Terça-feira, 16 de Novembro de 2010

Para onde nos leva “Um eléctrico chamado socialismo”?

Carlos Loures

Numa revista que aqui tem sido falada, pois alguns dos colaboradores deste blogue foram seus redactores, a “Questões e Alternativas”, publiquei há muitos anos um texto com este título, nele fazendo uma análise à cavalgada vitoriosa dos partidos socialistas na Europa - François Miterrand vencia as eleições em França; Em Andreas Papandreu, Felipe González e Mário Soares ganhavam também as eleições nos seus países. Em Itália, o Partido Socialista Italiano ganhava posições. No que se refere a França, enquanto a União Soviética manifestava preocupação pela derrota de Giscard d’Estaing, Reagan endereçava calorosas felicitações a Miterrand…Não há muito para transcrever desse texto, pois a situação alterou-se substancialmente e, ou os socialistas foram desalojados dos governos, ou o socialismo foi desalojado dos partidos socialistas, como aconteceu em Portugal. Até o punho cerrado já incomoda as sensibilidades e houve mesmo a tentativa de o substituir por uma rosa – L’important c’est la rose, garantia o Gilbert Bécaud. Pelos vistos tinha razão. Talvez antes de partirmos neste tranvia de palavras construído, pudéssemos fazer uma breve análise pelo termo “socialismo”

É um vocábulo sobre o qual se podem escrever (e têm escrito) milhares de páginas, teses e tratados com numerosos volumes. Vamos tentar brevíssimas definições de dicionário – Peguei em dois, no de José Pedro Machado e no de Antônio Houaiss. O primeiro é muito sucinto: «substantivo masculino. Sistema daqueles que querem transformar a sociedade pela incorporação dos meios de produção na comunidade» (…) «pela repartição, entre todos, do trabalho comum e dos objectos de consumo». A definição de Houaiss é muito mais extensa, por isso vou ficar-me pela primeira acepção – «conjunto de doutrinas de fundo humanitário que visam reformar a sociedade capitalista para diminuir um pouco das suas desigualdades». A definição de José Pedro Machado reflecte mais a matriz marxista do termo e o seu longevo lugar na genealogia do socialismo utópico, enquanto a de Houaiss (aquela que eu perversamente escolhi), se aproxima mais da realidade, da praxis dos partidos socialistas actuais – gosto sobretudo da expressão «doutrinas de fundo humanitário», porque me faz lembrar as senhoras da Caritas a distribuir latas de leite condensado pelos pobrezinhos.

Continuando a usar a metáfora inspirada na bela peça de Tennessee Williams, aonde nos levará este eléctrico chamado socialismo? Nestes vinte e tal anos decorridos, qual metro de superfície, percorreu rapidamente alguma da distância que ainda lhe faltava para se assumir como força do centro-direita e como campeão do neo-liberalismo económico. Os socialistas ficam sempre muito irritados quando os acusamos de, com o PSD, terem tecido uma sólida teia de interesses. Há quem, esteja ou não o seu partido no Governo, têm os interesses, os cargos garantidos. Mas será isto uma calúnia?

Tempos atrás, circulou na internet um trabalho muito interessante escrita por José Ricardo Costa. Ao ajudar o filho num teste de História, recordou que na Idade Média, «a nobreza vivia fechada sobre si própria», usufruindo dos privilégios que criava, os nobres «relacionavam-se e casavam-se entre si, frequentavam os mesmos castelos, participavam nas mesmas festas e banquetes». E concluiu que em Portugal, há décadas dominado pelo PS e pelo PSD, se verifica uma feudalização da sociedade e uma organização cada vez mais endogâmica. Dava como exemplo o casamento entre a filha de Dias Loureiro, amigo de Jorge Coelho, e o filho de Ferro Rodrigues, amigo de Paulo Pedroso, amigo de Edite Estrela que é prima direita de António José Morais, o professor de José Sócrates na Independente, cuja biografia foi apresentada por Dias Loureiro, e que foi assessor de Armando Vara, licenciado pela Independente, administrador da Caixa Geral de Depósitos e do BCP, amigo de José Sócrates… A cadeia de acasos citados era mais extensa. Mas os exemplos que refiro parecem-me suficientes para ilustrar a tese da endogamia. A política de casamentos semelhante à praticada pela nobreza feudal praticava, faz que a elite governante, seja quais forem os resultados eleitorais, nunca mude no que é essencial – mudam e trocam-se alguns nomes, mas a nova aristocracia vai cimentando o seu poder.

