional-sindicalista» seguiu Itália e as suas “camisa negras”. Não pus datas, mas este negócio das camisas funcionou em pleno nos anos 20 e 30 do Século XX, a meio dos anos 40 começou a entrar em decínio. Na Península Ibérica ainda durou mais três décadas.
Hoje, as camisas são outras – brancas, azuis claras, particularmente quando se vai á televisão – e ostentam marcas Levi’s, Armani, Pierre Cardin… Mas a história destas camisas e dos crimes com elas relacionados - às camisas estão sempre associados holocaustos ou corrupções - é diferente. Mas com alguns pontos de contacto. Lá chegaremos. Para já, ficamos com o hino dos fascistas italianos, cantado pelo grande Beniamino Gigli – “Giovinezza” (Juventude) – Os fascistas sempre idolatraram a juventude – sintomas de pedofilia? Reparem no estilo empolado, saltitante…



(Continua)
publicado por Carlos Loures às 12:20
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Segunda-feira, 22 de Novembro de 2010

Como o Constantino, a fama dos problemas já vem de longe.

Carlos Mesquita


O Estrolabio publicou no passado Sábado um texto de José de Almeida Serra; “Extratos de alguns Pareceres do Conselho Económico e Social – CES”.

Duvido que tenha sido lido por parte significativa dos leitores do blogue. Primeiro porque são mais de uma dúzia de páginas A4, (a tendência do Estrolabio para concorrer com a Torre do Tombo...) segundo porque a matéria é economia, que dá mais dores de cabeça que escritos às escadinhas.

Trata-se de “textos escolhidos”, na linha das publicações “tal como eu tinha avisado” ou “não me deram ouvidos e agora tomem”. Eu próprio já estive tentado a fazer uma coisa do género, com previsões acertadas que publiquei, desde a guerra do Iraque à do Afeganistão, do caso Freeport à Carolina Salgado, das barragens ao TGV, do BPN à ingovernabilidade actual, etc.

Funciona para propagar credibilidade, e ainda melhor, escondendo as vezes que falhámos nas análises e críticas.

Ler o artigo citado é útil para perceber que as questões e críticas às políticas actuais, já eram apresentadas nas épocas dos governos de Cavaco, Guterres e Durão Barroso, são os mesmos problemas conjunturais, os mesmos recados, as mesmas falhas. Acresce que os pareceres do Conselho Económico e Social têm como função influenciar os órgãos de soberania. Os políticos em quem votámos para as várias instâncias de poder conhecem essas opiniões. Não serve de nada.

A dinâmica que comanda a nossa vida colectiva é ditada pelos ciclos eleitorais. Pela luta pelo poder político, por agradar a uns ou outros detentores do poder económico.

Podia não ser assim se a “sociedade civil” (detesto esta designação mas serve) não embarcasse em discutir as bandeiras que os partidos querem mas os temas que realmente importam. O TGV ou as infra-estruturas, a educação ou o SNS, a regionalização e tantas outras matérias importantes, são abordadas como casos de paixão futebolística, com argumentos primários lançados pelos partidos, sem que se procure aprofundar todas as vertentes em questão.

Por isso queria sugerir pegar num assunto que seja um problema nacional e discuti-lo aqui. Convidando alguns especialistas para lançar o debate ou não.

Os problemas económicos em agenda, dos quais relevam os efeitos das políticas propostas ou em execução, e que irão manter-se nos próximos tempos prendem-se com a receita e despesas públicas, a dívida ao estrangeiro, os défices. Aponto uma matéria que é comum às preocupações da esquerda e da direita política, e que concordo ser o principal problema nacional, a Divida Externa.

Faz sentido debater aqui este assunto?
publicado por Carlos Loures às 11:00
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Sexta-feira, 19 de Novembro de 2010

… e, de repente, o céu tombou-nos em cima da cabeça! (1), por José de Almeida Serra

José de Almeida Serra


Havíamos tido o PEC I e o II, com garantias, em cada qual, da resolução dos nossos problemas; só que nos faltava o III; como certamente nos faltará ainda um IV, um V e o que mais se verá; tudo por mal dos nossos “pec-ados”.

E, prestamente, muitos lembraram que haviam avisado – uns há uns meses, outros há um ou dois anos. Mas julgo que todos esqueceram os avisos, propostas e recomendações do Conselho Económico e Social – CES -, ao longo da última década.

Dei-me ao trabalho de compilar o que se escreveu em vários dos seus Pareceres, todos aprovados em Plenário por unanimidade ou quase unanimidade, e a conclusão é óbvia: há uma década, ou mesmo mais, havia-se feito o diagnóstico e apresentado propostas para muitos dos nossos problemas, apresentando-se a seguir quadro com algumas das recomendações formuladas (2). Diagnóstico e propostas que foram completamente ignorados pelos responsáveis políticos; todos os governos confundidos.

E, contudo, sendo o CES um órgão constitucionalmente previsto e com funções e responsabilidades fixadas a esse nível, podendo socorrer-se de quadros que estão certamente entre os de maior conhecimento do País, e sendo, porventura, a Câmara não exclusivamente política mais representativa da sociedade portuguesa, deveria ter merecido alguma atenção. Não mereceu.

Não acho necessário acrescentar grande coisa às propostas formuladas pelo CES ao longo do tempo; apenas referir que os problemas se agravaram grandemente, como bem fica demonstrado em quadro junto: “Portugal – alguns indicadores essenciais” (com alguns dados de 1998 até ao presente). Pergunta-se: porque teve que ser assim?

Mas, como já afirmara um grande cantor desaparecido há umas décadas, “quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga”, há que encontrar saídas.

Não há alternativa a medidas muito drásticas e radicais no presente. Em qualquer caso teremos de nos interrogar: que medidas? Recaindo sobre que grupos e em que extensão?

Não se pode continuar nem com a total irracionalidade em matéria de obras públicas, nem como o enorme desperdício constatável ao nível da nossa Administração, nem com a iniquidade do nosso sistema fiscal.

A todos os níveis terão de ser feitas análises de custo-benefício e prioritizar adequadamente intervenções, acções e projectos.

