Sexta-feira, 31 de Dezembro de 2010

Bom Ano de 2011 !





Luis Moreira


Este é o menino que representa todos os meninos. Este é o menino que devia iluminar o presépio e a árvore de Natal.

Em cada cinco segundos um dos meus meninos Jesus morre de fome devorado pelos abutres que da fome alheia se alimentam. Quem os poderá ignorar?

Poema de Eugénio Andrade

Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos.
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor, vamos caindo ao chão apodrecidos.

Eugénio Andrade



Tenham um óptimo ano de 2011 !
publicado por Luis Moreira às 23:58
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Um salão na Internet




Um Salão na Internet


João Machado
Para todos um feliz Ano Novo
Venham muitas vezes ao Estrolabio
Passem palavra a todo o nosso povo
A ver se este mundo fica mais sábio
Ao nosso blogue vêm botar discurso
Muitos, de todas as cores e alturas
Trazem poemas, desenhos, pinturas
E entram, sem precisarem de concurso.
Permitam que vos apresente uns versos (bem melhores!) que Richard Wagner pôs Hans Sachs a cantar nos Mestres Cantores de Nuremberga, e Nietzsche cita na Origem da Tragédia:
Amigo, a verdadeira obra do poeta
É anotar e interpretar sonhos.
Acreditai que a ilusão mais certa
Vive no sonho dos humanos.
A arte de versejar e de poetar
É dizer a verdade do sonhar.

FELIZ ANO NOVO! DE TODA A EQUIPA DO ESTROLABIO

publicado por João Machado às 23:55
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Boaventura de Sousa Santos no Estrolabio - A 'ditamole'


Portugal transformou-se numa pequena ilha de luxo para especuladores internacionais. Fazem outro sentido os atuais juros da dívida soberana num país do euro e membro da UE?
8:14 Quinta feira, 21 de Out de 2010

Se nada fizermos para corrigir o curso das coisas, dentro de alguns anos se dirá que a sociedade portuguesa viveu, entre o final do século XX e começo do século XXI, um luminoso mas breve interregno democrático. Durou menos de 40 anos, entre 1974 e 2010. Nos 48 anos que precederam a revolução de 25 de abril de 1974, viveu sob uma ditadura civil nacionalista, personalizada na figura de Oliveira Salazar. A partir de 2010, entrou num outro período de ditadura civil, desta vez internacionalista e despersonalizada, conduzida por uma entidade abstrata chamada "mercados".

As duas ditaduras começaram por razões financeiras e depois criaram as suas próprias razões para se manterem. Ambas conduziram ao empobrecimento do povo português, que deixaram na cauda dos povos europeus. Mas enquanto a primeira eliminou o jogo democrático, destruiu as liberdades e instaurou um regime de fascismo político, a segunda manteve o jogo democrático mas reduziu ao mínimo as opções ideológicas, manteve as liberdades mas destruiu as possibilidades de serem efetivamente exercidas e instaurou um regime de democracia política combinado com fascismo social. Por esta razão, a segunda ditadura pode ser designada como "ditamole".

Os sinais mais preocupantes da atual conjuntura são os seguintes. Primeiro, está a aumentar a desigualdade social numa sociedade que é já a mais desigual da Europa. Entre 2006 e 2009 aumentou em 38,5% o número de trabalhadores por conta de outrem abrangidos pelo salário mínimo (450 euros): são agora 804 mil, isto é, cerca de 15% da população ativa; em 2008, um pequeno grupo de cidadãos ricos (4051 agregados fiscais) tinham um rendimento semelhante ao de um vastíssimo número de cidadãos pobres (634 836 agregados fiscais). Se é verdade que as democracias europeias valem o que valem as suas classes médias, a democracia portuguesa pode estar a cometer o suicídio.

Segundo, o Estado social, que permite corrigir em parte os efeitos sociais da desigualdade, é em Portugal muito débil e mesmo assim está sob ataque cerrado. A opinião pública portuguesa está a ser intoxicada por comentaristas políticos e económicos conservadores - dominam os media como em nenhum outro país europeu - para quem o Estado social se reduz a impostos: os seus filhos são educados em colégios privados, têm bons seguros de saúde, sentir-se-iam em perigo de vida se tivessem que recorrer "à choldra dos hospitais públicos", não usam transportes públicos, auferem chorudos salários ou acumulam chorudas pensões. O Estado social deve ser abatido. Com um sadismo revoltante e um monolitismo ensurdecedor, vão insultando os portugueses empobrecidos com as ladainhas liberais de que vivem acima das suas posses e que a festa acabou. Como se aspirar a uma vida digna e decente e comer três refeições mediterrânicas por dia fosse um luxo repreensível.

Terceiro, Portugal transformou-se numa pequena ilha de luxo para especuladores internacionais. Fazem outro sentido os atuais juros da dívida soberana num país do euro e membro da UE? Onde está o princípio da coesão do projeto europeu? Para gáudio dos trauliteiros da desgraça nacional, o FMI já está cá dentro e em breve, aquando do PEC 4 ou 5, anunciará o que os governantes não querem anunciar: que este projeto europeu acabou.