O «bloco central» não é uma figura de estilo, ou uma «invenção de esquerdalhos ressabiados», como já ouvi dizer. Existe, funciona, faz complicadas operações de engenharia financeira - por exemplo (vide caso BPN) quando um membro da tribo administra um banco vende acções a baixos preços, sabendo que o seu valor vai subir no dia seguinte, fazendo-o ganhar legalmente centenas de milhares de euros de um dia para o outro (favor que o beneficiado não deixará de pagar na primeira ocasião que se apresente, pois uma das regras do jogo é a não haver almoços grátis); os membros da tribo arranjam cargos e bons empregos uns aos outros, na vida académica amparam-se mutuamente, e quando algum deles ou um familiar tem problemas com a Justiça, logo aparecem os amigos a dar uma mão.

É gentinha medíocre, de ideais rasteiros e patrimónios elevados, mas está aí para ficar. Governa, sobe aos mais altos lugares do Estado e desce às mais baixas alfurjas das negociatas obscuras. Não se chamam Bourbons, Habsburgos ou Braganças, têm nomes vulgares, iguais aos de toda a gente, são filhos, não de condes ou de duques, mas de gente comum, com profissões ou negócios comuns, mas usam as mesmas artimanhas dos condes e dos duques, incluindo a política de casamentos. Tráfico de influências? Nepotismo? Não, que ideia, apenas boas relações entre familiares e amigos, mesmo que pertençam a partidos rivais. O fair play prevalece. É a nova aristocracia, a «gente bonita» de que falam as revistas do coração.

A endogamia, termo que numa das suas acepções significa casamento dentro da própria família, tribo, classe ou entre habitantes dum povoado ou região, foi amplamente praticada entre as famílias nobres não só na Idade Média, como na Idade Moderna, chegando mesmo até aos nossos dias nas relativamente numerosas monarquias que subsistem em nações europeias. Sem cair no pormenor, pode dizer-se que em várias épocas e situações, famílias, irmãos, primos, filhos e pais, ocuparam tronos, guerrearam-se entre si, provocaram milhares de mortos, terríveis devastações entre os súbditos. Muitas vezes, depois destas hecatombes horrorosas, passando por cima dos cadáveres e das ruínas, selavam a paz com beijos e abraços, tratando-se por «querido irmão», «amado primo», «meu bondoso pai».

Agora não se trata já de Bourbons ou de Habsburgos, mas de gente com linhagens menos ilustres, mas o que importa salientar é a técnica e a táctica, tão semelhantes. Perguntarão? E só em Portugal é assim? Claro que não. Veja-se o caso de Itália, país com uma democracia com mais de seis décadas, com um nível cultural e económico mais elevado do que o nosso, onde um mafioso truão foi, em 2008, democraticamente eleito primeiro-ministro pela quarta vez. De origens humildes, imagem típica do self-made man, é dono de uma das quinze maiores fortunas do mundo. Continua a sua senda de escândalos. Só há uma diferença – ele não diz que é socialista nem que quer transformar a sociedade. E recordo a definição:«Sistema daqueles que querem transformar a sociedade pela incorporação dos meios de produção na comunidade» (…) «pela repartição, entre todos, do trabalho comum e dos objectos de consumo». O meu saudoso amigo José Pedro Machado enganou-se ou então estava a falar de outro socialismo. O filólogo brasileiro, sendo menos ambicioso, aproximou-se mais da realidade «conjunto de doutrinas de fundo humanitário que visam reformar a sociedade capitalista para diminuir um pouco das suas desigualdades». Em todo o caso, nem sequer «um pouco» tenho visto reduzidas as desigualdades.

Não há muitas dúvidas - o eléctrico cor-de-rosa do socialismo transportar-nos-á ao mesmo lugar onde nos levaria o machimbombo cor-de-laranja do PSD (levaria, não, levará, porque a viagem será feita por troços – eléctrico, machimbombo, eléctrico…) até à estação terminus – a entrega total da soberania, do direito de gerirmos os nossos recursos, a centros de poder e decisão «comunitários», localizados, por mero acaso, em Berlim e Francoforte, em Paris, Bruxelas ou Estrasburgo… A aristocracia indígena embolsará o produto da venda e os felás e felaínas (nós) mal nos aperceberemos do que se passou. Perda da independência? Não, que ideia. Eles abrirão e fecharão fábricas quando e como quiserem, dirão como devemos organizar a nossa economia, as nossas vidas, o que devemos comprar, quanto devemos pescar, o que poderemos semear… Mas a selecção nacional de futebol, a bandeira e o hino, símbolos maiores da Pátria, talvez não nos estejam vedados. Quem falou em perda de independência?
publicado por Carlos Loures às 12:00
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