Terça-feira, 18 de Maio de 2010

Estadistas de outra têmpera



Rui de Oliveira

Chegou ao meu conhecimento há pouco tempo um documento político que nos faz reflectir sobre a estatura comparada dos responsáveis políticos de outrora e dos de hoje. Quando a autonomia das decisões nacionais está pelas ruas da amargura, o contra-argumento, porventura de alguma validade, é o de que as resoluções comunitárias são feitas de cedências mútuas tendo em vista um interesse comum. É sabido que o peso dos países não é o mesmo, mas uma diplomacia inteligente e hábil consegue resultados desde que não se agache à primeira pressão. Contudo o que se verifica actualmente é uma subserviência sem protesto na forma e uma submissão quase absoluta nos resultados.

Ora nem sempre foi assim e era saudável analisar-se o porquê deste contraste. É um assunto que lanço para debate num segundo tempo, pois primeiro sugiro que leiam a carta abaixo que nos foi lida numa conferência universitária e dita existente nos arquivos da Biblioteca Nacional (que por sorte encontrei reproduzida do blogue “No Arame”, a quem agradeço).

Decorria o ano de 1759 e estava-se em plena Guerra dos Sete Anos em que se afrontavam, entre outros, a França e a Inglaterra.

Portugal, sob o reinado de D. José, conseguia habilmente manter uma neutralidade, a que tentaram acolher-se alguns navios franceses no Algarve. Sem qualquer consideração a esquadra inglesa apresou-os e afundou-os.
Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro marquês de Pombal, reagiu nestes termos :


Carta do Marquês de Pombal ao Ministro dos Negócios Estrangeiros da Inglaterra: por causa de terem sido queimados, debaixo das nossas fortalezas da costa do Algarve, alguns navios franceses (BN, H.G. 25068 V)


“ Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor


Rogo a V. Exa. Que me não faça lembrar as condescendências que o nosso Gabinete tem tido para com o seu. Elas são tais, que eu não sei se alguma Potência as haja tido semelhante para com outra. É justo que este ascendente acabe por uma vez, e que Portugal faça ver a toda a Europa que tem sacudido o jugo de uma dominação estrangeira. Portugal não pode provar isto melhor que obrigando o vosso Governo a dar-lhe uma satisfação, que por nenhum direito lhe deve negar. A França olharia para Portugal como para um Estado em fraqueza, se não pudesse obrigar-vos a dar razão da ofensa que lhe fizestes, vendo queimar defronte dos nossos portos, navios que deveriam ter ali toda a segurança.



Vós não fazieis ainda figura alguma na Europa, quando a nossa Potência era a mais respeitável. A vossa ilha não formava mais do que um ponto na Carta ao mesmo tempo que Portugal a enchia com o seu nome. Nós dominávamos a Ásia, África e América, quando vós domináveis sómente em uma ilha da Europa. A vossa Potência era do número daquelas que não podiam aspirar a mais do que à segunda ordem; e pelos meios que nós vos temos dado, a terdes elevado à primeira. Esta impotência física vos inabilitava para estenderdes os vossos domínios fora da vossa ilha; porque, para fazer conquistas, precisáveis dum grande exército; mas para ter um grande exército é necessário ter meios para lhe pagar, e vós não o tínheis. A moeda de contado vos faltava. Os que calcularam sobre as vossas riquezas, acharam que não tínheis com que sustentar seis regimentos. O mesmo mar, que pode olhar-se como vosso elemento, não vos oferecia maiores vantagens; com muito custo poderíeis apenas equipar vinte navios de guerra.

Há cincoenta anos, porém, a esta parte, tendes tirado de Portugal mais de mil e quinhentos milhões, soma enorme de que a História não fornece exemplo que nação alguma do mundo tenha enriquecido a outra de um modo semelhante. O modo de adquirirdes estes tesouros vos foi ainda mais vantajoso do que os tesouros mesmos. Pelas artes é que a Inglaterra consegui fazer-se senhora das nossas minas. Ela nos despeja regularmente todos os anos do seu produto. Passado um mês depois da chegada das nossas frotas do Brasil, não fica em Portugal uma só peça de oiro; tudo tem passado para aumentar a sua riqueza numerária. A maior parte dos pagamentos do Banco são feitos com o nosso oiro.