Inverter este curso é difícil mas possível. Muito terá de ser feito a nível europeu e a médio prazo. A curto prazo, os cidadãos terão de dizer basta! Ao fascismo difuso instalado nas suas vidas, reaprendendo a defender a democracia e a solidariedade tanto nas ruas como nos parlamentos. A greve geral será tanto mais eficaz quanto mais gente vier para a rua manifestar o seu protesto. O crescimento ambientalmente sustentável, a promoção do emprego, o investimento público, a justiça fiscal, a defesa do Estado social terão de voltar ao vocabulário político através de entendimentos eficazes entre o Bloco de Esquerda, o PCP e os socialistas que apoiam convictamente o projeto alternativo de Manuel Alegre.
publicado por Carlos Loures às 21:00
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É bom mas ainda falta – PISA

Alexandra Pinheiro




O PISA é um estudo de avaliação da OCDE sobre o desempenho dos sistemas educativos dos 33 países participantes nos domínios da leitura, matemática e ciências e é revisto de três em três anos. A amostra incluiu 6298 alunos portugueses, com 15 anos que frequentam entre o 7.º e o 11.º ano de escolaridade no ensino estatal e não estatal. Sendo um instrumento muito útil para uma análise comparada, importa referir que a qualidade da educação não se mede só com os indicadores do PISA.

Conseguimos melhorar! Já não estamos na humilhante cauda dos 33 países e passamos para o último terço da tabela, pelo que, estamos mais próximos do nível da OCDE. Isto é bom e representa uma melhoria, contudo, ainda não estamos lá e mantemo-nos abaixo da média em todos os domínios.

Com tempo far-se-á a análise deste estudo pela comparação com outros países e avaliação da origem da progressão dos resultados de Portugal. Para já importa reter que, em termos globais OCDE, os resultados educativos melhoraram, que deveremos dar especial atenção a alguns os países, como a Polónia e a Nova Zelândia, porque, em menos de uma década, de países com fraca qualidade de ensino conseguem que os seus alunos apresentem já resultados acima da média da OCDE nestas disciplinas. Outros países Asiáticos surgem agora no topo da tabela. Reformas Educativas que merecerão atenção e análise nos próximos tempos.

Mas porque será que todo o nosso esforço ao longo de mais de duas décadas e mobilização para planos especiais e programas nacionais não conseguem produzir resultados na média OCDE a literacia, matemática e ciências?

Sobre Portugal ainda não encontrei nenhuma análise internacional, mas a OCDE explica que estes High Performing de salto rápido, acontecem onde há autonomia curricular, políticas de avaliação de desempenho, consistência no tratamento de dados e em escolas onde existe um bom ambiente escolar entre alunos e professores. Acrescenta, ainda, que nestes sistemas, os alunos mais desfavorecidos conseguem ter bons resultados desde que frequentem e tenham acesso às boas escolas.

Em Portugal necessitamos de um sistema aferidor de qualidade e do reforço de instrumentos que apoiam as famílias mais desfavorecidas permitindo o acesso dos seus filhos a todas as escolas.

Quando permitirmos que as escolas desenvolvam os seus projectos educativos com autonomia e nos libertarmos de preconceitos ideológicos ultrapassados, confio que conseguiremos. E são estes os meus votos para 2011.
publicado por Carlos Loures às 19:00
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Dia 3 de Janeiro - uma nova obra do historiador José Brandão

CRONOLOGIA DA GUERRA COLONIAL
As três frentes da guerra nas ex-colónias portuguesas de África em datas. Todos os dias às 18:00 horas.

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publicado por Carlos Loures às 18:00
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Para que serve a Arte - uma visão pessoal

Adão Cruz

Para quem cria, a obra é um processo de aprendizagem permanente. A criação espevita a nossa reflexão, desenvolve todo o processo de humanização, cria uma singular afinidade com a consciência, aproxima-nos de todos os mecanismos de identificação da verdade, afina as emoções e os sentimentos, apura o sentido da beleza, da ética, da estética e até da justiça, dado que esta se pode considerar fruto da harmonia e do equilíbrio, as grandes traves da Arte e da verdadeira vida.
A Arte é uma relação de vida. A montante e a jusante da Arte existem as emoções e os sentimentos. A montante prevalecem as emoções e os sentimentos do autor da obra, a jusante predominam as emoções e os sentimentos daqueles que contemplam a obra criada. Pode dizer-se que a Arte é uma espécie de degrau entre este desnível do mundo interior e do mundo exterior, uma espécie de portal entre duas dimensões, o principal factor na equação que um dia poderá resolver o problema da paz individual e colectiva.
Quando alguém produz uma chamada obra de Arte, neste caso uma pintura, introduz na tela toda a sua vida, ainda que inconscientemente, todas as suas vivências, todas as suas memorizações, todas as suas aprendizagens, todas as suas emoções, todos os seus sentimentos, paixões e devaneios, todas as suas frustrações, todas as suas potencialidades reflexivas, toda a sua cultura, toda a sua visão do mundo e das coisas. Quem contempla essa obra não vai ver a obra do autor mas a sua própria obra, a obra de quem a vê, dado que vai contemplá-la através das suas próprias vivências, através da sua cultura, das suas emoções, dos seus sentimentos, da sua visão do mundo e das coisas, que podem não ter nada a ver com os elementos da estrutura mental do criador da obra. A contemplação de um quadro não exige forçosamente uma análise intelectiva. É muito mais importante o impacto que a obra produz no espectador. Ela actua sobre o seu sentir e não só sobre a sua inteligência. Claro que um espectador pouco inteligente, sem imaginação, sem sentimento artístico, vazio de ideias e de ideais, não verá nada.