Não se pode continuar a atirar para a frente problemas e endividamento. No fundo aquilo que a minha geração - que beneficiou largamente dos sistemas sociais instalados, que ampliou substancialmente em próprio benefício - se prepara para deixar a filhos e netos são dívidas. E incertezas.

Temos as taxas de desemprego que temos e que são das mais elevadas da União; com a agravante de os desempregados serem, quase em exclusivo, provenientes da actividade produtiva privada. Se e quando o mercado deixa de reconhecer o interesse dos produtos, ou não aceita os preços propostos, as actividades acabam e, com elas, o emprego.

No Estado, contudo, não há qualquer regulação e serviços inteiros, que não servem para nada e nada produzem, continuam a existir com a simples lógica de “estarem” e de absorver recursos. Quem geriu bem e produziu tem agora o mesmo tratamento que outros que se limitaram a gastar; agora há que cortar e rasoura-se a eito. Há que introduzir critérios de racionalidade, de avaliação e de controlo. Todos temos de ser avaliados e controlados.

Não parece necessário dar exemplos; basta ver os resultados (melhor dito: a ausência dos mesmos) ao nível de muitas responsabilidades do Estado, que dão “ocupação” e salário a muitos milhares, sem “produção” visível, para concluir pela não necessidade das respectivas atribuições (por exemplo: em matéria de investigação, por mais que a imprensa denuncie e se contem histórias, se no fim tudo se esfuma e nada se conclui, teremos de reconhecer estar-se perante “fantasmas”; pois, se tal não fosse o caso, estaríamos perante incapazes de descobrir o quer que fosse).

Não temos o direito de “empurrar problemas” para a frente, e para outros. E se acontecer, por exemplo, situações em que deficits foram cobertos com recurso a fundos de pensões, sobretudo se insuficientemente provisionados, isso significaria contracção clandestina (na acepção de não registada) de dívida pública e/ou assunção por parte do Estado de responsabilidades particulares.

Não pretendo referir-me a nenhuma situação concreta (afinal já temos uma boa meia dezena de casos e outros se perfilam no horizonte), em particular a um contemporâneo de que tanto se fala (3); antes me parece que a tentação é grande e o sarilho pode aumentar. Mas se, segundo a Bíblia, já Esaú vendera a primogenitura a Jacob por um prato de lentilhas – pois tinha fome, o prato estava ali à mão e o futuro só a Deus pertence!

A transferência de fundos de pensões privados para o Estado não é, portanto, neutral, e vem completamente ao arrepio da tão apregoada defesa da gestão privada de pensões; anotando-se ainda a “curiosidade” dessa defesa de nacionalização de fundos privados ser também proveniente de responsáveis de empresas privadas que fazem negócio da gestão de fundos de pensões.

Mesmo que no momento inicial de uma determinada operação tudo esteja correcto – o valor dos fundos transferidos ser igual ao cálculo actuarial das responsabilidades assumidas –, ainda assim o que substantivamente se está a fazer é contrair dívida, que um dia alguém terá de pagar.

Pior ainda seria se ocorresse insuficiência de provisionamento de algum fundo transferido: aqui estar-se-ia perante a atribuição de um benefício indevido a uma entidade particular, pública ou privada. A Comunidade assumiria colectivamente responsabilidades individuais e de que sairiam beneficiados uns quantos. Seria moral?

Igualdade de todos perante o imposto (no respeito de diferenciações de carácter social que atendam aos níveis de vida dos contribuintes – quem ganha/recebe mais deveria, do meu ponto de vista, pagar marginalmente mais). Se um qualquer cidadão tiver uma mais-valia de 100 euros certamente terá de pagar à volta de 20 euros de imposto; e se porventura se esquecesse de o fazer seria – e bem – altamente aborrecido pelo Fisco.

E onde houver mais-valias de centenas ou milhares de milhões não investidas podendo significar várias dezenas ou centenas de milhões em imposto? Não obstante já terem ocorrido no passado perdões muito avultados de pagamento de imposto sobre essas mais valias não se acredita que fosse possível, sobretudo nas actuais circunstâncias, reproduzir esse modelo

Para quando acabar com a “floresta densa” de benefícios, deduções e nichos fiscais - frequentemente socialmente injustos, quando não imorais - e que se tornam claramente incontroláveis nos seus resultados e beneficiários? Por exemplo: para quando a disciplina rigorosa das “Fundações”?

Rigor, competência e “costela pública” nas aquisições para o Estado. Se viesse a constatar-se terem sido pagos a título de comissões importâncias avultadas, estaríamos – no mínimo - perante uma óbvia manifestação de incompetência por parte dos intervenientes, designadamente dos mais altos responsáveis (mesmo, ou sobretudo, quando tais verbas desaparecessem no pântano movediço das offshores), por não terem sido capazes de baixar o preço pago para níveis não “comissionáveis”. Que legitimidade haveria para continuar a pregar-se racionalidade na Administração e moralidade pública?

Minimizar a economia subterrânea e a fuga fiscal. Em quadro que se preparou chega-se à conclusão (em hipóteses que me parece pecarem por defeito) que o montante não cobrado de receitas fiscais decorrente de tal fuga representará, certamente, não menos de 4% a 6% do PIB – ou seja metade ou mais do deficit (e, sejamos generosos, ainda se continuaria com uma grande economia subterrânea, de que continuaria a tirar proveito muito “boa e honrada” gente) (4).

Parece evidente que a Assembleia da República não tem exercido cabalmente as funções que lhe competem: nem em matéria fiscal, nem orçamental, nem de acompanhamento dos aspectos macro da despesa – pensa-se no acompanhamento de grandes projectos de investimento ou na avaliação e seguimento da assunção pelo Estado de grandes responsabilidades futuras ou, ainda, em situações de não cobrança de impostos em operações gerando mais valias de grande vulto, quando não reaplicadas.

A nossa Sociedade está como está. Que coesão social? Que esperança? Que lugar para os mais novos? Para os desempregados? Que projecto de desenvolvimento? Que solidariedade? Que esperança de futuro?

Como outrora, “vimos, ouvimos e lemos”, mas continuamos a ignorar. A seguir à canção, foi o que se viu. Entretanto, muitos dos vencedores de 74 envelheceram, engordaram e aburguesaram. Vários auto-atribuíram-se um modo de vida: estar, gozada e placidamente, na nova ordem com a justificação de algum dia terem (?) sido oposição.

