Quinta-feira, 2 de Junho de 2011

O Momento Político - por João Machado

Este é um texto sobre o processo eleitoral, o que se deseja que dele resulte para o país, e como se vê o futuro de todos.

 

Estamos a três dias das eleições legislativas. Os portugueses estão profundamente traumatizados com a situação em que o país se encontra. Vão votar sob o peso de pesados condicionalismos, nomeadamente os derivados da  situação económica e financeira, que lhes são apresentados como sendo sem saída, obrigando-os a pagar pesados encargos a entidades supranacionais, em relação às quais não dispõem de qualquer poder, nem sequer o das eleger numas quaisquer eleições.

 

Para a generalidade dos portugueses, habituados secularmente à submissão ao rei, à igreja, aos ricos e poderosos, a situação parece sem dúvida sem saída. O que há á fazer é escolher quem vai negociar com essas entidades, de preferência alguém que esteja bem visto por elas. Pode ser que assim se consiga alguma indulgência. Mais uns fundos, mais uns empréstimos. Ir ao fundo das questões nunca, porque quem está acima pode sentir-se melindrado e ameaçar com mais medidas restritivas.

 

Não estou a dramatizar ou a querer chocar quem tiver a paciência de me ler. Perdoar-me-ão, mas este é o estado de espírito de muitos portugueses. Há os que entram em fuga psicológica e não vão votar, nem querem ouvir falar das eleições. Não os condeno. Simplesmente penso que a sua atitude é de quem está farto desta tragicomédia, desistiu,  e deixa andar o destino. Entretanto, há outros, sem dúvida o maior contingente, que vai votar  para escolher o mais sedutor, o que melhor consegue assumir o ar de bem comportado, mais convincente, para levar a Merkel, o Trichet, o Sarkozy, o FMI, etc. Obviamente que não vão escolher ninguém que defenda que tem de se bater o pé a quem nos quer subjugar, ou que diga que a subida que a subida das taxas de juro não se deve assim tanto aos nossos pecados, mas muito mais à ganância de alguns senhores.

 

A verdade é que no domingo o grosso do pessoal vai votar nos bem comportados, e que Portugal vai estar cada vez mais mergulhado numa depressão profunda.

 

Pouco interessa que vá para lá o Sócrates (sem dúvida um tipo muito mau) ou o Passos Coelho (não deve ser melhor) e que o Paulo Portas esteja no governo pela certa. O problema é que os portugueses (perdoem a imagem tauromáquica) não aceitam que têm de agarrar o destino pelos cornos, e torcê-lo bem torcido. Que não é matando-se a trabalhar ou deixando-se morrer de fome que vão conseguir endireitar o país. Nem emigrando em massa (ia a dizer fugindo em massa).

 

É claro que tem de se produzir mais e melhor. Mas para se conseguir esse grande objectivo é preciso antes do mais romper com a santa aliança que controla a vida económica do país, formada pela banca, pelos grupos económicos, com relevo entre estes, durante os últimos cinquenta anos, pelos empresários ligados á construção civil e pela massa trabalhadora, com salários baixos, mas a quem foi concedido o “privilégio” (entre aspas, mas que aspas) do crédito barato e acessível. Os frutos dessa santa aliança estão à vista. Em 1969 estimava-se que em Portugal seria preciso construir  quinhentos mil fogos. Hoje em dia fala-se em centenas de milhar acabados e prontos para a venda, mas que não encontram comprador. A taxa de natalidade caiu abruptamente, e a população envelhece a olhos vistos. A emigração voltou a aumentar. Importa-se 80 % do que se consome.

 

Os grupos económicos, muito centrados na construção civil e afins, procuram agora virar-se para a saúde, a educação e a área social (veja-se o caso dos lares, residências, apoio domiciliário, e outras valências destinadas aos idosos. Claro que aos idosos que podem pagar). No que respeita à indústria e à agricultura, só se interessam pelos produtos que se destinam à exportação. Estas exportações estão sempre afectados pelo valor alto do euro, em relação ao dólar, ao iene, yuan, e outras moedas. Este valor alto dificulta as exportações, e favorece as importações, contribuindo de certo modo para desencorajar a nossa indústria. A este respeito, veja-se o caso dos produtos chineses.

 

Sobre estes assuntos o programa da troika nada diz. O que só demonstra que não vai resolver os nossos problemas. Vai contribuir para um endividamento ainda maior, e agravar a dependência ao exterior. É óbvio que não estamos em tempo de autarcia, e que a abertura ao exterior não é, em si, necessariamente, um mal.


Mas há que produzir mais e melhor, não só para exportar, mas também para fazer face, numa escala muito maior, ás nossas necessidades. O problema do crédito exigiria um grande reforço da Caixa Geral de Depósitos, que nunca poderia ser privatizada, ao contrário do que, insensatamente, preconiza Passos  Coelho (nem Ricardo Salgado apoia tal disparate).

 

Não vou propor que votem neste ou naquele partido. Mas a realidade é esta. Sair da Europa, ou mesmo só do euro, nesta altura, parece muito difícil. Mas as directrizes que visam sobretudo defender os bancos e os mercados financeiros têm de ser contrariadas.