A obra funciona de estímulo, mais ou menos poderoso e profundo, capaz de desencadear toda uma cascata de sentimentos no observador, por vezes muito mais intensos do que os do criador, podendo ter a força requerida para desnudar o seu íntimo e arrancar-lhe emoções muitas vezes desconhecidas, apagadas ou esquecidas no mais recôndito dos seus arquivos mentais. Perante uma obra de Arte, suporte de meditação, meio de fixação da atenção e de excitação mental, o espectador sente-se obrigado a um exame de consciência e a uma necessidade de rotura com os seus velhos conceitos. A Arte é uma fonte de conhecimento e é tanto mais nova quanto mais novas forem as ideias que usa na concepção da realidade, quanto maior for o abalo que produz nas formas caducas de ver o mundo e a realidade. Como já se disse atrás, a Arte é impacto, desconcerto de espírito e agente de mudança das formas de pensar. Quando o público se identifica serenamente com a obra e mostra coerência com determinadas formas artísticas, é de temer que essas formas já tenham perdido a sua capacidade revolutiva. Assim se entende que não é a Arte que deve descer à compreensão do povo, mas é o povo que tem de ascender aos patamares da natureza revolucionária da Arte. Uma política cultural, isto é, o ensino de uma autêntica cultura formativa e digna, está longe da estafada ideia de que convém dar ao povo o que o povo pede. É escandaloso ouvir dizer que se deve servir o povo com coisas que lhe dêem prazer e não com intelectualices! Esta luta é uma luta de todos, um verdadeiro e poderoso sentir da necessidade desta ascensão como uma das prioridades da estruturação humana. Uma luta travada pelo saber de todos os tempos, uma luta perpétua contra a ignorância dos que não sabem, dos que julgam que sabem tudo e dos que não sabem aquilo que não sabem.
publicado por João Machado às 16:00
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Para Sempre, Tricinco ALLENDE E EU - autobiografia de Raúl Iturra - (40)

E com esta nota, fecho o livro. Consciente estou de não ter referido a Maria João Mota, mas é preciso a deixar em paz para acabar a redacção da sua tese de doutoramento.



Devo confessar que estes tricinco em Portugal, têm sido um mar de rosas, comparados aos anos do Chile, de Cambridge e, especialmente, pela satisfação dada a mim da amizade, visitas, trabalhos e imensos trabalhos solicitados pelo Departamento e pelo ISCTE, hoje Governado pelo Professor Luís Antero Reto . Não apenas o corpo docente, bem como o secretariado todo, têm passado a ser a minha companhia, neste desgarrado livro, que passa a ser agora editado por quem deve: a editora que o publique e por essa querida Senhora, Maria Paula Almeida.


Não posso deixar de dizer que este tem sido um texto provisório, que pode entreter ou não, mas que eu tenho tido o prazer do escrever. É praticamente uma autoanalise, que me acompanha enquanto os dias passam. Tenho entregue ao ISCTE todo o possível. É pena a falta de certa reciprocidade, mas bem entendo que todos os membros da minha instituição, andem muito ocupados. O culpado sou eu, por ter introduzido Cambridge primeiro e Bolonha a seguir, como manda hoje a lei, dentro dos nossos planos de estudos.


Por amar tanto a minha instituição, não consegui deixar ninguém de fora e o texto pode parecer pesado. Mas, a vida não é e perfeita harmonia com a qual sonhamos. Bem ao contrário: enquanto somos úteis, todos estão connosco, quando nos atravessamos no caminho do trabalho, essa primeira obrigação de todo ser humano, como está no mito do Génesis Cristão, Islâmico, Judaico, Arménio, Ortodoxo Grego ou Russo, ou, ainda, entre os Maronitas do Líbano , é evidente que todo o que é possível é eliminar os obstáculos para trabalhar descansado e sem ansiedade.


Devo confessar também, que nunca recebi tantas flores lindas e perfumadas, como nestes dias da minha doença, enviadas pelos os meu antigos orientados, hoje todos eles Doutores, a maior glória de um académico. Para nada estou arrependido de ter deixado Cambridge e aderir ao ISCTE. O ISCTE é a minha família. E, para estar mais perto deles, é que eu queria ser português de direito próprio, tramitação já começada como deve ser, com a colaboração da minha britânica e neerlandesa família. Não acredito em Deus, quem me dera!, mas, caso houver, que Ele vos abençoe, porque a minha benção, seja ou não útil, já está convosco!


Muitos ficaram fora, mas era preciso. Estava a falar da minha vida, sempre centrada no trabalho, desde a mais tenra infância. Eis porque tenho criado essa nova disciplina, a Etnopsicologia da Infância, esse grande amor da minha vida! É a esse amor que dedico as palavras escritas em texto....


Parede, Paris, Cambridge, Talca, Alicante, País Basco, Galiza, Leiria, e tantos outros sítios, sempre académicos o de trabalho de campo!


Dia do Pai de 2008.