Mas atenção: nunca se escreveu tanto sobre as figuras do antigo regime como agora, sobretudo sobre o seu chefe incontestável (livros que, aliás, têm procura). E numa votação – que muitos dizem enviesada, mas onde votou quem quis, como quis e quando quis – alguém ganhou. E alguém ficou em segundo lugar. Extremos que, como a História já demonstrou, frequentemente se aliam, se juntam e se potenciam. Partindo do principio que os que votaram não são (totalmente) irresponsáveis fica a questão: poderá isso dizer alguma coisa?

JAS/Outubro/2010

(1) Por José de Almeida Serra


(2) Uma versão mais desenvolvida do documento pode ser consultada no site


(3) Embora não deixe de reproduzir aqui o seguinte: “… este dinheiro poderá ser usado para múltiplos objectivos: investimento, reduzir dívida, meter no fundo de pensões, pagar dividendos…” (sublinhado meu), Presidente da PT em entrevista ao Diário de Notícias de 1/8/2010 sobre a mais valia de 3,75 mil milhões de euros resultante da venda da Vivo e após dedução do investimento na OI.


(4) Elaborou-se sobre o assunto um quadro a partir de três estudos da responsabilidade de quatro investigadores (Universidades de Linz, Dresden e Heidelberg, e, ainda, Banco Mundial) que pode ser consultado no site
publicado por Carlos Loures às 21:00
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Sexta-feira, 12 de Novembro de 2010

A Democracia em que vivemos - um novo fascismo? (I)

Carlos Loures


Reli recentemente uma nova edição portuguesa de O Contrato Social (Du contrat social ou essai sur la forme de la République), a obra de Jean-Jacques Rousseau, agora com uma interessante introdução de João Lopes Alves. Esta edição não se refere à versão definitiva do texto, publicada em Amesterdão, em 1762, mas sim a uma primeira abordagem do tema, que não é a que melhor conhecemos, por ser a mais divulgada. .Aliás, a edição de Amesterdão tinha um subtítulo diferente – Du contrat social, ou Principes du droit politique. A leitura desta edição conduziu-me à releitura da de Amesterdão que, por sua vez, me levou a uma reflexão sobre a natureza da nossa democracia. O que ressalta da minha leitura de Rousseau são as reservas que ele tinha para com um regime que iria, sobretudo a partir de 1789, nos dois séculos seguintes constituir a principal esperança dos oprimidos.
Talvez pareça um exagero comparar a democracia que temos ao fascismo que tivemos. De certo modo, é-o. É, sobretudo, uma maneira provocatória de exprimir o sentimento de revolta que me assalta ao ver que este sistema democrático, teoricamente emanado da vontade popular, expresso no voto livre dos cidadãos, nos proporciona uma sociedade tão tacanha e uma classe política tão ou mais corrupta do que a do antigo regime salazarista. É um exagero assumido, com o qual procuro chamar a atenção para aquilo que na prática se manteve inalterável – a injustiça social, as grandes assimetrias culturais (embora a iliteracia – quase um eufemismo para analfabetismo - seja agora protegida por diplomas). O poder, o verdadeiro poder, está nas mãos dos grandes grupos económicos, tal como durante o período da ditadura. Mas agora esta situação é sancionada pelo voto livre dos cidadãos ao elegerem os seus representantes no Parlamento e o chefe de Estado. Quanto a mim, é uma diferença pouco mais do que formal.

Há liberdade uma total de expressão, mas a televisão e o marketing político das grandes máquinas partidárias do chamado «bloco central» se encarregam, através de insidiosos opinion makers, de unificar o pensamento. E sem o aparato repressivo dos Goebbels e dos António Ferro, com a disseminação do «politicamente correcto» aí temos o pensamento único, um instrumento fundamental do neo-liberalismo. Porque o pensamento único , apresentado como pedra angular do sistema, impõe como verdade absoluta e indiscutível o primado do económico sobre o sociopolítico. Já vi jovens economistas rindo-se de argumentos de natureza moral e política. O politicamente correcto, que abriu caminho ao pensamento único, impõe uma total independência da economia. A economia tem de ser apolítica, dizem com o ar de quem diz o que é óbvio. Outros pilares do sistema – o realismo (as coisas são como são) e o pragmatismo (para se solucionar um problema de natureza económica, a ideologia política tem de ser erradicada).

Os princípios da nossa democracia, mercê do realismo, do pragmatismo e da perspectiva do pensamento único, obedece já não a princípios – obedece às lei e aos interesses do mercado. A verdade é que esta tese do carácter apolítico que as medidas económicas devem ter é aceite por muita gente que se considera de esquerda. «Porque» (já ouvi este argumento) «se a minha vida depende do êxito de uma cirurgia, interessa-me a perícia do cirurgião, não o seu credo político». Naturalmente que esta apoliticidade das medidas económicas são expressão de um credo político – o neoliberalismo.

.Nós, os cidadãos eleitores, aceitamos princípios inaceitáveis e aceitamos anormalidades como coisas normais – as liberdades impedindo a Liberdade de florescer. Pode dizer-se tudo, fazer-se tudo. Um exemplo recente pedófilos, em seguida ao julgamento em que foram considerados culpados e condenados, vieram às televisões dar uma conferência de imprensa. Dirão – é a Liberdade. Pois é – uma liberdade que põe em pé de igualdade criminosos e cidadãos eméritos. O sistema dá liberdade ao povo de escolher porque tem mecanismos que controlam o eleitorado, que induzem o voto. Como alguém que deixa à solta um cão potencialmente perigoso, mas amestrado e, portanto, inofensivo.

Então a democracia foi aviltada, pervertida?