 

Sejam pela clareza e pela frontalidade. Votem bem. Um abraço.  

publicado por Carlos Loures às 23:00

editado por João Machado às 23:19
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10 comentários:
De Luis Moreira a 2 de Junho de 2011
Muito bom, e não é nada dificil concordar contigo.Abraço
De António Gomes Marques a 3 de Junho de 2011
Caro João
Sabes que voto à esquerda, embora vá votar numa esquerda com que não me identifico na totalidade, mas o Sócrates obrigou-me a escolher o mal menor e eu tenho esperança que ele tenha respeito pelo eleitorado e se vá embora de vez, libertando o PS, que terá de ser refundado para assim voltar aos valores socialistas, que estiveram na sua fundação e que muito cedo começaram a ser esquecidos.
Agrada-me também que queiras o reforço da CGD , mas é necessário que depois não obriguem a Instituição a meter o reforço no salvamento de outros BPN's .
De Inês Aguiar a 3 de Junho de 2011
Caro João, gostei muito do diagnóstico (mesmo muito), mas como se lida com uma bactéria em contínua mutação?
Para a cura são necessários meios:
estou cansada de ouvir que os trabalhadores portugueses produzem pouco, mas quem é que produz quando já há uma década só ouve falar de "tanga", crise, dívida? Quando todos os "iluminados" não viram o que aí vinha? Quando vejo um P. Portas esquecer-se que já esteve no poder e foi um fartar vilanagem?! A tomada de posição tem que ser tomada e com consequências para os que não cumpriram o que lhes era exigido, primário talvez porém muito real.
Conheço a Europa o suficiente para saber que somos dos que mais hs trabalhamos. Rentabilidade V Motivação---Carga fiscal alta V qualidade de vida.
Claro que vou votar mas sem esperança...desculpem este desabafo...bjinhos
De Augusta Clara a 3 de Junho de 2011
Olha, João, eu solidarizando-me com a Mafalda "volto à esquerda". É que, para chegar à minha mesa de voto, não tenho outra alternativa.
De Carlos Loures a 3 de Junho de 2011
É uma perspectiva serena e objectiva da situação. É um bom texto, João. Só discordo da recomendação "votem bem" - no presente quadro, votar bem é missão impossível. Um abraço.
De António Gomes Marques a 3 de Junho de 2011
O Carlos é que tem razão, não há como votar bem nestas eleições.
Deixem-me tentar adivinhar o que vai acontecer.
O Sócrates e o seu aparelho, com os que melhor souberam viver a situação por ele criada -Almeida Santos e António Vitorino à cabeça- vão ser corridos do Governo e da Direcção do PS. Este partido vai juntar-se à contestação, lembrando o acto da sua criação e os valores que a tal acto presidiram, ou seja, vai procurar ser de esquerda. O Governo de Passos Coelho, que mais não vai ser do que um conjunto de Direcções-Gerais ao serviço dos mercados financeiros, não aguenta e, num curto prazo, vamos de novo para eleições. Claro que há um outro problema: onde é que os militantes do PS vão encontrar um líder capaz e de esquerda!
De João Machado a 3 de Junho de 2011
Em qualquer sistema eleitoral, e dadas as imperfeições humanas, políticas, e outras, não existe a perfeição. Nós estamos numa situação particularmente apertada. Temos que correr alguns riscos. Mudar certas visões a que estamos agarrados. Olhar para longe. É a isso que eu chamo votar bem.
De Luis Moreira a 3 de Junho de 2011
Meus caros, há outro cenário. O PSD e o CDS vão para o governo executar as medidas da Troika que o Sócrates assinou e de que é responsável. Ou não tem vergonha nenhuma ou vai ficar na oposição a ajudar que os problemas se ultrapassem. Daqui a 3 anos começamos a crescer e, aí, ou volta o Sócrates ou o PS arranja um líder ou uma maioria de esquerda. Se volta o Sócrates o PS não tem que se queixar. Este homem é um mentiroso, incapaz e objectivamente, serventuário do grande capital com quem governou nestes últimos 6 anos. O PS deve fazer maiorias à esquerda, se o PCP e o BE não quiserem ou não puderem, há que recriar a esquerda em Portugal. É disso que se trata. Não às maiorias absolutas do PS!
De Carlos Mesquita a 3 de Junho de 2011
Não vale a pena fazer cenários para uma peça que ainda não está escrita.
Acabei de fazer o meu último "post eleitoral" - sobre o voto em branco.
Talvez não saibam mas os "votos em branco contam na conversão de votos em mandatos, diminuindo a percentagem necessária para eleger deputados, ou seja votos em branco de eleitores de esquerda podem contribuir para eleger um deputado do CDS e votos em branco de eleitores de direita eleger para o BE.
Votar em branco não só não impede a eleição dos deputados, como podem ajudar a eleger deputados que nunca o eleitor desejaria".
A loja fecha, para reabrir na próxima regência política.
De Susana a 4 de Junho de 2011
Excelente reflexão, obrigada, vou partilhar.

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