Nota:


Os Maronistas do Líbano, os conheci enquanto cursava o meu Mestrado na Universidade de Edimburgo, Escócia. A Igreja Maronita é uma Igreja particular sui juris católica, do rito oriental, em plena comunhão com a Sé Apostólica, ou seja, reconhece a autoridade do papa, o sumo pontífice da Igreja Católica. Tradicional no Líbano, a Igreja Maronita possui ritual próprio, diferente do rito latino adotado pelos católicos ocidentais. O rito maronita prevê a celebração da missa em língua aramaica.Retirado da página web: http://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_Maronita







































































































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No póximo dia 3 de Janeiro, iniciaremos uma nova série da autoria do Professor Raúl Iturra -

O PROCESSO EDUCATIVO:

ENSINO OU APRENDIZAGEM?





publicado por Carlos Loures às 15:00
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A Sereiazinha (6) - por Hans Christian Andersen

(Conclusão)

No dia seguinte, o navio entrou no porto da bela cidade do rei vizinho. Todos os sinos tocaram e das torres altas soaram trombetas, enquanto os soldados formavam com bandeiras flutuando ao vento e baionetas cintilantes. Cada dia havia uma festa. Bailes e reuniões de socie¬dade seguiam-se uns aos outros, mas a princesa ainda não chegara; estava a ser educada longe dali, num templo santo, disseram. Aprendia aí todas as virtudes reais. Por fim chegou.


A sereiazinha sentiu-se curiosa de ver a sua beleza e teve de reconhecê-lo: era a figura mais bonita que vira. A pele era fina e macia e, por detrás das longas pestanas escuras, sorria um par de olhos azuis-escuros, leais.


- És tu! exclamou o príncipe. - Tu que me salvaste, quando jazia como um cadáver na costa! - e apertou a noiva nos braços, que se fez vermelha. - Oh! Sou demasiado feliz! - disse ele para a sereiazinha. - O melhor, aquilo que nunca ousei esperar, tornou-se realidade para mim. Vais alegrar-te com a minha felicidade, pois gostas mais de mim do que todas as outras! - E a sereiazinha beijou-lhe a mão e pareceu-lhe sentir já o coração quebrar-se-lhe. A manhã do seu noivado trar-lhe-ia, pois, a morte e transformá-la-ia em espuma do mar.


Todos os sinos repicavam, os arautos percorriam as ruas a cavalo, a anunciar o noivado. Em todos os altares ardiam óleos aromáticos e preciosas lâmpadas de prata. Os sacerdotes balança¬ram os turíbulos, e noivo e noiva deram um ao outro as mãos e receberam a bênção do bispo. A sereiazinha estava vestida de seda e ouro, e segurava a cauda da noiva, mas os seus ouvidos não ouviam a música festiva, os olhos não viam a cerimónia santa, pensava na sua noite de morte, em tudo que havia perdido neste mundo.


Ainda nessa noite foram noiva e noivo para bordo do navio, os canhões soaram, todas as bandeiras flutuavam ao vento e no meio do navio estava erguida uma preciosa tenda de ouro e púrpura e com as mais bonitas almofadas. Aí ia o casal de noivos dormir na noite calma e fresca.


As velas enfunaram ao vento e o navio deslizou ligeiro e sem grande oscilação sobre o mar claro.


Quando escureceu, acenderam-se lâmpadas de cores variegadas e os homens do mar dan¬çaram danças alegres na coberta. A sereiazinha teve de lembrar-se da primeira vez que veio ao cimo do mar e viu a mesma pompa e alegria e lançou-se a rodopiar na dança, pairou, como paira a andorinha quando é perseguida, e todos manifestaram com júbilo a sua admiração, nunca dan¬çara tão maravilhosamente! Era como se facas afiadas lhe golpeassem os pés finos, mas ela não o sentia, feriam-na no coração mais dolorosamente. Sabia que era a última noite que veria aquele por quem havia deixado a família e o lar, por quem havia perdido a bonita voz e sofrido diaria¬mente tormentos infindos, sem vacilar. Era a última noite, respirava o mesmo ar que ele, via o mar fundo e o céu azul com estrelas. Uma noite eterna sem pensamentos e sonhos esperava por ela que não tinha nenhuma alma, nem podia alcançá-la. E tudo foi alegria e satisfação no navio bem para além da meia-noite, enquanto ela dançava com o pensamento da morte no coração. O príncipe beijou a linda noiva e ela acariciou-lhe o cabelo negro, e de braço dado foram repousar na tenda magnífica.


Fez-se silêncio e houve calma no navio, só o timoneiro ficou ao leme. A sereiazinha pôs os braços alvos na amurada e olhou para leste à procura de ver a aurora, o primeiro raio de sol, sabia ela, iria matá-la. Viu então as irmãs subirem ao de cima do mar. Estavam pálidas como ela, o seu cabelo longo e bonito não flutuava mais ao vento, fora cortado.


- Oferecemo-lo à bruxa para que nos ajudasse a conseguir que não morresses esta noite. Deu-nos uma faca, está aqui. Vês como é afiada! Antes de o sol se levantar, tens de a espetar no coração do príncipe e quando o seu sangue quente se derramar sobre os teus pés, transformar-se-ão estes numa cauda de peixe e tu voltarás a ser uma sereia, poderás descer na água até nós e viver os teus trezentos anos antes de vires a ser espuma morta e salgada. Despacha-te! Estás a ver a faixa vermelha no céu? Em poucos minutos vai nascer o sol e terás então de morrer! — E lançaram um suspiro estranho e profundo mergulhando nas ondas.


A sereiazinha afastou o tapete de púrpura da tenda e viu a bela noiva a dormir com a cabeça no peito do príncipe, beijou-lhe a linda testa, olhou para o céu, onde a aurora luzia mais e mais, olhou para a faca afiada e voltou a fitar os olhos no príncipe, que em sonhos pronun¬ciava o nome da noiva. Ela só estava nos seus pensamentos e a faca tremeu na mão da sereia... mas lançou-a para longe nas ondas que brilharam vermelhas onde caiu. Era como borbulhassem gotas de sangue ao de cima da água. Ainda uma vez olhou para o príncipe, com o olhar meio enublado, depois lançou-se do navio ao mar, onde o seu corpo se desfez em espuma.