Poderá dizer-se que a democracia começou mal, que já no seu berço da Antiga Grécia continha os estigmas que iria transportar ao longo de dois milénios e meio e que iriam chegar quase intactos até aos nossos dias. Com efeito, a democracia ateniense não abrangia nem os escravos nem as mulheres, não impondo também uma divisão equitativa da riqueza entre os cidadãos. No rescaldo da grande fogueira de 1789, a escravatura foi sendo abolida na maioria dos países europeus, embora quase nunca em obediência a um límpido sentimento de Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

As mulheres, ainda que, sobretudo nas últimas décadas, tenham avançado muito na sua luta de libertação, continuam, mesmo quando a letra da lei lhes confere todas os direitos e garantias outorgados aos cidadãos em geral, a ser consideradas cidadãs de segunda. Sobre a divisão da riqueza no ocidental paraíso das democracias parlamentares, é melhor nem falarmos. Democracia – autoridade do povo; de que povo? Nunca, em parte alguma, a não ser no território imaginário das utopias, se ouviu falar de democracia integral – sempre os governos supostamente democráticos se deixaram manchar por desigualdades sociais ou de género, por segregações étnicas, por marginalizações inomináveis. Quando mesmo, não serviram de capa ou ornamento a terríveis tiranias. Será que a verdadeira democracia é inatingível?

Voltemos a Jean-Jacques Rousseau. Será que ele tinha razão quando disse: «Se formos a considerar o termo na acepção mais rigorosa, nunca houve verdadeira democracia, nem nunca existirá.» (…) «Seria inconcebível estar o povo a reunir constantemente para tratar da coisa pública». (…) «Se houvesse um povo de deuses, ele se governaria democraticamente. Um governo tão aperfeiçoado não convém aos humanos».

Um povo de deuses? A democracia só poderá ser atingida por um povo de deuses?



(Continua)
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Sexta-feira, 8 de Outubro de 2010

Que rumo(s)? - 3, porJosé de Almeida Serra

(Continuação)

7 SAÚDE

Continuam a ser evidentes ineficiências graves na saúde, com a promiscuidade entre medicina privada e pública, péssima gestão hospitalar, política ruinosa de medicamentos, etc., tudo se traduzindo em prestações claramente insuficientes a custos que têm de ter-se por exagerados.

“É reconhecido que os cuidados de saúde, em Portugal, são maus, caros e são prestados, frequentemente, com atrasos excessivos. O CES, consciente das dificuldades financeiras do sistema, defende que as melhorias deverão provir, essencialmente, de medidas de racionalização e de optimização dos meios existentes.

Tudo indicia ocorrerem notórios desperdícios na área dos medicamentos: receitam-se muitos medicamentos e normalmente caros (quando o mercado dispõe de outros, equivalentes, a preços inferiores); e ocorrem evidentes desperdícios na área da gestão hospitalar e em matéria de organização geral dos cuidados de saúde. O ‘reforço da eficácia da participação dos cidadãos através dos gabinetes do utente’ é, neste contexto, de aplaudir.” (CES, Grandes Opções do Plano 1998, Parecer aprovado na Sessão Plenária de 13 de Outubro de 1997, Lisboa, 1997, pág 28)

“O CES já teve oportunidade de referir que a consensual necessidade de prosseguir com reformas estruturais se confronta, em cada tentativa concreta, contra os interesses estabelecidos e que podem ser atingidos com cada reforma em particular. O sector da saúde é, reconhecidamente, um dos sectores em que mais fortemente organizados se encontram grupos de pressão. Só isso pode explicar determinadas reacções quando o governo tenta introduzir correcções que são absolutamente necessárias e internacionalmente testadas, como é o caso de um maior recurso aos medicamentos genéricos. E não seria aceitável ouvir médicos advogar publicamente que já procederam, no acto de prescrever, à análise do custo/benefício para o doente, como aceitável não seria ouvir economistas ou advogados pronunciarem-se sobre a bondade de determinados actos clínicos.” (CES, Parecer sobre Grandes Opções do Plano para 2003, aprovado no Plenário de 25 de Setembro de 2002, Lisboa, 2002, págs. 63-64).

8 OBRAS PÚBLICAS

A gestão dos dinheiros públicos tem sido, com demasiada frequência, insuficientemente responsável, não existindo mecanismos efectivos de controlo e responsabilização de prevaricadores. Para quando a avaliação ex-ante e ex-post dos grandes investimentos públicos, mediante a consideração e avaliação de todos os seus diferentes efeitos, em base plurianual e com publicitação de resultados? Para quando a avaliação da qualidade e quantidade dos serviços correntes prestados pela administração pública aos cidadãos - o que poderia começar pela construção de uma adequada bateria de indicadores, controláveis por entidades independentes, e devidamente publicitados?

“O País tem assistido ao lançamento para a opinião pública de algumas grandes obras: terceira ponte na zona de Lisboa, aeroporto da Ota, comboio de alta velocidade (primeiro com uma ligação a Espanha e, depois, com duas ligações), etc. Mas, surpreendentemente, não têm sido divulgados quaisquer estudos que clarifiquem as razões económicas e sociais subjacentes, mesmo em termos rudimentares. Por exemplo: qual é a capacidade do actual aeroporto de Lisboa e seu possível desenvolvimento e a que custos? Quais os fluxos previstos de passageiros e de mercadorias? Que fluxos de tráfego justifica(ria)m a nova ponte Chelas-Barreiro e que efeitos teria a mesma nas pontes actuais? Quais os custos e proveitos envolvidos? Que tráfegos estão previstos para a rede de alta velocidade (nas modalidades encaradas), que proveitos e que custos são esperados?” (CES, Parecer sobre as Grandes Opções do Plano para 2002, aprovado na reunião do Plenário de 12 de Outubro de 2001, Lisboa, 2001, pág. 108)

“O aeroporto de Lisboa, contrariamente ao que sucede com a generalidade dos principais aeroportos, não tem a servi-lo um meio de transporte de massa (comboio ou metropolitano). Para o novo aeroporto tem-se defendido a nível governamental a possibilidade de vir a ser servido por comboio de alta velocidade. Também para o aeroporto de Lisboa foi defendido por um anterior ministro da tutela uma ligação, certamente muito cara, com a Gare do Oriente (tratava-se de uma solução tipo 'people's mover' suspenso ou em monocarril). Contudo, não parece ter sido ainda equacionado o estudo da ligação a uma linha de metropolitano que passa a escassas centenas de metros.” (CES, Parecer sobre as Grandes Opções do Plano para 2002, aprovado na reunião do Plenário de 12 de Outubro de 2001, Lisboa, 2001, págs. 108-109)

“O CES entende afirmar com muita força que relativamente a projectos desta dimensão e importância não se podem tomar decisões sem a análise exaustiva das diferentes opções e modalidades, sem a disponibilização pública dos elementos de referência e sem uma profunda discussão entre especialistas e na opinião pública. E, tanto nos casos apontados como em outros, tem o CES de concluir que nenhuma discussão séria foi feita e que, mesmo a nível de especialistas, se continua na mais completa ignorância dos elementos que permitiriam a formação correcta de opinião." (CES, Parecer sobre as Grandes Opções do Plano para 2002, aprovado na reunião do Plenário de 12 de Outubro de 2001, Lisboa, 2001, pág. 109)

Tem havido nos últimos meses uma grande discussão (mesmo conflitualidade) na sociedade portuguesa a propósito de obras públicas ou de determinadas obras públicas, aeroporto e TGV em particular.