Por uma estupidez de que também não há exemplo na História Universal do mundo económico, nós vos demos a faculdade de nos vestirdes e de nos fornecerdes todos os objectos de luxo, que não é pouco considerável. Nós damos de que viver a quinhentos mil vassalos do rei Jorge; população esta que subsiste à nossa custa na capital da Inglaterra. Os vossos campos são quem nos sustenta. Vós substituístes os vossos trabalhos aos nossos; se antigamente vos fornecíamos o trigo, vós sois hoje quem no-lo fornece. Vós tendes roteado os vossos campos, nós deixamos os nossos em baldios.

Mas se vos temos elevado a esse ponto de grandeza, na nossa mão está o precipitar-vos no nada de que vos arrancámos. Nós podemos melhor passar sem vós, do que vós sem nós. Basta uma só lei para destruir a vossa Potência, ou pelo menos para enfraquecer o vosso Império. Não precisamos mais do que proibir, com pena de morte, a saída do nosso oiro, para ele não sair jamais. Talvez respondereis a isto que apesar da proibição, sairá mesmo do modo como sempre tem saído, porque os vossos navios de guerra têm o privilégio de não serem visitados na sua partida e em consequência do dito privilégio transportarão todo o nosso oiro; mas não vos enganeis com isto. Eu fiz romper vivo o duque de Aveiro por ter atentado contra a vida do rei, e poderei muito bem fazer enforcar um dos vossos capitães por ter roubado a sua efígie em desprezo da lei

Há tempos em que nas monarquias um só homem pode muito. Vós não ignorais que Cromwel, na qualidade de Protector da República inglesa, fez cortar a cabeça a Pantaleão de Sá, irmão de João Rodrigues de Sá, embaixador de Portugal na Inglaterra, por se ter prestado a um tumulto; e eu, sem ser Cromwel, estou em estado de imitar o seu exemplo na qualidade de Ministro Protector de Portugal.
Fazei, por tanto, o que deveis, se não quereis que eu faça o que posso. Que seria da Grã-Bretanha se por uma vez lhe cortasse este manancial das riquezas da América? Como pagaria à imensa tropa de terra e a grande armada do mar? Como daria ela ao seu soberano os meios de viver com o esplendor dum grande rei? Donde tiraria os grandes subsídios que paga às Potências estrangeiras para escorar e firmar a sua? Como viveria um milhão de vassalos ingleses, se se acabasse para sempre a mão de obra de que tiram o seu sustento? Em que estado de probreza não cairia todo o reino, se este único recurso lhe faltasse? Basta que Portugal regeite os seus grãos (quero dizer, o seu trigo), para que metade da Inglaterra morra de fome.

Direis que não muda com facilidade a ordem das coisas, e que um sistema há muito estabelecido não pode transtornar-se em um momento. Dizeis muito bem; mas eu direi ainda melhor. O rodar do tempo é que pode trazer esta reforma. Eu estabelecerei um plano preliminar de comércio, que se encaminhará ao mesmo objecto.

Há muito tempo que a França nos estende os braços para que recebamos as suas manufacturas de lã. Na nossa mão está aceitarmos as suas ofertas, o que sem dúvida aniquilará as vossas. A Berbéria, abundante de trigos, os fornece a melhor mercado que os vossos. Então vereis com a maior dor um dos principais ramos da vossa marinha ficar inteiramente extinto. Vós sois muito versados no Ministério, e não ignorais que isto é um viveiro de oficiais marinheiros de que a marinha real se serve em tempo de guerra; e com isto é que tendes elevado a vossa Potência.

A satisfação que vos pedimos é conforme ao direito das gentes. Todos os dias acontece haver oficiais do mar que, por zelo ou inconsideração, fazem aquilo que não devem. Ao Governo cumpre puni-los e fazer a reparação ao Estado que eles ofenderam. Todos sabem que semelhantes reparações o não tornam desprezível. A nação que se presta ao que é justo, adquire a melhor opinião; e da opinião é que depende sempre a potência do Estado. “
publicado por Carlos Loures às 12:00
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