Nasceu então o sol. Os seus raios tombaram suaves e quentes sobre a espuma do mar fria de morte e a sereiazinha não sentiu a morte, viu o sol luminoso e por cima dela pairarem centenas de belas criaturas transparentes. Podia ver através delas as velas brancas do navio e as nuvens vermelhas do céu. As suas vozes eram melodiosas, mas tão espirituais que nenhum ouvi¬do humano podia ouvi-las, tal como nenhuns olhos terrestres podiam vê-las. Sem asas pairavam pela sua própria leveza no ar. A sereiazinha viu que tinha um corpo como elas, que se elevava mais e mais da espuma.


- Para quem venho eu? — disse ela e a sua voz soou como a dos outros seres, tão espiritual que nenhuma música terrestre pode transmiti-la.


- Para as Filhas do Ar! — responderam as outras. - As sereias não têm uma alma imortal, não podem nunca alcançá-la, só se ganhassem o amor dum ser humano. Dum poder estranho depende a sua existência eterna. As Filhas do Ar também não têm alma eterna, mas podem elas próprias com boas acções obter uma. Voamos para as terras quentes, onde o ar pestilento e abafado mata os homens. Aí produzimos frescura. Espalhamos perfume de flores no ar e damos frescura e alívio. Se nos tivermos esforçado trezentos anos por fazer o bem, podemos então alcan¬çar uma alma imortal e participar na felicidade eterna dos seres humanos. Tu, pobre sereiazinha, esforçaste-te com todo o coração pelo mesmo que nós, sofreste e suportaste dores, elevaste-te para o mundo dos espíritos do ar e agora podes tu própria com boas acções conseguir uma alma imortal dentro de trezentos anos.


E a sereiazinha ergueu os braços claros para o sol de Deus e, pela primeira vez, sentiu correrem-lhe lágrimas... No navio havia outra vez alarido e vida, viu o príncipe com a sua linda noiva a procurá-la. Olhavam tristes para a espuma borbulhante, como se soubessem que se lan¬çara nas ondas. Invisível, beijou a testa da noiva, sorriu para ele e subiu com as outras Filhas do Ar na nuvem cor-de-rosa que flutuava no céu.


- Em trezentos anos ascenderemos assim para o reino de Deus!


- Também podemos mais cedo alcançá-lo! — murmurou uma — Entramos invisíveis nas casas dos homens, onde há crianças e por cada dia que encontramos uma criança boa, que faz a alegria dos pais a merece o seu amor, Deus encurta o nosso tempo de prova. A criança não sabe, quando voamos pela casa e, se tivermos de sorrir de alegria por ela, é-nos tirado um ano dos trezentos, mas se virmos uma criança malcriada e má, então temos de chorar lágrimas de tristeza e cada lágrima aumenta de um dia o nosso tempo de prova!

publicado por Carlos Loures às 14:00
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Ensino: CNE - a cultura da avaliação é ainda incipiente

Luís Moreira


O Conselho Nacional de Educação considera que as escolas privadas devem ser também alvo de avaliação externa. Desde 2006 que a Inspecção- Geral da Educação já avaliou 984 agrupamentos e escolas não agrupadas do sector público.


Numa recomendação sobre a avaliação externa o CNE sugere que "seja definida a obrigatoriedade de as escolas apresentarem um plano de melhoria" O CNE lembra que é assim que se faz em muitos outros países, sendo feita depois, no fim do processo, uma monitorização da concretização do plano de melhoria.


Cá no país ainda não foi efectuada nenhuma aferição dos efeitos dos programas e defende que este balanço deve ser feito por uma entidade externa e independente do ME. Este processo é importante e ainda mais porque a classificação das escolas tem consequências para a fixação das quotas para a atribuição aos professores das classificações de Excelente e Muito Bom.


Claro que o CNE também reconhece que ainda não há consenso sobre esta matéria, mas isso já todos esperávamos, pois se a corporação de professores defende a "impossibilidade" de avaliar as escolas e os professores e que todos os professores devem chegar ao topo da carreira...


Mas o que tem que ser pode muito, a avaliação é cada vez mais consensual, as quotas para os níveis mais elevados da carreira como consequência do mérito são já defendidas por muitos professores, e a razão e os processos com provas dadas vão ter vencimento.

Não se pode trocar o mérito pela preguiça, nem a exigência pela irresponsabilidade. É tempo de se avançar no caminho da qualidade e dos resultados.

Por muito que custe aos que esperam sentados.
publicado por Luis Moreira às 13:00
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Uma voz da Galiza - Manuel María (1929-2004)

Manuel María foi uma das vozes mais emblemáticas do ressurgimento do galego como língua literária. Grande poeta, escreveu obras como Mar maior (1963), Os sonhos na gaiola (1968), Remol (1970), Cantos rodados para alheados e colonizados (1973), O livro das badaladas (1977), O caminho é uma nostalgia (1985), As lúcidas luas do Outono (1988), Os longes do solpor (1993) e tantos outros – cerca de três dezenas de obras.