Não sou fundamentalista em economia e acho que a economia não pode determinar ou justificar tudo; e, por critérios económicos, provavelmente nunca teríamos construído a Batalha, os Jerónimos ou o Centro Cultural de Belém. E nesta perspectiva entendo que temos de dispor de um bom aeroporto e não concebo que fiquemos de fora da ligação ferroviária rápida à Europa. Mas isso não nos dispensa de fazer contas, de explicitar pressupostos, de apresentar resultados de análises, de procurar as soluções mais económicas (a implementar de forma gradativa e calendarizada), mantendo sempre um mínimo de coerência de conjunto.

Que racionalidade esteve subjacente aos estádios do EURO 2004?

“As implicações financeiras do EURO 2004 suscitam a maior apreensão aos membros do CES, até pelos problemas que têm vindo a apresentar-se. Tendo em conta os elevados montantes financeiros envolvidos e outras experiências de aplicação de dinheiros públicos, propõe o CES que sejam explicitados os montantes globais a sair do OE, seus destinatários e prazos de entrega, e que medidas estão previstas para fazer face a eventuais derrapagens ou eventuais situações anómalas. Também a situação fiscal de alguns clubes deveria ser adequadamente analisada e publicitada” (CES, Parecer sobre Grandes Opções do Plano para 2003, aprovado no Plenário de 25 de Setembro de 2002, Lisboa, 2002, pág. 28)

O ruído então prevalecente na sociedade, designadamente em certos media e clientelas ligadas ao futebol, abafou completamente as preocupações formuladas. Hoje - e no futuro - todos estamos (estaremos) pagando o preço.

Que racionalidade na construção de uma auto-estrada entre Viseu e Chaves/Espanha, por onde não passa - nem durante décadas passará - quase ninguém?

Em termos metaeconómicos, parece-me bem um TGV, reduzido ao mínimo; mas como se compagina esta prioridade com a permanência de uma linha de via única para o Algarve? Que coerência em matéria de lógica de transportes ou simplesmente de ferrovias?

Economia de custos: como explicar toda a sucessão de disparates (?) ocorridos com a melhoria (?) da via-férrea entre Lisboa e Porto? Quantas dezenas (ou centenas?) de milhões custou a mais e quem disso foi responsável (ou disso "beneficiou")?

“As vicissitudes ligadas às obras em curso na Linha do Norte justificariam o cabal esclarecimento público: qual era o timing inicialmente previsto? Qual o timing actual? Quanto se previu gastar? Quanto será provavelmente gasto? Houve erros graves de projecto? Se houve erros continuam os mesmos projectistas a trabalhar paro o Estado? Imputaram-se responsabilidades? Poderão as composições circular à velocidade de cruzeiro para a qual foram concebidas? Se não, por que razões?” (CES, Parecer sobre Grandes Opções do Plano para 2003, aprovado no Plenário de 25 de Setembro de 2002, Lisboa. 2002, pág. 47)

Dispomos no centro do País se não da maior pelo menos de uma das maiores manchas florestais da Europa que, por não ser explorada com qualquer critério de racionalidade, vai paulatina e periodicamente ardendo, ano após ano, libertando uma enorme quantidade de CO2 para a atmosfera. Trata-se de uma riqueza potencial enorme que nunca explorámos.

Fiz algum lobby durante duas décadas para se "desencravar" a região: ou seja cortar a Zona do Pinhal com duas boas estradas, uma na direcção Norte-Sul e outra Nascente-Poente. Nada se fez, até que, de repente, se procedeu à adjudicação da “subconcessão do Pinhal Interior (...) o maior empreendimento rodoviário (...) tanto em termos de investimento (1.429 milhões de euros), como de extensão (...)”. Arrisco um comentário: no essencial, tratar-se-á de dinheiro atirado à rua.

Quanto à Terceira Ponte sobre o Tejo (que considero absolutamente necessária se avançar o TGV): alguém consegue compreender a "trapalhada" (sejamos benevolente na terminologia) em curso? Será curioso estar atento, anotando as soluções neste momento preconizadas pelos concorrentes e respectivos preços (e seus diferenciais) para se poder comparar com as decisões que vierem a ser tomadas. Julgo que não deixará de ser interessante constatar quem serão os novos concorrentes, seu posicionamento relativo e resultado final, comparando então com a situação existente no momento do anulamento de concurso que acaba de ser decidida.

Temo que comecem a aflorar sentimentos de não reconhecimento de legitimidade relativamente ao regime. E isso acentuar-se-á se os problemas não forem resolvidos, se a pobreza aumentar e se as clivagens económicas, sociais e políticas se aprofundarem.

(Continua)
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Quinta-feira, 7 de Outubro de 2010

Que rumo(s)? - 2 - por José de Almeida Serra

(Continuação)

4 COLABORAÇÃO INSTITUCIONAL E ADMINISTRAÇÃO

A máquina da administração pública tem vindo paulatinamente a deteriorar-se (à parte algumas "ilhas"que persistem em manter-se em contracorrente) e os governos, na ânsia de colocar clientelas, têm tido um efeito assaz pernicioso na degradação da mesma. Com efeito, ao invés de terem tentado criar uma máquina eficaz, de bons e independentes profissionais, têm desenvolvido esforços para colocar correligionários ("parentes e aderentes" na linguagem do vulgo), o que se tem revelado catastrófico. A pletora de assessores e assistentes que se tem desenvolvido ao nível dos gabinetes ministeriais tem claros efeitos perniciosos.