Nasceu em Outeiro de Rei, em 6 de Outubro de 1929 e faleceu na Corunha, em 8 de Setembro de 2004. Filho de camponeses, exaltou na sua obra o labor dos trabalhadores do campo, dos labregos. Foi um homem que não fugiu ao compromisso político, mas sem esquecer a dimensão humana no seu todo, incluindo o amor e a fraterna amizade. Da obra 99 Poemas de Manuel María (Razão Actual, Porto, 1972), seleccionei «O labrego». De notar que a palavra «labrego», que para os portugueses pode ter uma conotação levemente pejorativa, para os galegos é o vocábulo usado para «camponês»:

O Labrego

Un labrego tan só é unha cousa
que case non repousa.


Da sementeira a seitura,
pasando pela cava,
a súa vida é moi dura
e moi escrava.


Sempre trafegando,
arando,
sachando,
malhando,
gadanhando,
percurando o gando.


Sempre a olhar pró ceo
com medo e com receo.
Sempre a sementar ilusión
ponhendo na semente o corazón
pra colheitar probeza e mais tristura.


Dilhe ao labrego da beleza
da campía,
da súa fermosura
e poesia.


Dírache que sí,
que a beleza pra tí.


Pró labrego é o trabalho
o andar tocado do caralho,
o pan mouro i o toucinho.


(Múdanse de calzado ou de traxe
cando van de viaxe,
de feira ou de romaxe
e xantan, eses días, pulpo e vinho);
os eidos ciscados, minifundiados
que quér decir atomizados);
o matarse sachar de sol a sol
pra lograr seis patacas
com furacas,
catro grãos de centeo i unha col;
o dobregarse sobor dos sucos
pra pagar gabelas e trabucos;
o vivir entre esterco i animales
en chouzas case inhabitabeles.


I aguantar, aguanta e aguantar,
Agardando morrer pra descansar
.













publicado por Carlos Loures às 12:00
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Marcos da primeira década do século XXI – O Ambiente; A Crise económica

Luís Rocha


Estou na Costa da Caparica. O mar está agitado e praticamente não se vê areia. As ondas vão e vêm rebentando na costa, rejubilando de alegria com estrondo e espuma, à carícia da pouca areia que resta.

A visão desta manifestação da natureza, ao mesmo tempo que fascina pela sua beleza reflecte também a sua fúria contra o que o ser humano está a fazer no Planeta.

Chega ao fim a primeira década do século XXI e, apesar de os países ditos mais importantes se terem reunido todos os anos, com o objectivo de diminuir o mal que sabem estar a fazer, todas as reuniões terminaram, com decisões sobre o que cada país terá de pagar para continuar a matar o Planeta.

Vamos assim entrar na segunda década deste século e continuar a pagar para destruir.
As poucas medidas tomadas têm, na prática, sido apenas de sensibilização junto da população para os cuidados a ter com a poluição que provoca.
A evolução económica, medida pela produção de riqueza, com o dito objectivo de, entre outros, criar emprego, não é compatível com a diminuição pseudo-desejada da poluição. Veja-se por exemplo a decisão tomada para recuperar da “crise”: Aceita-se adiar as soluções para poluir menos.
Os governos, em vez de imporem medidas para a solução, pactuam com os interesses do poder económico (ditados pelos países mais ricos) que até esteve na origem da crise e, sabe-se lá, se o objectivo não seria o agora conseguido, de manter ou mesmo aumentar os índices de poluição. Paga-se para poluir e a economia recupera. Caso contrário não se sai da crise.
A década que termina é portanto, para mim, marcada pela sustentabilidade pretendida pelo poder económico para continuar a poluir e ganhar mais, mesmo que a isso se chame fazer recuperar a economia, para sair da CRISE, por eles provocada.
Senão vejamos:


DERRAME DE PETRÓLEO NO GOLFO DO MÉXICO


A plataforma petrolífera Deep Water Horizon, explorada pela BP afundou-se no final de Abril de 2010, provocando a morte de 11 trabalhadores.
Segundo informações dadas pela BP na altura, a fuga de crude do poço, a mais de 1500 metros de profundidade, era cerca de 800 mil litros (equivalente a 5 000 barris) dia. Vários cientistas e especialistas estimavam uma inundação diária do Golfo do México entre 70 a 100 mil barris, equivalente a cerca de 15 milhões de litros.

De acordo com um estudo da Universidade de Miami, nos Estados Unidos, no espaço de um mês a camada de crude presente nas águas, ocupava uma área de quase 25 mil quilómetros quadrados, o equivalente à área geográfica da Sardenha.
Foram necessários três meses para conter o derrame no poço danificado pela explosão. Estima-se que cerca de 4,9 milhões de barris de petróleo verteram para o mar.
A BP declarou na altura pagar cerca de 370 milhões de dólares norte-americanos em compensações no âmbito de acordos extrajudiciais relacionados com casos e queixas de fraude e danos ambientais no âmbito do acidente.
Como sempre tudo se resolveu com dinheiro de pseudo compensações (não se sabe ao certo quanto e a quem foram pagas).
Entretanto o valor do barril de petróleo no mercado subiu. Casualidade ?


PROTOCOLO DE QUIOTO, CONFERÊNCIAS E REUNIÕES DE COPENHAGA E CANCUM, SOBRE A EMISSÃO DE GASES PARA A ATMOSFERA


Discutido e negociado em Quioto - no Japão - em 1997, foi aberto para assinaturas em 16 de Março de 1998 e ratificado em 15 de março de 1999, o chamado “Protocolo de Quioto”. Oficialmente só entrou em vigor em 16 de fevereiro de 2005, depois de só ter sido ratificado pela Rússia em Novembro de 2004. O protocolo já foi assinado por 172 países, incluindo o que mais polui actualmente: A República Popular da China. Os Estados Unidos da América ainda não assinaram.
Já depois da crise financeira em 2007/2008, decorreu entre 7 e 18 de Dezembro de 2009 a Conferência de Copenhaga, internacionalmente conhecida como COP-15, com a finalidade de tomar medidas para tentar resolver os problemas de redução de gases com efeito de estufa na atmosfera. No final o encontro redundou num grande fiasco, por não oferecer avanços nas propostas ambientais, face ás definidas em Quioto.
Recentemente reuniram-se em CANCUN (México) entre 6 e 11 de Dezembro, mais de 190 países que participaram na 16ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-16). Da reunião resultou a criação do "Fundo Verde" e a extensão do Protocolo de Quioto para além de 2012, quando expira o tratado.
Nenhuma meta foi estabelecida sobre a redução das emissões de gases de efeito estufa. O texto de Cancún prevê apenas o estabelecimento de metas voluntárias por parte dos países e ainda permite a elevação da temperatura global em 2°C, com previsões de revisão desse objectivo, entre 2013 e 2015, para 1,5°C.
Quanto à criação do “Fundo Verde” o mesmo tem como objectivo “mobilizar” 100 biliões de dólares por ano, até 2020, para ajudar as nações em desenvolvimento na luta contra as mudanças climáticas (é uma medida humanitária e tapa os olhos com os dedos abertos!).
Ficaram também agendadas novas reuniões: A COP 17, a realizar na África do Sul em Dezembro de 2011 e a ECO-2012 a realizar-se no Brasil, na Cidade do Rio de Janeiro em Junho de 2012.
A conclusão é que o poder económico não está interessado em alterar as regras do jogo.
O crescimento das empresas e consequentemente da economia dos países e do mundo, tiveram e continuam a ter um único objectivo: O lucro selvagem do capital. Ao mesmo tempo a sociedade (população do Planeta) passou a ser altamente consumista. Evidencia-se assim um modelo de gestão empresarial e sociedade que tem vindo a destruir os recursos naturais de uma forma acelerada.
No contexto actual, há uma responsabilidade crescente das empresas para apresentação de valores sociais e ambientais aos consumidores e aos accionistas; Do mesmo modo devem ser exigidas responsabilidades aos governantes para que focalizem esforços (legislação) no sentido do desenvolvimento económico, sustentado numa política ambiental e social.
Temos que escolher entre um mercado global, com o objectivo principal dos lucros de curto prazo e um que apresente uma face social e ambiental. Entre um mundo que condena um quarto da população do Planeta à fome e à miséria e um que oferece a todos pelo menos uma oportunidade de prosperar num ambiente saudável.
Entre um egoísmo livre para tudo, no qual ignoramos o destino dos vencidos e um futuro no qual os fortes e bem-sucedidos aceitam as suas responsabilidades” (Kofi Annan, Sétimo Secretário Geral da Organização das Nações Unidas).
A nós, simples habitantes do Planeta, que na realidade com o nosso trabalho e o consumo que fazemos (estimulado) produzimos a verdadeira riqueza, cabe-nos a tarefa de tentar impor, por atitudes e escolha de governantes capazes, a responsabilidade de SALVAR O PLANETA para as gerações que se seguem.
Que cada um assuma a sua responsabilidade é o objectivo que desejo e proponho para a próxima década que começa em 2011.


publicado por siuljeronimo às 11:00
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Sempre Galiza! - Gala homenaxe (2007) a Zeca Afonso - 8

coordenação de Pedro Godinho

Do seu último disco (1973) anterior ao 25 de Abril de 1974, o primeiro que mão amiga me fez ouvir (tocou-me de tal forma que logo procurei ouvir todos os outros) e me fez sentir o espírito da resistência à ditadura, a canção que deu título ao LP, Venham mais cinco cantada por Tito Paris, Vitorino, Janita Salomé, Júlio Pereira e Luis Pastor. Do mesmo álbum, Janita Salomé interpreta Era um redondo vocábulo.



publicado por estrolabio às 09:00
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...


As Nuvens

João Cabral de Melo Neto





As oito da manhã, aqui no Estrolabio, é a hora da poesia. Hoje é a vez de um grande poeta brasileiro – João Cabral de Melo Neto (1920 —1999) .

Da sua colectânea O Engenheiro (1945),

As Nuvens



As nuvens são cabelos

crescendo como rios;

são os gestos brancos

da cantora muda;



são estátuas em voo

à beira de um mar;

a flora e a fauna leves

de países de vento;



são o olho pintado

escorrendo imóvel;

a mulher que se debruça

nas varandas do sono;



são a morte (a espera da)

atrás dos olhos fechados

a medicina, branca!

Nossos dias brancos.
publicado por João Machado às 08:00
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Noctívagos, insones & afins: o Fagundes faz-nos muita falta

Carlos Antunes


O Jorge Fagundes foi sempre um homem muito solidário, antes e depois do 25 de Abril. Foi um dos advogados que mais presos políticos defendeu no Tribunal Plenário antes do 25 de Abril: presos do Golpe de Beja, maoístas da FAP, militantes clandestinos do PCP, não descriminando nenhum anti-fascista pela sua tendência ideológica.