Agora é a crise e o congelamento (regressão?) de direitos e condições; mas lê-se e pasma-se: "gabinetes de ministros escapam a congelamento nas admissões de pessoal (Diário Económico, de 26 de Maio de 2010), isto neste período de "vacas magras" que porventura virarão esqueléticas a muitíssimo curto prazo.

Que dizer da colaboração entre instituições da República quando lemos em Resolução da Assembleia da República (n.° 41/2010, Diário da República, 1.ª série, n.° 92, de 12 de Maio de 2010) a recomendação ao Governo para que "seja enviada aos deputados a resposta que o Estado português deu na sequência da notificação da Comissão Europeia relativa ao Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico (...)” e outras semelhantes?

 
5 DIMENSÃO POLÍTICO-PARTIDÁRIA

Os partidos existem, melhor, devem existir, como âncoras essenciais na garantia e desenvolvimento do processo democrático, pelo que seria inaceitável a consolidação de clientelismos políticos, de cariz partidário (ou outro), transformando-se os partidos, basicamente, em máquinas de conquista e defesa de interesses individuais ou de grupo, ou se viessem a perder a necessária capacidade para se abrir à sociedade e para a enquadrar politicamente.

Ora, os discursos tão correntes e habituais referindo "jobs", "boys", "girls" e quejandos não deveriam simplesmente poder ter lugar, por não ocorrência de situações relevantes. Só que uma comparação em matéria de obtenção de empregos e progressão nas carreiras não pode deixar de conduzir à conclusão que os cidadãos que seguiram apenas o circuito escolar e profissional são, em função dos resultados obtidos, certamente muito menos capazes do que aqueles que se aventuraram por outras esferas de intervenção!.. A conclusão só pode ser: os melhores foram para os partidos.

Alguns comportamentos que têm chegado à opinião pública, algumas vezes defendidos por representantes do poder ou mesmo por instituições, só podem desacreditar o poder e o regime. Pessoalmente, admito que seria um exercício interessante para determinados agentes viajar em hora de ponta nos transportes públicos, sob disfarce, e ouvir comentários e opiniões. Talvez não gostassem, mas esse é o país real, que vota e que um dia pode descolar para outras soluções. Também seria conveniente não se defender determinadas soluções com base em aspectos de mera legalidade - nem tudo o que é legal é moral e a responsabilidade política situa-se muito para além de critérios jurídicos.

 
6 Educação

Quantitativamente, é notável o que se fez em matéria de acesso à educação. Contudo, continua a ser insuficiente a qualidade da mesma, não obstante o nível comparativo da despesa, já que vários indicadores de qualidade nos relegam para os últimos lugares dos países ditos avançados. Nunca seria aceitável que a educação, de veículo promotor de ascensão e igualitarização social, se transformasse em mecanismo de perpetuação de posicionamentos sociais injustos.

“A educação e a formação, face aos recursos envolvidos (que são comparáveis aos mobilizados em muitos países bem mais avançados) e aos resultados obtidos (que nos colocam, geralmente, nas piores posições quando se estabelecem comparações internacionais), terão de merecer uma atenção e uma exigência particulares, tendo de assumir-se que a aprendizagem é, sempre ou quase sempre, actividade penosa e exigente que implica muito trabalho e muito esforço. O controlo dos resultados obtidos - ao nível de cada aluno e de cada professor individualmente considerados, bem como das escolas - é manifestamente uma questão urgente: na perspectiva dos estudantes e do seu futuro, no respeito dos cidadãos contribuintes e do interesse do desenvolvimento do País. ‘É necessário colocar de novo a tónica numa escola com sentido da responsabilidade, com rigor, disciplina e trabalho, mas também, numa escola atenta ao mérito, onde os bons resultados e o esforço, a demanda da excelência são premiados. Uma escola que transmita os valores da cidadania, reforçando o respeito pelos outros através da praxis diária e do conhecimento de documentos estruturantes como a Declaração Universal dos Direitos do Homem e o Convenção Europeia dos Direitos do Homem' são afirmações (...) que se corroboram.” (CES, Parecer sobre Grandes Opções do Plano para 2003, aprovado no Plenário de 25 de Setembro de 2002, Lisboa, 2002, pág. 50).
(Continua)

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Quarta-feira, 6 de Outubro de 2010

Que rumo(s)? - 1 - por José de Almeida Serra


1 DÉCADA PERDIDA OU "REGREDIDA"?

A última década traduziu-se, em Portugal, por um avolumar de problemas de cujos alcance e potenciais consequências muitos ainda não se terão dado conta: divergência acentuada, em matéria de crescimento, com a generalidade da UE e Zona Euro; saldos com o exterior (endividamento do País) que se situam a níveis insustentáveis; destruição acentuada do aparelho produtivo e queda de competitividade externa; défice das contas públicas por níveis exageradamente elevados e insustentáveis; endividamento público que começa a situar-se a níveis incomportáveis, continuando a crescer; aumento do desemprego, onde passámos a ocupar lugares cimeiros na UE; aumento da precariedade do emprego; níveis de pobreza que nos envergonham no quadro comunitário; perda de credibilidade nos mercados financeiros internacionais.

Como membro do Conselho Económico e Social (CES) desde há mais de uma década, e tendo tido alguma participação nos seus trabalhos, dei-me à tarefa de reler alguns pareceres produzidos desde 1997, tendo-me confrontado com toda uma série de análises e recomendações que muito nos teriam ajudado a evitar a presente crise, se os diferentes responsáveis tivessem dado um mínimo de atenção às sugestões e propostas formuladas. Confesso que me apeteceu nada escrever de novo, limitando--me a transcrever trechos de documentos aprovados pelo plenário daquele órgão que, estando constitucionalmente previsto, representa certamente o fórum mais representativo da sociedade portuguesa.

Desde há muito que vimos ouvindo o discurso da reforma e das reformas, mas algumas boas intenções têm-se confrontado ou com insuficiente firmeza de governantes ou com coligações de interesses que, quase sempre, as têm levado ao fracasso.