Depois do 25 de Abril, foi o grande organizador da defesa dos presos do PRP. Convidando amigos advogados de todo o país, montou uma defesa extraordinária deste grande processo político. Foi ele que se encarregou pessoalmente da minha defesa e da Isabel do Carmo.

Já em liberdade, e porque tínhamos escritório na mesma rua, face a face, almoçávamos praticamente todos os dias. Tinha um humor fantástico e aproveitava o convívio do almoço para contar histórias inesquecíveis, muitas delas ligadas aos tribunais. Se o Sporting perdesse num domingo, a segunda-feira era sempre dia de luto. E como ele dizia , não era caso para menos...


A sua posição de grande e reconhecido advogado não o impedia de assumir responsabilidades políticas com grande coerência. Foi convidado para ser director do jornal Página Um, em 1976, cargo que assumiu com toda a coragem, mesmo quando choviam os processos jurídicos contra o jornal e contra ele como director. Sem alardes, era um homem com uma grande coerência revolucionária.



_____________________________________
Nota: Logo que soubemos do falecimento de Jorge Fagundes, solicitámos ao Carlos Antunes, grande amigo de Fagundes, um depoimento. Depoimento que só hoje nos é possível apresentar.
publicado por Carlos Loures às 03:00
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Os dez mais: Há quanto tempo a não via

Manuela Degerine




As rádios e televisões francesas não falam de outra coisa: chegou a neve. Dezasseis graus negativos em Orleães, aldeias sem electricidade, a circulação interrompida, os camionistas encalhados, náufragos da neve, na metáfora radiofónica, alguns voos e Eurostar suprimidos, cidades com transportes paralisados, múltiplas estratégias de substituição – uma das quais é circular de bicicleta. Os pneus para a neve esgotados, as botas para a neve vendidas. As crianças radiantes por não haver escola. As crianças felizes por brincarem na neve. Os grandes debates: o sal nas estradas, a arquitectura ecológica, o pico do consumo de energia temido, atingido e, por fim, não ultrapassado graças ao civismo dos habitantes da Bretanha que apagaram as luzes inúteis, adiaram as lavagens de roupa e desceram dois graus no aquecimento das casas. Uf... A descoberta, nas aldeias sem electricidade, de outro modo de vida: a botija de água quente, a conversa junto da lareira, o deitar às nove da noite... Como no tempo dos nossos avós. As entrevistas nas Galeries Lafayette, permanecer elegante no frio, não às fibras termolactil, sim às camisolas de cachemira... O abrigo dos sem-abrigo.


Assisto a tudo com uma estranheza crescente, não só porque passei o ano em Lisboa, onde o calor me sinistrou durante três meses, mas também porque em Paris francamente... As temperaturas diurnas andam à volta dos zero graus o que, com meias e luvas de lã, duas camisolas e um blusão de penas, se vive muito agradavelmente. Tenho caminhado por ruas e parques sem me sentir refrigerada. Diversas vezes, durante percursos de bicicleta, caíam farrapos de neve; achei muito bonito. As casas, os transportes, todos os edifícios públicos e privados são aquecidos – excessivamente. Demasiado branca e pura para se tornar banal, não podemos contudo dizer que seja aqui novidade; no entanto quem vê o telejornal fica com a impressão de, na história climática da França, ter agora caído neve pela primeira vez. Parece que estamos no Rio de Janeiro.


Ou em Lisboa. Ontem, saturada de branco, rumo à RTPi... Portugal é verde no Inverno. E qual não é o meu espanto? O país estava todo virado para a Serra da Estrela. Mais neve, mais estradas interrompidas, mais autocarros imobilizados. Mais blablá refrigerado. Na verdade... Em Portugal ainda compreendo: pouco frequente na maior parte do território, constitui uma informação, entre o pavor – carros virados – e o estético e o lúdico. As imagens são de facto bonitas e, para a maioria dos portugueses, evocam viagens à montanha, a dos dois mil menos sete, a única, a da Estrela; no mínimo: a descoberta do sku durante uma viagem escolar. Lembro-me que, na primeira vez, teria uns cinco anos, provei a neve: na minha imaginação a Serra de Estrela era o cume dos gelados de coco. Achei um tanto insípido. Comecei a compreender que as estrelas cobertas com gelado são reais na imaginação. Já não é pouco. A realidade da neve? Essa conhecem-na os habitantes das serras, esta e outras, no Centro e no Norte do país pois, no mínimo, desde o tempo dos Montes Hermínios, mais ano, menos ano, se confrontam com o frio e as escorregadelas. Por estranho que pareça a alguns, muito antes de as reportagens os descobrirem a eles, já os habitantes das serras conheciam a neve e sabiam o que fazer quando ela cai; até sabiam, como na Serra da Lousã, tirar proveito económico da neve que, desde o século XVIII, era recolhida perto do Coentral e encaminhada para Lisboa por conta de Julião Pereira de Castro – para fazer gelados.


Interrogo-me há uma semana sobre o papel desta glaciação mediática, deste carnaval branco, deste furor invernal, esquecidos a crise, o terrorismo, o Irão e o tráfico de droga. (Já nem falo do desemprego.) Trata-se de informar, de variar, de divertir, de preencher um vazio, de instalar um ambiente pré-natalício? Jingle bells?... Sem dúvida um pouco disto tudo.


publicado por Carlos Loures às 02:00
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