E, contudo, há um amplo consenso da sociedade relativamente à necessidade de introduzir profundas reformas em muitos campos. Dão-se alguns exemplos.

2 JUSTIÇA

Para quando uma verdadeira reforma da justiça, que está tendo custos democráticos tremendos e custos económicos desmesurados (certamente vários aeroportos e/ou terceiras pontes sobre o Tejo)? Sendo a justiça algo de essencial no funcionamento de uma sociedade, como pode esta intervir na avaliação da qualidade da justiça que tem, ou não, mas que paga?

”As questões respeitantes à justiça, por serem questões de sociedade, aconselhariam uma intervenção social mais alargada e a criação de órgãos efectivamente representativos dos vários interesses em causa. Desde logo deveriam ser feitos inquéritos objectivos no que se refere ao funcionamento das diferentes entidades, procedimentos e tempos. As estatísticas existentes deveriam ser enriquecidas com informações que evidenciassem a qualidade da justiça que temos (qualidade medida em função dos resultados e dos tempos). Seria de procurar conhecer-se o que são as efectivas necessidades da comunidade e solicitar-se sugestões ou propostas dos principais interessados visando o objectivo de bom funcionamento dos tribunais e outras entidades ou agentes. Poderia ser interessante proceder-se à identificação das soluções encontradas em diferentes países e sua eventual importação (com as adaptações que se revelassem necessárias).”(CES, Parecer sobre as Grandes Opções do Plano para 2002, aprovado na reunião do Plenário de 12 de Outubro de 2001, Lisboa, 2001, pág. 40)

“(...) não pode deixar de voltar a chamar(-se) a atenção para o facto de ocorrer em Portugal urna verdadeira crise da justiça, com efeitos perversos ao nível da sociedade, traduzindo-se tanto em problemas de carácter geral como, particularmente, no que se refere à adequada disciplina dos actos e das relações jurídico-económicas.” (CES, Parecer sobre as Grandes Opções do Plano para 2003, aprovado no Plenário de 25 de Setembro de 2002, Lisboa, 2002, pág. 17).

Ocorre-me a subtileza de um bastonário da Ordem dos Advogados quando um dia afirmou: “enquanto assim for (...) é minha convicção de que o nosso esforço (dos advogados) será útil na perspectiva da constituição do Estado de Direito que pretendemos, também para Portugal (Sublinhado meu; CES, Colóquio “A Justiça em Portugal”, Lisboa, 1999, pág. 170). Sendo subliminar, a mensagem é clara.


3. TRANSPARÊNCIA

A sociedade tem a percepção de se terem vindo a desenvolver blocos de interesses, podendo traduzir-se em conivências entre agentes vários: partidários, na administração pública, na justiça, polícias, etc. Como se justifica que, tendo o nosso país os níveis de corrupção e o posicionamento relativo que é apontado por vários estudos internacionais, não tenhamos em Portugal, virtualmente, qualquer processo julgado? Como tranquilizar a opinião pública e revalorizar critérios de rigor e de transparência?

“O CES congratula-se com a disposição do ministro da tutela de combater a corrupção na administração pública, reforçando as inspecções aos funcionários e o alargamento das auditorias, visando aumentar a eficiência e a produtividade da administração e obter uma maior celeridade nas decisões, passando os funcionários a ser geridos mais por objectivos e menos por parâmetros jurídico-procedimentais e devendo criar-se incentivos ao mérito e à mobilidade e aumentar-se as qualificações (…) não pode(ndo) desconhecer(-se) referências que se fazem à eventual existência de situações de corrupção, até porque têm sido amplamente referidas na imprensa e dado lugar a inquéritos vários, todos inconclusivos. Não se crê, contudo, que tais situações, a existirem, possam ser exclusivas deste ou daquele sector ou grupo funcional. O clima deletério que advém deste facto, para todos os aspectos da vida colectiva e, também, para o clima do investimento, em particular do investimento estrangeiro, justifica que algo de substantivo deva ser feito com vista a assegurar junto tanto da opinião pública como dos potenciais investidores a existência de efectivas situações de transparência.” (CES, Parecer sobre as Grandes Opções do Plano para 2002, aprovado na reunião do Plenário de 12 de Outubro de 2001, Lisboa, 2001, pág. 46)

Mas se a matéria não tem interessado tribunais e polícias, também não tem merecido a preocupação de académicos e instituições de análise (quanto mais não fosse pelas evidentes consequências económicas e sociais decorrentes).

(Continua)
José de Almeida Serra é um político português. Economista, ocupou o cargo de Ministro do Mar no IX Governo Constitucional, de 9 de Junho de 1983 a 6 de Novembro de 1985. Actualmente, é membro do Conselho de Administração do Montepio Geral e um dos Vice-Presidentes do CES - Conselho Económico e Social, além de colaborador da SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social. Agradecemos ao autor a cedência desta valiosa análise da situação política, social e económica do País.
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Sexta-feira, 1 de Outubro de 2010

Dia Mundial da Música - Jornada

Carlos Loures

Resolvi fazer uma escolha emocional - escolhi a «Jornada» com letra de José Gomes Ferreira, música de Fernando Lopes Graça - uma das suas belíssimas "Heróicas" - cantada superiormente pela linda voz da Luísa Basto. Em 1947, quando nasceu o ramo juvenil do MUD, o grande poeta José Gomes Ferreiraa escreveu a letra do hino «Jornada» ou «Vozes ao Alto», como é conhecido. Durante as frequentes e intensas lutas estudantis dos anos sessenta, este hino cantado por jovens, mesmo pelos que, mais à direita ou mais à esquerda, não militavam no Partido Comunista, organização tutelar do MUD Juvenil. O "Jornada" serviu também de indicativo à estação clandestina Rádio Portugal Livre que emiitia a partir de Praga,

Nos tempos que antecederam a Revolução de Abril, embora por todos os motivos, fosse uma composição ligada ao Partido Comunista, era cantada pelos antifascistas em geral. Toda a gente que me conhece sabe que não estou nem nunca estive ligado ao PCP, cuja linha sempre recusei, mas cujos militantes sempre respeitei, tendo por grandes amigos alguns deles. Seria sectarismo da minha parte não homenagear estes três pecepistas - José Gomes Ferreira, Fernando Lopes Graça e Luísa Basto - admiráveis no sentido mais literal da palavra- aos quais agradeço esta vibrante «Jornada» que os estudantes e trabalhadores conheciam como «Vozes ao Alto». No presídio de Caxias, muitas vezes a cantei a plenos pulmões - com a vantagem de não correr o risco de ser preso.

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Sexta-feira, 24 de Setembro de 2010

Olivença - uma questão incómoda -4

Continuamos a apresentação de vídeos sobre este interessante programa.

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Quarta-feira, 22 de Setembro de 2010

Olivença - uma questão incómoda - 2

Continuamos a apresentar a série de vídeos ontem iniciada.

publicado por Carlos Loures às 09:00
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Quinta-feira, 2 de Setembro de 2010

José Gomes Ferreira -3

Carlos Loures


25 de Abril de 1974: manhã cedo, Rosália acordou-o dizendo-lhe que havia movimentos de tropas em redor de Lisboa. José refilou, rabugento. Levantou-se e espreitou pela janela. Pouca gente na rua. Tocou o telefone. Era o Carlos de Oliveira:
«Está lá? Está lá? É você, Carlos? Que se passa?
Responde-me com uma pergunta qualquer do avesso.
Às oito da manhã o Rádio Clube emite um comunicado ainda pouco claro»: Depois «A Rosália chama-me, nervosa:
- Outro comunicado na Rádio. Vem, depressa.

Corro e ouço.» (…) «Na Rádio a canção do Zeca Afonso…» «Sinto os olhos a desfazerem-se em lágrimas». Agora, sim, é tempo de cantar flores. É tempo das papoilas, bandeiras breves, voltarem ao seu destino de enfeitar cabelos. Mas José, nos seus 74 anos de vida, já sofreu muitas desilusões. Por isso, num encontro com escritores portugueses antifascistas regressados a Portugal após o 25 de Abril, José diz-lhes: «Que esta revolução das flores não seja a revolução das flores de retórica.» (foto abaixo).



Em 1975 saiu Gaveta das Nuvens – tarefas e tentames literários e o volume de crónicas Revolução Necessária. Em 1976 editou-se O Sabor das Trevas – Romance Alegoria. Em 1977 foi a vez de novo volume de crónicas: Intervenção Sonâmbula. Em 1978 saíram os volumes I, II e III de Poesia Militante. Foi eleito presidente da Associação Portuguesa de Escritores. Publicou Coleccionador de Absurdos e Cinco Caprichos Teatrais. Em 1979, nas eleições legislativas intercalares, foi candidato, por Lisboa, nas listas da APU (Aliança Povo Unido). Em 1980 começou o tempo das homenagens - o presidente Ramalho Eanes, condecorou-o como Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada, recebendo depois o grau da grande oficial da Ordem da Liberdade. Nesse ano, numa altura em que o PCP já não estava «na mó de cima», portanto por idealismo e não por oportunismo como aconteceu com tantos, filiou-se no Partido Comunista Português. Publicou O Enigma da Árvore Enamorada – Divertimento em forma de Novela quase Policial. Editou-se ainda o Relatório de Sombras – ou a Memória das Palavras II. Em 1983 foi submetido a uma melindrosa operação cirúrgica, sendo também homenageado pela Sociedade Portuguesa de Autores. Em 8 de Fevereiro de 1985, morreu na sua casa da Avenida Rio de Janeiro, em Lisboa, vítima de doença prolongada.

Na obra de José Gomes Ferreira cruzaram-se três tendências ou correntes literárias, sem que se possa ligá-lo a qualquer delas: o eco da matriz saudosista que lhe ficou da iniciação com Leonardo Coimbra orientando-o para a devoção a Raul Brandão e a Teixeira de Pascoaes, a atracção pela forma insolitamente bela e onírica do surrealismo e o apelo constante do conteúdo do realismo socialista ou, como se chamou entre nós, do neo-realismo. Esta miscigénese deu lugar a uma escrita muito pessoal, muito original, muito fora das escolas e das classificações que os bem-pensantes usam como prótese, a crítica literária como bússola e a análise académica como bengala.

Falar, nestas breves linhas, de José Gomes Ferreira, foi como descrever o caminho trilhado pela inteligência através de um século manchado por numerosos estigmas – duas guerras mundiais com uma grave crise económica de permeio, o deflagrar da Guerra Fria, a ameaça da destruição nuclear, e as vésperas do colapso do «socialismo real». Em Portugal, o florescer e o ruir do sonho republicano, submerso no caos da I República e do episódio da aventura sidonista, a eclosão do corporativismo, a guerra colonial, a Revolução democrática e a desilusão que se lhe seguiu.

José Gomes Ferreira, o escritor, o cidadão, viveu tudo isto nos 85 anos que a sua vida durou – alternâncias de períodos de vibração popular, de entusiasmo e esperança, com o doloroso e cinzento marasmo de quase cinquenta anos de ditadura de permeio. Depois, antes da sua morte, ainda pôde assistir ao «regresso à normalidade», ao vazio que esta democracia formal nos deixa nas mãos e no coração.

A sua escrita incorporou-se na luta de resistência activa que os intelectuais portugueses moveram contra a ditadura salazarista. Os seus versos, as páginas dos seus livros, as letras de canções que, musicadas por Lopes-Graça, andaram nas bocas dos antifascistas, fazem parte da luminosa estrada que sulcou uma noite mesquinha e criminosa. A sua obra foi um grito de inteligência no deserto de ideias que um regime tacanho quis fazer prevalecer sobre as mentes dos Portugueses.

Por isso, concorde-se ou não com as suas opções políticas, deve-se-lhe reconhecer a coragem de quem nunca se preocupou com o que lhe era conveniente, de quem sempre fez e disse o que lhe pareceu estar certo. Falar de José Gomes Ferreira foi como narrar o caminho que as suas palavras luminosas abriram através da noite escura que durante 48 anos desceu sobre Portugal. Falei de um dos grandes, de um dos maiores poetas portugueses.

Ouçamos Luísa Basto cantar a sua (e de Lopes-Graça) «Jornada», mais conhecida por «Vozes ao Alto!»:

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publicado por Carlos Loures às 12:00
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